Por João Alberto da Costa Pinto [*]

 

Há mais de dois meses o país vem assistindo ao desenrolar de uma greve sem precedentes: a quase totalidade dos professores da rede federal de ensino [1] está em greve contra o governo Dilma Rousseff. A greve mobiliza-se em defesa de uma reestruturação da carreira docente e por melhores salários. Junto com os professores, também estão em greve os funcionários técnico-administrativos da rede federal de ensino, categoria funcional que, se comparada com as demais categorias, é a portadora dos salários mais baixos do funcionalismo público federal. O atual governo petista tem no seu comando um expressivo corpo de tecnocratas com trajetórias políticas de esquerda, a começar pela própria presidenta Dilma Roussef. Grande parte dessa tecnocracia tem suas origens políticas junto a partidos socialdemocratas como o PT, o PCdoB e o PDT, e a centrais sindicais como a CUT (Central Única dos Trabalhadores). Como um governo com esse timbre deixa indefinidas por tanto tempo as negociações com os professores federais em greve? Neste artigo proponho uma sumária descrição da greve em desenvolvimento, e com isso faço uma breve reflexão sobre o trabalho docente dentro das universidades federais, especialmente o trabalho dos professores-doutores.

Cenas de uma greve em andamento

No dia 13 de julho de 2012, com quase dois meses de greve, o governo Dilma reuniu-se pela primeira vez com os sindicatos dos professores, o ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) e o PROIFES (Fórum dos Professores de Instituições Federais do Ensino Superior), e nessa ocasião apresentou uma proposta de reajuste salarial e reestruturação da carreira aos professores em greve [2]. A greve foi iniciada no dia 17 de maio de 2012 sob a liderança do ANDES-SN, com a paralisação de 14 universidades; nas duas semanas seguintes estavam paralisadas 40 universidades. Nessa ocasião, o PROIFES era contrário à greve porque se convencia de estar em efetiva interlocução com o Ministério da Educação (MEC) e com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). No entanto, em 27 de maio, foi deixado a falar sozinho pelos corredores ministeriais, porque os negociadores do governo cancelaram a reunião sem dar explicação alguma. Sem o seu costumeiro interlocutor e com uma greve em andamento, o PROIFES tinha um sério problema a enfrentar: os próprios professores em greve. O caso da ADUFG/PROIFES em Goiânia foi emblemático. No dia 06 de junho, já com 40 universidades em greve, a ADUFG convocou uma assembleia a realizar-se no auditório da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. Para surpresa do sindicato, às 14h30 estavam presentes mais de 400 professores. No dia 04 de junho, os estudantes da UFG decretaram-se em greve. No dia da assembleia dos professores muitos estudantes estavam nas imediações do auditório com um “apitaço”, manifestando apoio à greve nacional dos professores. Iniciados os trabalhos, a presidente da mesa procedeu a uma manobra perigosíssima diante dos mais de 400 professores à sua frente: afirmou, para espanto de todos, que só começaria a assembleia se todos os filiados da ADUFG no auditório estivessem sentados “à frente”, para que os mesmos pudessem manifestar visivelmente os seus votos “oficiais”. Com essa exigência, a presidente da mesa (também presidente do sindicato) cometeu o maior erro político da sua curta carreira como gestora do sindicato dos professores da UFG. Os professores presentes no auditório numa estrondosa vaia recusaram essa divisão protocolar de uma assembleia apenas para filiados do sindicato, já que era uma assembleia dos professores da universidade, e exigiam-lhe o início dos trabalhos. Centenas de professores pediam o início da assembleia; e como a presidente da mesa afirmasse que a assembleia seria apenas para os filiados do sindicato, uma professora subiu ao palco para tentar fazer uso do microfone, em protesto àquela situação. Desse gesto e da recusa ao início dos trabalhos, seguiu-se um tumulto com alguns professores para, logo a seguir, a presidente da mesa e do sindicato declarar a assembleia encerrada por não oferecer condições de segurança aos membros da mesa. Os representantes sindicais abandonaram os trabalhos levando consigo microfones e caixas de som. Não conseguiram levar a mesa que estava no meio do palco, porque, de fato, era uma mesa pesada. Algo de extraordinário aconteceria logo a seguir: as centenas de professores ali presentes, não abandonaram o auditório, a assembleia pode finalmente começar e, duas horas depois, 400 professores declararam por unanimidade a greve na UFG. Daquela extraordinária assembleia organizou-se o Comando Local de Greve, composto por jovens professores, desconhecidos entre si e da grande maioria dos presentes. São esses professores que há mais de um mês organizam as assembleias e os trabalhos de divulgação da greve em andamento. Para a maioria deles e para a maioria dos demais professores da UFG, que estão paralisados, esta é a primeira greve de suas vidas.

Nos dias seguintes o sindicato tentou criminalizar o acontecido, mas nada pode fazer diante do processo em curso. Numa prática habitual, consultando por email os seus filiados, a ADUFG/PROIFES decidiu-se pela greve no dia 15 de junho; nessa data a greve nacional já paralisava mais de 80% das universidades e institutos federais. Nas assembleias seguintes, os professores em greve na UFG puderam conhecer efetivamente a realidade do seu sindicato. Quando a discussão para o fundo de greve se fez presente, os professores descobriram esta situação: o sindicato, com uma receita líquida mensal de 160 mil reais (receita anual de quase 2 milhões de reais) obtida das mensalidades dos seus filiados, veio a público para dizer que não tinha dinheiro disponível para o fundo de greve porque comprometia parte significativa da sua receita na construção de um prédio nos anexos da sede, e que, quando muito, poderia dispor ao Comando Local de Greve algo em torno de 20 mil reais. Para justificar que não tinha dinheiro para o fundo de greve, o sindicato mostrou à assembleia as planilhas das receitas e gastos de manutenção, deixando claro a todos que ao funcionar como uma empresa capitalista comprometia a integralidade da sua receita com uma estrutura que só atendia as particularidades da sua dinâmica interna. Um professor na assembleia sugeriu então que fosse vendido o luxuoso automóvel que a diretoria do sindicato usa para se deslocar pelas ruas de Goiânia e pelas estradas do estado e que, com o dinheiro da venda do automóvel e mais os 20 mil inicialmente oferecidos, o Comando de Greve poderia dispor de uma quantia razoável para os trabalhos de organização. Diante dessa proposta e de outras mais, logo a seguir, o Sindicato comunicou à Assembleia a disponibilização de 60 mil reais para o fundo de greve, e que para isso interromperia as obras do novo prédio. O automóvel não foi vendido.

