Por Comitê de Apoio e Solidariedade ao acampamento Pedro Nascimento
Eram 9h quando dois ônibus estacionaram em frente ao Paço Municipal de Goiânia. No seu interior, moradores do acampamento Pedro Nascimento, uma área de ocupação situada na região Noroeste de Goiânia. O objetivo? Conversar com o prefeito reeleito Paulo Garcia em busca de uma solução para a situação das famílias ocupantes.
Assim que os moradores começaram a concentração para descer até a entrada da prefeitura, entoando palavras de ordem, um homem se aproximou e começou a especular sobre o que era aquele grupo. Afirmou ser somente um curioso, que trabalhava na área da saúde, no entanto, soubemos logo depois que ele era o segurança do prefeito.
Iniciada a manifestação. Homens, mulheres, idosos, crianças e deficientes, todos moradores do acampamento, exigiam a presença do prefeito e seu direito a moradia digna. A movimentação dos guardas municipais que faziam a segurança do prédio começou a aumentar, e em pouco tempo outra viatura chegou. Mas não seria necessária a intervenção da guarda. Mesmo os moradores estando em seu limite, ninguém queria confusão, somente uma resposta.
A ocupação resiste há cerca de sete meses sem qualquer infraestrutura e assistência do poder público, que desde as primeiras reuniões afirma ser solidário à luta, mas que estava de mãos atadas durante o período eleitoral. Enfrentamos a ameaça de reintegração de posse, intervenções policiais, fome, sede, doenças, e outros problemas decorrentes da precariedade do local, tudo sozinhos. Estes foram os motivos que levaram os acampados a decidirem pela manifestação e a se organizarem internamente para realizá-la. E o grito dos moradores em frente à prefeitura deixa claro: “Chega de enrolação, acabou a eleição”. Isso mesmo, acabou a eleição e nada do poder público prestar qualquer auxílio ou ao menos conversar com os moradores.
Alguns assessores desceram para conversar conosco, de posse daquele velho e conhecido discurso: “vocês não precisam fazer isso, vamos conversar, a prefeitura sempre está aberta”. Queremos saber quem são estas pessoas para quem eles se abrem, já que havíamos protocolado no dia 31/10 um pedido de reunião com o prefeito e não obtivemos qualquer resposta. O engraçado é que a mesma coisa aconteceu na secretaria de habitação: não responderam o ofício pedindo uma reunião, fizemos uma manifestação e conseguimos ser atendidos. Vários outros ofícios foram enviados a diversas secretarias (assistência social, planejamento, educação) e até agora nenhuma resposta de agendamento. Será que teremos que fazer manifestação em cada um destes locais?
Pois bem, os assessores pediram um prazo para poderem se organizar para nos receber, e concordamos em esperar meia hora. Neste tempo, os guardas municipais tentaram nos convencer a sair da frente do centro administrativo, onde se localiza o gabinete do prefeito e nos abrigar em um prédio anexo, já que a chuva se aproximava e tinha um número considerável de crianças, inclusive bebês que nasceram na ocupação. É claro que não aceitamos a “solidariedade” dos guardas, e assim que completou os trinta minutos, novas palavras de ordem: “Paulo Garcia, cadê minha moradia”, “Queremos moradia, água e energia”, além de um jogral explicando ao prefeito o porquê de estarmos ali.
Rapidamente reaparecem os assessores afirmando ser impossível reorganizar a agenda do prefeito para nos receber, mas que eles haviam destacado dois secretários para isso: Fernando Santana (velho conhecido do movimento, responsável pela secretaria municipal de habitação) e Lyvio Luciano (responsável pela secretaria de planejamento). Depois de muita conversa e insistência, os moradores resolveram que poderíamos nos reunir com os dois, mas que ainda exigíamos uma conversa com Paulo Garcia.
Uma comissão de nove pessoas foi escolhida e fomos até a sala de reuniões. No entanto, já estávamos preparados para o que estava por vir. Nenhum compromisso efetivo de regularização da área e assistência às famílias ocupantes, mesmo com a assinatura do Termo de Ajuste de Conduta (TAC). A justificativa era de que eles não poderiam intervir na área sem as diretrizes do Ministério Público de Goiás, sob o risco de infringirem a legislação. Neste jogo de ping-pong, a legislação que eles dizem seguir é aquela que privilegia especuladores imobiliários e grandes empreendedores, pois, na hora de garantir os direitos constitucionais de moradia digna, saúde, educação e outros, não se constrangem em infringir a lei.