Em suma, as assembleias dos professores em greve na UFG mostraram aos mesmos que, além do governo, tinham também outro inimigo político: o sindicato ADUFG/PROIFES. Ressalvar a questão sindical parece-me fundamental porque o grande impasse para a não negociação do governo com os professores deve-se também aos modelos e práticas institucionais das representações sindicais do ANDES-SN e do PROIFES. Não poderei aqui desenvolver em maior detalhe essa questão, o farei noutro artigo, mas um fato já é evidente: o sindicato PROIFES será o grande derrotado; em curto prazo ou se reformulará ou desaparecerá, o que não quer dizer que o ANDES-SN possa vir a ser vitorioso. O extraordinário processo de auto-organização dos professores, a sua radicalidade na percepção do cenário político do capitalismo sindical que a greve lhes apresenta, a afronta política que o governo lhes impõe, esses inquestionavelmente serão os resultados mais significativos para os professores federais em greve. Sairão derrotados o governo petista, o sindicato PROIFES (CUT, PT, PCdoB e PSDB) e também o ANDES-SN (CONLUTAS, PSol e PSTU). Desta greve, os únicos vitoriosos serão os professores, mesmo que não tenham nenhuma de suas reivindicações atendidas.

Impasses de uma negociação

Os ministérios responsáveis pelas negociações com os professores em greve procrastinaram o diálogo até limites de intransigência absurda, e somente quando a greve já atingia 56 das 59 universidades é que, no dia 13 de julho, apresentaram aos docentes a sua proposta de reestruturação da carreira e aumento salarial. Na semana seguinte, os professores de todas as universidades em greve (no dia 23 de julho, das 59 universidades federais, apenas uma, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte [UFRN] não estava em greve) rejeitavam unanimemente a proposta do governo.

O tão anunciado aumento de “até” 45% que o governo Dilma apresentou aos professores federais no dia 13 de Julho de 2012 atenderia apenas uma minoria reduzidíssima dos Professores Titulares em final de carreira. Consideremos aqui, para dar melhor sentido, o salário de um Professor Doutor em início de carreira (70% dos professores federais são doutores). Um professor doutor começa a sua carreira como Professor Adjunto 01 e recebe atualmente 7.627,01 reais (valores de março de 2012). Com a proposta do governo, a partir de julho de 2013 (!) o valor passaria a 8.580,00 reais (perceba o leitor: a primeira parcela do “aumento” salarial proposta pelo governo seria paga daqui a um ano!); em março de 2014 receberia a segunda fração do aumento, com o salário passando a 9.300,00 reais; e em março de 2015 receberia exatos 10.007,24 reais. Isto é, neste exemplo, o governo propunha um aumento escalonado até março de 2015 de 32% sobre o valor atual. Conclua-se, portanto, que para a maioria do Magistério Superior federal, se fosse aceito, o aumento proposto pelo governo a ser pago em parcelas até 2015 para a grande maioria dos professores seria de 32%. E somente em julho de 2013 (!) é que aconteceria o pagamento da primeira parcela. Assim, daqui um ano o aumento salarial significaria apenas 12% sobre o salário atual. Os propalados 45% de aumento são uma grande farsa contábil, pois sequer atingiriam a grande maioria dos docentes do Magistério Superior federal (os doutores-adjuntos); muito pelo contrário, somente uma minoria do conjunto (algo próximo a 10%) seria atendida com esse reajuste e ainda assim só em março de 2015 [3]. Contudo, os problemas da proposta do governo, rejeitada por unanimidade pelos professores em greve, não se limitavam apenas às correções salariais. Apresentaram-se ali aspectos a considerar ainda mais graves do que esses e que cabe aqui destacar, porque tais problemas haverão de permanecer no conjunto das negociações ainda em andamento do governo com os grevistas.

A carreira de um professor doutor nas universidades federais

Atualmente, um professor com o título de Doutor inicia a sua carreira no Magistério Superior federal como Adjunto 01, e com interstícios de dois em dois anos pode progredir até Adjunto 04. Além das oito horas-aula semanais mínimas exigidas, a realização dos seus projetos de pesquisas e orientação de alunos na graduação, especialmente em trabalhos de conclusão de curso, se estiver trabalhando em algum curso de Pós-Graduação Stricto Sensu na sua Universidade, terá direito de pleitear promoção para a categoria de Professor Associado; para isso passará por avaliações de produção (artigos e livros, etc.), deverá estar ministrando uma disciplina e ter orientandos no Mestrado e/ou Doutorado. Se aprovado, segue evolução escalonada de Associado 01 até Associado 04, passando também pelos mesmos interstícios de dois anos para superar cada etapa. Um detalhe a observar é que, nesse caso, a avaliação de progressão (de Adjunto para Associado) será feita por uma comissão da Universidade externa à sua Faculdade de origem. São processos que demoram vários meses para serem concluídos. No fim da sua vida, e se houver alguma vaga na sua Faculdade, esse professor Associado 04, se tiver paciência, coragem e forças, poderá fazer um concurso público para Professor Titular. Nas raríssimas oportunidades em que tais vagas se disponibilizam, quase sempre esse professor enfrentará, no concurso, concorrentes da sua própria Faculdade e concorrentes de outras Faculdades e Universidades, porque se trata de um concurso público nacional. Nessas ocasiões a Faculdade vive dias constrangedores de grande agitação estudantil, como estão presentes interesses particulares em disputa, torcidas dos alunos orientandos de cada professor em pugna manifestam-se pelos corredores, além das costumeiras manifestações de vaidades enlouquecidas que fazem tremer os bastidores das reuniões de colegiado; nessas reuniões quase sempre se escutam frases assim: “a minha obra é muito mais importante do que a sua!”. Enfim, depois de muitos anos nessa solitária trajetória, se aprovado como Titular, esse professor finalmente chega ao ápice da sua “excelência acadêmica”. Nessa altura da vida, o senhor Professor Doutor Titular poderá respirar fundo e, muito orgulhoso de si mesmo, abrirá um largo sorriso diante do espelho, “eu consegui!”, dirá ele para si mesmo. Em carreiras assim apresentadas e assim escalonadas, é impossível no cotidiano das universidades qualquer espaço para solidariedades efetivas entre os professores. É por isso que as práticas que a atual greve tem apresentado marcam-se como uma vitória exponencial para os professores: na greve constroem-se práticas de solidariedade orgânica, práticas impossíveis no dia a dia do trabalho docente, esmagado por imposições de carreira que têm como resultado cenas de selvageria explícita entre os professores, ainda que pelos corredores todos sejam muito educados uns com os outros.

O ingresso por concurso público às Universidades Federais é predominantemente feito por Doutores, e para o cargo de Adjunto, mas ainda há muitos concursos para Professor Assistente, principalmente para as Universidades de estados da federação mais distantes do eixo Rio-São Paulo, que ainda é o eixo dominante da excelência acadêmica nacional, e em menor escala, muito raros, os concursos para Professor Auxiliar (professores apenas com a graduação). Para um Professor Assistente exige-se o título de Mestre e atualmente a sua progressão também segue os interstícios de dois anos (de Assistente 01 até Assistente 04); mas, neste caso, só passará a Adjunto se tiver o título de Doutor (o mesmo vale para o professor Auxiliar; este só passará a Assistente quando tiver o título de Mestre). Ainda há muitos professores Assistentes no conjunto do Magistério Superior federal, mas o predomínio, repito, é de Professores Doutores, professores Adjuntos [4], mas poucos são Associados, isto porque para ser Professor Associado, além do título de Doutor, como afirmei, esse professor precisa estar vinculado a um Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu, e nem todas as Universidades Federais têm Programas de Pós-Graduação disseminados; a evidência maior dessa realidade acontece nas Universidades mais “distantes” do eixo acadêmico hegemônico. É comum o argumento de que o governo, na sua proposta de reorganização das carreiras, esteja a estimular a criação desses ambientes institucionais de pós-graduação fora do eixo dominante. Essa é uma “meia-mentira”. É importante ressalvar que uma Pós-Graduação só  começa a funcionar se aprovada pelo CAPES/CNPq, agências de fomento controladas, evidentemente, por aqueles professores originados desses centros dominantes de “excelência” acadêmica. Para um Programa de Pós-Graduação ser aprovado, além dos protocolos burocráticos formais, exige-se por parte dos proponentes um substantivo capital acadêmico, isto é, que esses proponentes tenham boas relações com os professores-gestores que controlam as diretrizes das áreas do conhecimento dentro dessas agências de fomento; só com esse tipo de relacionamento, comumente construído por relações de orientadores e orientandos (doutores e doutorandos em formação), é que se pode efetivamente aprovar o funcionamento de um Programa de Pós-Graduação. Por exemplo, se um grupo de professores doutores dentro de uma Universidade resolvesse criar um curso de Pós-Graduação porque com o mesmo poderia melhor equacionar as realidades de pesquisa local que lhe fossem demandadas, mesmo que viesse a cumprir todos os protocolos burocráticos, só conseguiria ter algum sucesso com a demanda se alguém desse grupo tivesse “bons contatos” institucionais e se as ementas e diretrizes teóricas fossem ajustadas ao paradigma teórico em vigência naquela semana da entrega da proposta. Demoram-se muitos anos para que um Programa de Pós-Graduação seja aprovado e autorizado a funcionar. Em suma, no quadro descrito do Magistério Superior federal são raríssimos os Professores Titulares, são maioria absoluta os Professores Adjuntos e, em menor proporção, o conjunto dos Professores Assistentes, Associados e Auxiliares.

Atualmente um professor Doutor-Adjunto ainda sem vínculos com a Pós-Graduação deve obrigatoriamente ministrar um mínimo de oito horas-aula semanais em cursos de Graduação e ter projeto de pesquisa cadastrado em realização, além das orientações citadas anteriormente. Se esse professor passar a trabalhar em nível de Pós-Graduação, e se ainda conseguir ser aprovado como Associado, deverá ter as mesmas oito horas-aula mínimas, mas nesse caso pode dar quatro dessas horas-aula na Pós-Graduação e as outras quatro horas-aula na Graduação. Nesse momento da carreira, além das aulas e das orientações (da graduação e da pós-graduação), esse professor tem que obrigatoriamente escrever e publicar livros e artigos em revistas especializadas ranqueadas pelas agências de fomento à pesquisa; esses são os produtos das suas pesquisas cadastradas junto à sua unidade. Dependendo da área de atuação desse professor-pesquisador, os resultados da sua produção intelectual serão naturalmente circunstanciados pelo tempo que os objetos de pesquisa podem exigir. Por exemplo, num laboratório de análises clínicas pesquisas podem dar resultados quase que imediatamente se o pesquisador estiver com os materiais em mãos e muitas vezes esse é o seu principal problema, porque um laboratório tem uma complexidade tecnológica de alto custo, com ferramentas muitas vezes ausentes do mercado nacional. O tempo de pesquisa, em situação como essa, em grande parte depende da capacidade produtiva do laboratório; já um historiador ou um sociólogo tem que  inevitavelmente “gastar” muito mais tempo individual na construção dos resultados das suas indagações (pesquisa documental em jornais antigos, por exemplo, reflexões conceituais detalhadas frente à tradição do campo indagado) e, numa comparação extremamente simplificada, os resultados do pesquisador no laboratório podem ser apresentados num artigo de poucas páginas, mas os resultados da pesquisa de um historiador nunca podem ser apresentados num artigo de poucas páginas, exceto se for um artigo de revisão bibliográfica; como consequência, esse pesquisador publicará menos artigos ou livros se comparado com o pesquisador e sua equipe no laboratório. A natureza produtiva das ciências define quantitativamente os resultados da produção intelectual de cada um (os resultados qualitativos só poderão ser aferidos por pares no mesmo campo científico). Enfim, são professores-pesquisadores com trabalhos de pesquisa resolvidos em tempos muito diferentes, produtos a mais ou a menos em carreiras distintas, mas com a mesma caracterização institucional: são professores doutores. O que sugeria a proposta do governo? Aumentar a carga de horas-aula para cada professor, das atuais oito horas para um mínimo de doze horas-aula. O que poderia ser um detalhe é, na verdade, o ponto fulcral da questão, e o que me parece ser o mais grave nesta proposta. Vejamos.

Disse acima que a maioria do corpo docente do Magistério Superior federal é constituída por Professores Doutores na categoria de Adjunto. Um professor-adjunto pode ou não dar aulas na Pós-Graduação; contudo, se quiser avançar na sua carreira tem que inexoravelmente orientar pós-graduandos, além de realizar suas pesquisas para os seus artigos e livros. Sem estes, não conseguirá manter-se como professor Associado e muito menos atrever-se ao pleito de um concurso para professor Titular. Esse é o ponto chave que está em jogo nesta greve. O aspecto central que os professores em greve devem manter de modo intransigente frente à ameaça tecnocrática suicida do governo é a preservação da disponibilidade de TEMPO para a pesquisa. Com a obrigatoriedade das doze horas-aula presenciais em sala de aula, o tempo de pesquisa é dramaticamente reduzido, já que quatro horas-aulas a mais em sala de aula representam para o professor que as ministra uma quantidade enorme de horas que terá que dispor para os alunos dessa disciplina, para a preparação das aulas, para as provas e trabalhos a corrigir, tempo, portanto, impedido à pesquisa. Mas, além, da progressiva perda do controle do seu tempo produtivo, sofre outro acinte administrativo por parte do Ministério de Educação.