E isto fica ainda mais claro quando eles afirmaram repetidas vezes que “Não podemos deixar acontecer igual ao Sonho Real”, uma ocupação urbana que teve uma violenta reintegração de posse em 2005, com um grande saldo de feridos e mortos (o nome do acampamento é em homenagem a um dos assassinados durante esta reintegração). Acontece que esta afirmação não diz respeito à proteção dos moradores, mas ao crescimento da ocupação. Eles temem que reconhecendo o acampamento Pedro Nascimento, mais pessoas passem a ocupar a área. Nada mais lógico, já que a prefeitura de Goiânia tem um programa habitacional extremamente deficiente, com uma fila de mais de 80 mil famílias. Muitos dos moradores da ocupação já estão há anos nesta fila, e não conseguem a moradia. Perceberam por isso que a ação direta é a única forma de conseguirem algo.
Depois de muita pressão, conseguimos o agendamento de uma reunião entre estas secretarias e o Ministério Público para sexta-feira (30/11). O objetivo é conseguir estabelecer as tais diretrizes para que a prefeitura possa atuar na área, e que tanto estas diretrizes e esta atuação sejam favoráveis aos ocupantes.
Terminada esta reunião, a comissão retornou junto ao grupo de manifestantes, e começamos a fazer um relato da situação. Fernando Santana também foi conversar com os moradores, para explicar a conversa com a comissão e justificar a impossibilidade de se conversar diretamente com o prefeito.
Com o avançar da hora, os moradores decidiram que o melhor naquele momento era destacar uma comissão para participar da reunião no MP, mas deixaram claro que ainda exigem uma conversa direta com o prefeito.
Sabemos que estas reuniões não são a solução para o problema dos acampados. Sabemos que no terreno do inimigo estamos em desvantagem, mas também sabemos que isto é necessário.
No entanto, que fique claro, este não é o fim da luta, a luta é de todos, a luta é na rua, no cotidiano vivido no acampamento Pedro Nascimento, é a luta diária pela sobrevivência e que até mesmo a esquerda em Goiânia, em seu casulo ideológico, insiste em relegar ao esquecimento.
AFINAL ESTAMOS EM UMA DEMOCRACIA,OU ESTAMOS EM UMA NAU SEM RUMO !
Companheiros , não sei de que esquerda aqui se está falando na ultima frase : ” é a luta diária pela sobrevivência e que até mesmo a esquerda em Goiânia, em seu casulo ideológico, insiste em relegar ao esquecimento. ” , porque PSOL , PCB e PSTU estão já há muito tempo lutando junto com o movimento, vide a companheira Eronilde, companheiro Zelito, eu mesmo estive em diversas atividades .
Em um momento onde precisamos aglutinar pra fortalecer a luta , esse tipo de preciosismo do fim do texto não contribui mesmo, não que ninguém vá se afastar da luta , mas esse texto por exemplo, muitos companheiros já deixam de compartilhar.
Caro Paulo Winicius,
Preciosismo é justamente não compartilhar um texto que relata uma manifestação pensada e organizada pelo acampados, em decorrência de uma crítica à não participação da esquerda da cidade.
Os companheiros só compartilham textos que são citados positivamente ou não são criticados?
E crítica pública então não serve para construção e fortalecimento da luta, para chamar para a participação?
O que o texto aponta é justamente o abandono, a falta de apoio que se tem verificado ao acampamento. Seria necessário irem ao local e auxiliar os moradores, e não apenas ficar se lamentando por uma crítica feita. Aí sim haveria uma possibilidade de mudança de cenário.