Atualmente, com o título adquirido, se for um Doutorado, por exemplo, um professor-mestre Assistente passa automaticamente para Professor Doutor Adjunto 01. Na proposta de reestruturação da carreira do governo (proposta que foi rejeitada unanimemente pelas 58 universidades em greve, mas ainda não reconsiderada pelo governo) esse direito pela titulação adquirida deixa de valer, porque o MEC impõe, à sibilina, que o portador do novo título acadêmico passe também por um processo que define como “de avaliação de desempenho de acordo com diretrizes estabelecidas pelo MEC”. Não ficam claras quais poderiam ser essas “diretrizes” do MEC. Enfim, o governo Dilma impõe aos professores federais do Magistério Superior inúmeros outros obstáculos à progressão da carreira docentes, e são todos de uma obscuridade tecnocrática sem precedentes. Por fim, é de se ressalvar que o ápice da carreira para o Magistério Superior, o acesso à condição de Professor Titular, como determina a proposta do governo, estaria disponibilizado para apenas 20% das vagas existentes na Unidade de Ensino de origem dos possíveis candidatos. O cenário interno da guerra de “todos contra todos” estaria assim institucionalizado. Note-se, portanto, que a existência reduzidíssima de professores Titulares (os que receberiam em janeiro de 2015 os tais “45%” de aumento) é, pela documentação oficial da proposta, sentenciada de fato à condição de fração “reduzidíssima” no cenário das promoções possíveis na carreira de um docente do Magistério Superior federal.

A proposta do governo Dilma é humilhante para com os professores e humilhante para com a carreira do Magistério Superior federal. A tecnocracia dos ministérios da Educação e do Planejamento, de um modo insidioso, vem a público afirmar um aumento de 45% de salário, quando de fato o que oferece é a obrigatoriedade de 50% de aumento de trabalho em sala de aula, roubando uma quantidade de horas semanais que, com bastante dificuldade, os professores tentam preservar para as suas pesquisas. Uma proposta inaceitável e que por isso foi rejeitada de imediato por todos os professores em greve.

A guerra que virá

É fato consensual que a tecnocracia de “esquerda” do atual governo (como a do governo Lula) é uma das melhores expressões institucionais na organização do capitalismo no Brasil na última década. Mas, ao atingir diretamente os tempos produtivos do trabalho dos professores-pesquisadores, portanto, de todos os professores federais das universidades (é intrínseca à função desse docente a obrigatoriedade da pesquisa), anulando a capacidade de pesquisa a favor de uma maior intensificação do trabalho em sala de aula, essa tecnocracia compromete o futuro da produção capitalista nacional, impedindo o país de estruturar de modo irreversível, por décadas futuras, os níveis produtivos de mais-valia relativa com alto valor técnico científico agregado. Enganam-se aqueles que pensam que a greve do Magistério Superior federal possa ser uma greve organizada por princípios “esquerdistas” (ou que seja uma greve do ANDES-SN, por ser este um órgão sindical de oposição à CUT e mesmo ao governo). Muito ao contrário, sabe-se que há entre os grevistas muitos professores “esquerdistas” (como também é verdade que vários desses “esquerdistas”, muito espertamente, durante a greve ficam em casa escrevendo artigos e livros para ampliar os currículos Lattes, e que da greve mesmo pouco querem saber; afinal, têm uma carreira de sucesso a defender, e depois sempre poderão se abanar com os livros publicados).

Esta é uma greve em defesa da qualidade do ensino e da pesquisa nas Universidades federais de ensino, uma greve que perspectiva, portanto, uma maior eficiência para essa que é uma das instituições fundamentais do capitalismo. Só há capitalismo robusto com universidades centradas em pesquisa e ensino de excelência. Esta é uma greve que no seu limite institucional defende um capitalismo mais eficiente para o país. Paradoxalmente, portanto, é uma greve que exige uma melhor eficiência administrativa da tecnocracia de “esquerda” que comanda hegemonicamente os destinos institucionais do capitalismo brasileiro. Esta é uma greve de professores que, na sua imensa maioria, sempre estiveram ao lado dos governos de “esquerda” (Lula e Dilma). Com esta greve, um fato pedagógico de extrema importância apresenta-se aos professores e à população em geral: a “esquerda” capitalista que administra o país (PT e PCdoB) ao lado da principal central sindical (CUT) é inquestionavelmente a grande inimiga dos trabalhadores. Os gestores-tecnocratas da esquerda da mais-valia absoluta, ao assumirem a direção do governo brasileiro, querem agora impor aos professores federais o seu controle institucional dos tempos produtivos da mais-valia relativa. São, portanto, os nossos grandes inimigos, são inimigos dos trabalhadores. Hoje, os gestores como classe dominante capitalista não são mais o inimigo oculto de antes. Esta greve os coloca a nu diante dos olhos de todos nós. Contudo, não é uma greve de classe. Os professores em greve querem melhores salários, querem uma melhor carreira, os professores em greve querem que a eficiência do projeto capitalista que o país vem desenvolvendo nos últimos anos sob a administração tecnocrática da “esquerda” capitalista (PT e PCdoB) seja mantida e que as universidades sejam sócias fundamentais nesse projeto. Os professores hoje em greve sempre apoiaram com bastante entusiasmo o governo Lula e o governo Dilma, mas agora a boa relação tenderá a acabar, porque, diante das necessidades macroestruturais da economia capitalista brasileira, a intensificação da exploração terá que se generalizar em patamares nunca antes vistos neste país. O colossal avanço do capitalismo brasileiro no mundo encontrou na “esquerda” capitalista, já citada, o seu melhor corpo gestor; mas, para que tal processo se mantenha, a Universidade brasileira terá que se enquadrar definitivamente como parte fundamental da reprodução dessas condições de produção. A Universidade brasileira, terá que deixar de ser um paraíso de “belas almas” e fazer de todos nós proletários da mais-valia relativa.

Notas

[*] Professor Adjunto 3 na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás.

[1] Além de 59 universidades, a rede federal de ensino envolve também o Colégio Federal Pedro II (na cidade do Rio Janeiro), que está em greve, e ainda 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFECT), 34 deles também em greve. Centenas de milhares de alunos da rede federal de ensino estão sem aulas por causa da greve.

[2] A proposta está disponível aqui e aqui.

[3] Para encerrar a descrição dos números apresentados pela única proposta do governo até agora apresentada, peço ao leitor que note, numa comparação simples, um exemplo das distorções salariais, por titulações similares, no atual quadro do funcionalismo público federal. Para o concurso público (com inscrições ainda em aberto) da Receita Federal, o salário inicial de um candidato aprovado ao cargo de Analista Tributário, portador de um diploma em qualquer graduação, isto é, um profissional graduado sem especialização para a função que exercerá, o salário desse candidato aprovado será de exatos R$ 7.996,07. Disse anteriormente que atualmente o salário inicial de um professor concursado com o título de Doutor é de R$ 7.627,01, mas, se comparada a titulação com este exemplo do analista tributário percebe-se a grande distorção salarial que há entre a força de trabalho de titulação idêntica, porque um professor nas Universidades Federais, concursado e apenas com a graduação (na categoria de Auxiliar), começa a carreira com R$ 3.244,88.

[4] No exemplo que melhor conheço – o da Universidade Federal de Goiás (UFG), conforme um relatório de 2010 com dados totalizados até 31 de dezembro de 2009 (o único disponível com dados totalizados mais recentes), do total de 1800 professores, em exercício e afastados (para titulação), 1111 eram Doutores (62%), 583 eram Mestres (32%), 64 eram Especialistas (4%) e 42 eram professores apenas com Graduação (2%).
Consultar aqui.

Aqui um breve comentário (bastante provisório) da proposta que o governo apresentou ontem à noite (24 de julho de 2012) aos professores em greve

1 Não há mais nenhuma menção às 12 horas-aula mínimas obrigatórias, suponho então que serão mantidas as atuais 08 horas-aulas mínimas obrigatórias (este seria o principal ponto positivo, penso que foi uma conquista da nossa greve; mas também penso que essas 12 horas-aula foram plantadas como um “bode preto” para as nossas carreiras, algo para ser retirado nas negociações futuras, como as que tivemos ontem);

2 Anteciparia o pagamento da primeira parcela do aumento salarial de Julho de 2013 para Março de 2013;

3 As progressões de nível aconteceriam em interstícios de 24 meses, mas com normatização do MEC, que viria a público após 180 dias (!) (essa é a grande incógnita da proposta);

4 As promoções de Auxiliar para Assistente e depois para Adjunto não exigiriam mais o título de doutor, isto é, um professor Graduado (ou Especialista) poderia alcançar o “teto” de sua carreira como Adjunto 4, contudo, ainda que não lhe fosse pedida a titulação (que hoje é exigida), só poderia progredir se fosse aprovado sob os tais critérios de avaliação que o MEC normatizaria;

5 O título de doutor só seria exigido na promoção de Adjunto para Associado;

6 Haveria reposicionamentos pelo tempo de titulação (Doutores) na carreira de Associado (pelo que posso presumir essa situação favoreceria os aposentados e os Associados na ativa);

7 Professor Titular seria um “cargo isolado” e com vagas para apenas 5% do total de docentes efetivos na carreira em cada instituição, preenchidas por concurso público (sendo assim, os demais professores terminariam a sua carreira como Associado 4);

8 Propõe-se que os novos concursados ingressem no Magistério Superior como professores Auxiliares. Essa categoria de Professor-Auxiliar seria reestruturada (o atual ingresso nessa categoria remunera um professor em 2.872,85 reais [só com Graduação – se tiver um título de Especialista, o valor atual é 3.244,88 reais]: o professor (Graduado e Especialista) passaria a receber em Março de 2015, como Auxiliar 1, 8.639,50 reais (haveria aqui, de fato, uma reformulação no início da carreira e esse é um dos principais aspectos da proposta governamental, esse valor passaria a ser o piso da carreira docente nas universidades). Mesmo que esse candidato aprovado já fosse Doutor, o salário de Auxiliar 1, a partir de março de 2015 seria 1.012,48 reais a mais que o valor atual (Março de 2012) de um Adjunto 01 (7.627,02 reais), e passados os três anos do estágio probatório, esse doutor poderia passar direto a Adjunto 01, com um salário de 10.007,24 reais (em Março de 2015, se for aprovado, evidentemente, pelos tais critérios do MEC).

9 Minha conclusão: os professores em greve conquistaram alguns avanços sobre a proposta anterior do governo (que foi rejeitada na sua integralidade e por unanimidade em todas as 58 universidades em greve). Com a não exigência da titulação na carreira de Auxiliar 1 a Adjunto 4, esses docentes seriam os aulistas e os Associados, os docentes-pesquisadores. A proposta pouco avança (se comparada com a do dia 13 de julho, que foi rejeitada integralmente) para quem já é Adjunto 3 e 4 e/ou Associado 1 (aproximadamente 30% dos professores [35% dos atuais professores doutores são Adjuntos 1 e 2]), mas é um avanço salarial (e isso já para Março de 2013) para quem é Auxiliar e Assistente (cerca de 30% dos professores).

18 COMENTÁRIOS

  1. Parabens Prof Joao Alberto, seu artigo é muito claro e nos apresenta pontos interessantes para refletir sobre o papel “destes sindicatos”que dizem nos representar. Há muitos anos estamos descontentes com este ADUFG/PROIFES, espero que agora consigamos dar um “basta”neste grupelho pelego. Ainda bem que temos “sangue novo” e Bom, pra levar esta luta pra frente!!!!
    Parabens !!!!
    Saudações Universitárias,
    Lenir

  2. Acabo de ler o artigo, e muito me assusta, dá até um frio na espinha, perceber o mesmo princípio adotado pelo secretário da educação de Goiás, Dep. Thiago Peixoto, presente na proposta do governo Dilma, o que confirma uma suspeita que a mim se fez chegar durante a greve da rede estadual: A existência de uma política pública para educação em nível nacional e transpartidária voltada para a meritocracia! Vejam o absurdo: “Atualmente, com o título adquirido, se for um Doutorado, por exemplo, um professor-mestre Assistente passa automaticamente para Professor Doutor Adjunto 01. Na proposta de reestruturação da carreira do governo (proposta que foi rejeitada unanimemente pelas 58 universidades em greve, mas ainda não reconsiderada pelo governo) esse direito pela titulação adquirida deixa de valer, porque o MEC impõe, à sibilina, que o portador do novo título acadêmico passe também por um processo que define como “de avaliação de desempenho de acordo com diretrizes estabelecidas pelo MEC”. Não ficam claras quais poderiam ser essas “diretrizes” do MEC” E também: “Por fim, é de se ressalvar que o ápice da carreira para o Magistério Superior, o acesso à condição de Professor Titular, como determina a proposta do governo, estaria disponibilizado para apenas 20% das vagas existentes na Unidade de Ensino de origem dos possíveis candidatos.” São os mesmo princípios já promulgados para o plano de carreira para nós professores da rede estadual em Goiás, haja vista que também deveremos ser submetidos à avaliação para pleitear a ‘Gratificação de desempenho’ a ser realizada anualmente sob a reserva de apenas 20% do quantitativo do corpo docente ativo, na ordem de 10% sob o vencimento, com o interstício de 3 anos para os contemplados.