Paulo Winicius,
Entendo o final do texto de forma muito diferente, não vejo ali qualquer ‘preciosismo’, mas somente a constatação que o apoio que se presta ao acampamento em muitos casos não passa de um apoio discursivo, restrito ao âmbito ideológico. É evidente que a Eronilde e o Zelito estão apoiando ativamente o movimento, eu ainda citaria muitas outras pessoas (mas por uma questão de ética e segurança prefiro não nomeá-los). Porém, entendo que o objetivo do final deste texto não é denunciar qualquer grupo, mas antes chamar a atenção que os acampados estão constituindo uma ideia muito prejudicial ao futuro do movimento, que é a de que ninguém está disposto a contribuir com a luta deles. Se sentem isolados, sós, algo que constatam pela falta de atuação dentro do acampamento. Penso que ao invés de se verem depreciados, deveriam se sentir provocados a irem lá e atuarem diretamente junto aos acampados, rompendo este isolamento, construindo relações práticas de solidariedade. O pessoal lá é carente de muita coisa, para além da carência material obvia. Precisam de apoio, mãos que estejam dispostas a criarem junto com eles novas possibilidades sociais.
Saudações.
Companheiros,
ao contrário do que foi escrito a esquerda não relega ao esquecimento essa luta, pelo contrário está na luta do movimento ( conforme reconhecido pelo companheiro Rodrigo) .Portanto é um equívoco do texto , e digo que isso não contribui em nada, o momento é de construir unidade na luta .
E quanto á crítica do Tales, nós compartilhamos textos que condizem com a verdade , e se entendemos que esse não condiz, não compartilhamos . Quanto à luta, essa sempre será compartilhada, até porque esse não é o único texto e espaço que divulga a luta.
Não nos sentimos provocados a ir apoiar o movimento, porque nós já estamos fazendo isso . Se os companheiros entendem que a esquerda deva reforçar, potencializar, aumentar sua intervenção, aí a frase final com certeza não seria a que foi escrita.
Saudações de luta, que nossas críticas públicas possam se concentrar nos inimigos de nossa classe.
Em Agosto de 2010 o Passa Palavra publicou um importante artigo intitulado «Entre o fogo e a panela: movimentos sociais e burocratização»
http://passapalavra.info/?p=27717
Esse artigo mostra que é tão imperioso proceder à crítica dos inimigos externos dos movimentos sociais como à crítica das suas fragilidades e dos inimigos internos que se geram nessas fragilidades. E a crítica não tem efeito se se restringir ao pequeno número dos activistas e dirigentes. Uma luta não é propriedade de ninguém. A análise crítica deve ser permanente e pública, para que todos nela possam participar e para que as fragilidades, as degenerescências e as burocratizações possam ser resolvidas e impedidas desde início.
O argumento de que a crítica se deve concentrar nos inimigos externos tem sido de grande utilidade para os inimigos internos. Foi com o uso maciço desse argumento que o stalinismo se desenvolveu, e a táctica reproduz-se de cada vez. Parabéns aos autores do artigo, pela coragem que tiveram em dar o nome às coisas.
Paulo Winicius,
Não acho que é o caso de detalharmos aqui quantas vezes foram, quais e o que fizeram em prol do movimento, penso que este será um exercício pouco frutífero para todos nós.
Digo ainda que quase ninguém sabe o que está acontecendo no acampamento, demonstrando o esquecimento aludido no final do artigo. Por outro lado, várias organizações têm procurado se manter simbolicamente próximas ao movimento, já que esta é uma forma de legitimar as próprias agendas políticas. Porém, neste momento, acho que não interessa a mim nem a outros companheiros o que quer que tenham pretensão de fazer com este capital simbólico (desde que não jogue contra a ocupação), mas que se todas estas organizações estão dispostas a se manterem próximas ao acampamento, é imprescindível que também estejam dispostas a constituírem grupos de trabalho para prestar apoio prático. Faz muitos meses que somente poucas pessoas (menos de uma meia-dúzia) têm comparecido ao acampamento para tentar desenvolver algum trabalho por lá. Insisto que a situação lá é por demais precária e sem cairmos em qualquer demagogia, penso que é um dever básico de qualquer militante que se considere de esquerda, ajudar de forma contundente no desenvolvimento das lutas de base em curso (ou pelo menos deveria ser), cujos resultados tendem a melhorar o ambiente político para todas as lutas sociais na cidade. Por isto, defendo a crítica a tudo que puder ser criticado, pois assim temos condição de parar para pensar nossa atuação, tendo como substrato os erros passados para avançarmos na construção da luta. Ou seja, ao invés de uma pura rejeição da crítica, seria bom para nós todos que toda a esquerda goiana mostrasse com ações que o final do artigo está errado. Mas friso, com ações. Saudações.