  3. Pequenos comerciantes, pequenos
    patrões, pequenos funcionários, administradores,
    professores, jornalistas, intermediários de todos
    os tipos formam esta não-classe, esta
    gelatina social composta pela massa daqueles que
    gostariam simplesmente de passar a sua pequena
    vida privada à margem da História e dos seus
    tumultos. Este pântano é por predisposição o
    campeão da falsa consciência, pronto a tudo para
    continuar, na sua hibernação, de olhos fechados
    perante a guerra que se trava em seu redor.

    Não será a greve atual apenas mais um momento de um movimento que simplesmente oculta o real “não movimento”, isto é, essa inércia efetiva que povoa esta representação, essa falsa luta do já esclerosado “mundo sindical”?

  4. “No fim da sua vida, e se houver alguma vaga na sua Faculdade, esse professor Associado 04, se tiver paciência, coragem e forças, poderá fazer um concurso público para Professor Titular. Nas raríssimas oportunidades em que tais vagas se disponibilizam, quase sempre esse professor enfrentará, no concurso, concorrentes da sua própria Faculdade e concorrentes de outras Faculdades e Universidades, porque se trata de um concurso público nacional.” Este trecho, na realidade, subestima o problema muito frequentemente encontrado, no que diz respeito aos concursos para Professor Titular: o caráter profundamente FISIOLÓGICO dos processos de seleção de Titulares, desde a distribuição de vagas (amiúde saídas da “reserva técnica” do Reitor) até a formação de bancas e o processo do concurso. Em geral, são professores DO PRÓPRIO DEPARTAMENTO/DO PRÓPRIO INSTITUTO/DA PRÓPRIA FACULDADE (no sentido estrito deste último termo) aqueles que prestam os tais concursos – e as manipulações mais desabridas não são raridade.

    Diferentemente de países como Alemanha, França, Inglaterra ou EUA (de onde sempre tentamos, canhestramente, importar soluções e modelos), no caso brasileiro o “Professor Titular” acaba, muitas vezes, sendo escolhido mais por razões “POLÍTICAS” (boas conexões, influência institucional etc.) que, propriamente, por currículo e influência acadêmica. Basta ver os currículos de muitos Professores Titulares – risíveis. Isso, se era (e ainda é, pelos menos informados ou preconceituosos) visto como uma peculiaridade de outras regiões que não o Sudeste, está longe de ser algo estranho ao famigerado “Eixo Rio-São Paulo” – lamento informar. Quem escreve estas linhas é um professor da UFRJ, que está farto de assistir a espetáculos nada edificantes em torno da seleção de Titulares.

    E uma perguntinha: por que é tão raro que se questione O PRÓPRIO “MODELO” DE CARREIRA, e a permanência, nas propostas governamentais, de um arcaísmo como o Professor Titular? Se não temos mais cátedras desde algumas décadas, não seria inteligente e coerente pensarmos em extinguir esse “cargo isolado” que é o Professor Titular, disfarçada relíquia de um passado que não deveria deixar saudade? (Falta coragem ou… discernimento?)

  5. Marcelo,

    Não são apenas os concursos para Professor Titular que costumam ser fisiológicos. A maioria dos concursos para professores de universidades públicas costumam ser fisiológicos ou com a famosa “carta marcada”. Friso que é a maioria, não todos.

  6. E a segunda proposta do governo também será rejeitada unanimemente. Aqui na UFG, na tarde de hoje, fizemos uma assembleia com 257 professores que aprovou a rejeição da proposta mantendo a continuidade da greve.
    O nosso sindicato local é PROIFES. Esse sindicato inaugura com esta greve o “peleguismo-totó”… Todos já tivemos um “totó” quando crianças, o cãozinho era chutado, xingado, mas bastava um estalar de dedos e lá estava o “totó” abanando o rabo e mijando-se todo feliz aos nossos pés… o governo estala os dedos e os “totós” aninham-se logo aos pés do senhor… O governo diz aos professores em greve: sabemos que não é uma ótima proposta, mas é a possível por agora… O “totó” encontra uma câmera de TV e logo diz: esta proposta atende a todos os nosso pedidos…E aqui em Goiânia o “totó” está sob controle do PCdoB, do PT, do PSDB… Um perfil de pequenos gestores que se acham parceiros do projeto nacional do governo.

    Professor Marcelo,
    a luta contra os antigos “catedráticos” durou anos até a extinção dessa excrecência (no fim da década de 1950, os estudantes e professores de história no Rio de Janeiro [quando fundavam a ANPUH] colocaram em debate nacional o problema dos catedráticos, e o debate arrastou-se até a década de 1980, quando a questão finalmente se resolveu. Hoje o professor Titular não tem a mesma “relevância” de um antigo catedrático. Na faculdade onde trabalho não temos concurso para Titular desde 1997. Contudo, em universidades de maior prestígio como as federais do Rio de Janeiro (a UFRJ, a UFF e a UFRRJ) tais cargos ainda agregam as cenas que descrevi no texto, foi numa dessas que vi coisas assim, candidatos da casa lutando pelo prestígio maior, torcidas de alunos, etc. Estou de pleno acordo consigo, é um cargo inócuo. A carreira de um professor do magistério superior federal deveria sumariar-se à sua titulação (graduado, mestre e doutor): professor federal mestre, professor federal doutor, etc. Discutir a carreira ainda é muito difícil, não por falta de coragem ou falta de discernimento, é difícil por causa de direitos adquiridos. Imagine que um professor tenha se aposentado depois de 35 anos de carreira, ali nos idos de 1990. Terminou a carreira como Adjunto 4, mas hoje, com os Associados, outro professor com vinte e cinco anos de carreira se aposentará daqui a dez anos como Associado 4, ganhando pelo meno 40% a mais do que o velho aposentado de antes. São duas situações de carreira diferentes dentro de uma mesma instituição. “Promover” um Adjunto 4 aposentado em Associado é ato impensável por parte deste ou de qualquer outro governo.

    Leo,
    há piores exemplos, tive notícias de vários concursos serem abertos apenas para atender um candidato previamente escolhido (concurso com candidato único), ou porque já era professor na faculdade ou porque se vinculava a determinado professor ou grupo de professores… Mas isso não é generalizado, nas federais quase sempre os concursos para professor ainda são disputados “republicanamente”.

  7. Sou graduando em engenharia e confesso que não consegui ler todo o artigo, mas pelo pouco que li e consegui entender a questão de reestruturação da carreira é infinitamente mais complexa do que as questões salariais. Todos deveriam ler este artigo para não sair falando tanta asneira que se ouve à fora. Não bastasse sua complexidade, a importância da uma nova estrutura na carreira dos professores corresponde a uma parcela significativa para que se garanta um ensino de qualidade e uma Universidade pautada na excelência em ensino, pesquisa e extensão.
    Parabéns pelo artigo.

  8. João Alberto,

    Questão de quantificar quantos concursos para universidades públicas ou federais são “marcados” ou não, é tarefa difícil. A tendência é que com a expansão das universidades federais na última década tenha havido proporcionalmente mais concursos isentos. Mas provavelmente nas universidades mais concorridas os concursos ainda devem continuar em geral tão republicanos quanto o Brasil.
    E não se trata de uma questão simplesmente de quantidade de casos que ficamos sabendo. Bem, estive próximo a um caso que trouxe um dado qualitativo por demais importante.
    No concurso em questão o primeiro colocado fazia parte de um grupo de pesquisa do presidente da banca. Um dos candidatos foi ao MPF e o MPF interpelou o departamento da universidade responsável pelo concurso. Foi aberta sindicância (cujos membros eram de outros departamentos da universidade). Nas entrevistas da sindicância, o candidato que acionou o MPF era posto na condição de réu, devido ao tom do inquérito, conteúdo das perguntas etc. Uma verdadeira tentativa de intimidação. Mais uma vez lembro que se tratava de funcionários de outros departamentos que faziam parte da comissão de sindicância.
    O que ficou claro é que ao ir ao MPF o candidato era tido como questionador de uma situação cristalizada, de uma conduta estabelecidae arraigada, tomada como direito: a da discriionaridade total da escolha do aprovado. Subliminarmente estava sendo dito: “nós escolhemos quem queremos aqui dentro da universidade e quem é você para questionar essa conduta?”.
    Ficou nítido que havia uma cultura estabelecida (não em um departamento, mas na universidade).
    Não tenho por que acreditar que essa universidade em questão era uma aberração entre as demais. O que não quer dizer evidentemente que não ajam concursos sem tendenciosidades e bancas corretas, evidentemente.

  9. Prezado João Alberto,

    Muito esclarecedor seu texto. Em virtude da situação na qual me insiro, o que mais me surpreendeu foi a questão do tempo para pesquisa e as 12 horas/aula. Sou professor do IFSC, em um curso superior de tecnologia e dou entre 14 e 18 h/aula! Na realidade, me deram 14hs para me “ajudar”, pois estou fazendo Doutorado e, como estou em estágio probatório, não posso pedir afastamento para capacitação. Mas, depois “tudo voltará ao normal”. Quando entrei, tentaram me empurrar 22hs, “porque aqui é assim, quando o professor entra dá 22, 26hs”. Tenho colegas em estágio probatório que lançaram 48, 50 hs em suas planilhas, mas tiveram que corrigir e omitir atividades para ficar dentro das 40 hs. Pior ainda para os substitutos, estes não podem ser mantidos no quadro com menos de 18 hs. Não sei se nos demais IF’s é assim, mas por aqui a coisa é complicada…
    A grande justificativa para isso é que “nossa Instituição tem vocação para o ensino”! Para quê pesquisa? E em nossa greve só se fala na Dilma. Infelizmente, o pior inimigo está bem mais próximo do que Brasília… Pior, porque ele é invisível aos olhos da grande maioria…

    Saudações na luta!

  10. O PROIFES: essa cabeça de Hidra plantada no corpo do precariado acadêmico, inserida na pele do movimento, esse enguia que se move por entre os poros do movimento. Mas, porque quais razões ela ainda existe? Não será, então, o momento do “outro” movimento dar um xeque mate, matar o cancro que lhe assola, porque a ambuiguidade ronda -desde o interior- o movimento?

    Não será por que, o “real” movimento também se constitua em simulacro do Estado, sua lógica de representacão ? Para nós, tudo é Deserto, somente o exílio desses espaços poder fazer surgir um outro devir.

  11. E o peleguismo-totó do sindicalismo local – o da ADUFG/Goiânia – mostrou-se por inteiro na tarde desta sexta-feira (03 de agosto de 2012) em meio às suas tratativas golpistas; essa direção da ADUFG/PROIFES é a expressão política sindical mais estulta e reacionária que já se viu neste Centro-Oeste. Vejam os senhores uma simples equação da psicose política que por ali vai: o sindicato tem 2200 filiados, convocaram um infame plebiscito para justificarem o acerto com o governo, mais ou menos 670 filiados atenderam o plebiscito (feito por email – curiosa foi a defesa do plebiscito apresentada por um notável ex-comunista pecedobista local, professor da UFG e hoje completamente desaparecido das assembleias) e desses “votantes”, 500 e poucos apoiaram o ato golpista. Conclusão da direção sindical: “uma ampla maioria apoiou a proposta do governo”. Como 500 professores filiados-iludidos nas artimanhas golpistas do PROIFES/ADUFG podem ser maioria se o universo é de 2200 filiados? Serão eles uns burrinhos na matemática? Evidente que não. São pequenos espertalhões encapsulados de modo arrogante num autismo político autocelebratório, líderes de si mesmos em espelhos embaçados. Os professores da UFG têm que resgatar a ADUFG das mãos desses pequenos espertalhões!!

  12. Cuidado!
    Só será possível vencer o Sindicado Pelego dos Docentes com união e luta. Esses pelegos são perigosos, muitos são profissionais da política, não ministram aulas há muito tempo, se dedicam, em tempo integral, ao peleguismo. E se dizem de esquerda, progressistas e Petistas. São maldosos e espertos,sabidos.
    Eles têm muito a perder, gratificações, viagens pagas pelos sindicatos etc…
    Saudações!

  13. Este texto é excelente. Sobretudo quando revela as estruturas da carreira docente e suas implicações nos discursos de “luta” de alguns profissionais. Os comentários, vindos, igualmente, de professores, são muito importantes. Todas as opiniões me tocam e digo o porquê. Acabei de sair de um Programa de Pós-Graduação de uma universidade federal. Coincidentemente,há cerca de 2 anos, houve, na mesma instituição, uma grande polêmica muito parecida com a que o Leo Vinícius relatou, para a vaga de um professor titular. A disputa não era pelo mérito,alegavam, mas pelo poder de um grupo específico, na base do “toma-lá-da-cá”. Como aluno, senti na pele o que as disputas pelo poder no interior das universidades significam. Também senti seus reflexos, quando, por várias vezes, ouvi da coordenação e de professores do curso que as reiteradas pressões (que, sim, podem ser tomadas como assédio moral tipo ameaças semanais de corte de bolsas, exclusão do direito de pedir prorrogação, etc) são, sempre, manifestadas “pelo bem do programa”. Não raro arbitrariedades são cometidas sob este discurso. Arbitrariedades que vão da escolha de colegas docentes à omissão proposital face ao requerimento de um aluno. A carga ideológica predominante nos discursos de muitos professores seduz boa parte dos alunos, mas as políticas de corredores, paradoxalmente, os coage. O texto do professor João é primoroso, pois nunca ouvi de nenhum professor o quanto cargos em comissões institucionais são importantes para pontuação curricular, que, fatalmente, lhes acrescerão méritos à conquista de bolsas de pesquisa individuais e por aí vai. Não julgo o desejo, mas o ponto é a ocultação do mesmo em nome de “um bem comum” de fácil assimilação. Nós, alunos, percebemos a reificação, mas chamamos mesmo é de hipocrisia (não são todos, claro! Tive o prazer de lidar com profissionais que sacrificaram muito de sua vida em nome de um trabalho de qualidade). Quando ousamos questionar, somos coagidos, não temos autoridade para sermos sujeitos de uma ação contestatória. Quando questionamos, apenas para entender, somos o senso comum refutado, aqueles que não “entendem”, os “alienados” ou “traíras”. Isso está presente em todos os níveis da universidade. Seja graduação ou Pós-graduação. O que chamamos de hipocrisia, trata-se, na verdade, de perceber a identificação de alguns docentes com o que muitos deles chamam de “Estado opressor”, “opressão”, etc. No discurso, a defesa do oprimido, na prática, a opressão. Temo que, aos olhos de professores de longa carreira como é o caso de alguns que aqui escreveram, possa parecer uma grande bobagem o que digo. O fato de vivenciar uma questão junto à universidade pode dar ao texto um caráter confuso. No entanto, resumidamente, o que gostaria de dizer é que uma verdadeira discussão sobre a carreira e a função do professor universitário no Brasil deve passar pelo esclarecimento das estruturas desse ambiente de trabalho aos alunos também. Isto porque, acredito que a atuação de muitos profissionais que vejo, insuflando greves e arregimentando jovens com sua personalidade ainda em formação é cruel e, definitivamente, não condiz com a base da luta discursivamente construída: a luta pela educação. Mais uma vez, Professor João Alberto, muito obrigada pelo texto.

  14. Duas questões:
    1)Diz o artigo:”Enganam-se aqueles que pensam que a greve do Magistério Superior federal possa ser uma greve organizada por princípios “esquerdistas” (ou que seja uma greve do ANDES-SN, por ser este um órgão sindical de oposição à CUT e mesmo ao governo). Muito ao contrário, sabe-se que há entre os grevistas muitos professores “esquerdistas” (como também é verdade que vários desses “esquerdistas”, muito espertamente, durante a greve ficam em casa escrevendo artigos e livros para ampliar os currículos Lattes, e que da greve mesmo pouco querem saber; afinal, têm uma carreira de sucesso a defender, e depois sempre poderão se abanar com os livros publicados)”.

    Pergunto: qual o interesse ao autor em agredir alguns esquerdistas em greve? O alvo não deveria ser os “direitistas” que não estão em greve ou que estão trabalhando contra? Ele deveria saber que nem todos possuem o mesmo envolvimento e o fato de estarem em greve já é motivo de não serem agredidos.

    2) Diz o artigo: “Esta é uma greve em defesa da qualidade do ensino e da pesquisa nas Universidades federais de ensino, uma greve que perspectiva, portanto, uma maior eficiência para essa que é uma das instituições fundamentais do capitalismo. Só há capitalismo robusto com universidades centradas em pesquisa e ensino de excelência. Esta é uma greve que no seu limite institucional defende um capitalismo mais eficiente para o país. Paradoxalmente, portanto, é uma greve que exige uma melhor eficiência administrativa da tecnocracia de “esquerda” que comanda hegemonicamente os destinos institucionais do capitalismo brasileiro. Esta é uma greve de professores que, na sua imensa maioria, sempre estiveram ao lado dos governos de “esquerda” (Lula e Dilma)”

    Pergunto: Se é uma greve capitalista, porque cobrar participação efetiva dos esquerdistas. Parece que o autor não compreendeu que esta greve é por um novo Plano de Carreiras quebra hierarquias pridutivistas e, portanto, questiona práticas capitalista.

  15. Prof. António Júlio,
    Se eu não compreendi que esta greve “é por um novo Plano de Carreiras”, termo esse que, como o senhor afirma, implicaria em quebrar “hierarquias produtivistas” e que por isso “questiona práticas capitalistas”, mais um motivo então para os “esquerdistas” terem a obrigação do envolvimento sistemático junto à greve, o que significa que não poderiam passar os longos dias de paralisação em casa. Se ao menos fossem às assembleias, vá lá, mas nem isso fazem. Quando um presumido ou quase sempre autonomeado esquerdista não participa da greve porque está em casa cuidando de assuntos privados (na melhor das hipóteses estudando muito seriamente as greves dos trabalhadores russos em 1905, para depois, quando a nossa greve acabar, vir a público nos ensinar qual a verdadeira perspectiva do proletariado), esse “esquerdista” na sua invisibilidade e vacuidade institucional tem que ser combatido como um “inimigo” da greve, mas de maneira ainda mais enfática (esse “esquerdista” seria então, para mim, a “extrema-direita” na greve), porque os “direitistas” ao menos sabemos onde encontrá-los, ou estão nas salas de aula com os seus alunos ou estão dirigindo os sete sindicatos pelegos do PROIFES (PT, PCdoB, CUT e CTB).

  16. Caro Prof. João Alberto

    1) Caimos num círculo vicioso. Eu usei seu argumento de que “se a greve é capitalista” não teria como cobrar dos esquerdistas (esquerdista para mim não é pejorativo). Você usou o mesmo para dizer que se eu digo que “a greve questiona práticas capitalistas”, deve-se cobrar dos esquerdistas. OK.

    2) Talvez uma diferença seja que eu veja sem problemas a existência de algumas lideranças na vanguarda. Ou seja, existem professores de esquerda que vão se envolver muito mais do que outros. Não vejo problemas nisso.E acho que os que se envolvem menos continuam sendo parceiros de luta. Vejo os adversários na direita tradicional e novata (que você citou no Proifes). Não vejo problemas em pesquisar as greves russas de 1905 no período de nossas greves, pois isto pode nos ajudar. A não ser entre aqueles que estudam as greves da revolução russa e estão contra a nossa greve.

    3) Quero ressaltar que na UFMG, onde leciono, não é necessário ser da pós-graduação para passar para associado.

    4) Ressalto a qualidade de seu texto e que minhas polêmicas estão no campo do debate. O seu texto foi, inclusive, distribuido entre os grevistas da UFMG.

    Abraços,
    Antonio Julio

  17. Gostaria de saber quem irá arcar com as perdas e custos dos alunos: O Governo ou o Sindicado?

    1) Gusto dos pais dos alunos com estadia e alimentação neste período?
    2) Perda de receita por não se formar ainda em 2012?
    3) Perda de estágio e emprego já negociado?

    Gostaria de saber se tem alguém que esta se preocupando com estes custos. Só estou vendo um lado querendo ganhar!

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