Mesmo antes de investigarem, as polícias já sabem. E sabem o quê? Por Passa Palavra

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O Diário de Notícias de 16 de Janeiro de 2009 publicou um artigo, assinado por Valentina Marcelino, onde se evoca a reacção da Polícia Judiciária, da Polícia de Segurança Pública e do Serviço de Informações de Segurança aos protestos suscitados pelo assassinato do jovem Kuku. Malgrado a reputação daquele jornal, comparável ao Estadão de São Paulo, podemos duvidar de que o artigo tivesse sido escrito seriamente e admitimos que se trate da ironia de alguém que resolveu divertir-se à custa das três polícias que aparentemente defende.

Logo no começo Valentina Marcelino afirma que «a polícia sabe» que os movimentos esquerdistas «estão a ganhar terreno em Portugal» e também que as referidas instituições policiais «não duvidam que estes movimentos estão a ganhar força em Portugal». Mas se é tudo o que aquelas polícias, uma das quais secreta, conseguiram averiguar, não será isto uma maneira de insinuar que não sabem nada? Com efeito, a jornalista explica que as três polícias «estão a investigar a aproximação de grupos de extrema-esquerda […] às associações e população de bairros problemáticos». Ou estão a investigar, e portanto ainda não sabem, ou já sabem antes de investigar, o que pouco abona aquele saber. Não pode haver outra leitura da notícia, e a jornalista encarrega-se de deixar o facto claro quando regista estas hilariantes declarações de uma «fonte ligada ao processo»: «Apesar de ainda não termos dados sólidos que nos permitam dizer que as organizações em Portugal já atingiram um nível de preparação semelhante ao de outros países da Europa, sabemos que se trata já de um embrião com grande potencial de violência». Não há dúvida, o saber chega à tal fonte antes de ela ter dados. Pior ainda, porque a jornalista esclarece que, «apesar de ainda não ter sido constituído um inquérito formal sobre esta matéria, as duas forças de segurança e o serviço de informações estão a cooperar entre si», o que é uma maneira não muito subtil de afirmar que a cooperação entre os vários corpos policiais ocorre mesmo antes de ter sido ordenada oficialmente.

A expressão «bairros problemáticos» não se deve a Valentina Marcelino, é empregue correntemente em certos meios, mas ainda aqui a jornalista parece usar a ironia para pôr em causa a denominação. Ao verem a «fonte ligada ao processo» mencionar «o descontentamento social que existe por causa da crise económica» e dizer que «estes bairros vivem em permanente tensão, agudizada pela crise económica», acrescentando que «a pobreza e as dificuldades são grandes», os leitores só podem concluir que «problemáticas» não são as populações desses bairros mas as condições económicas e sociais que ali as forçam a viver.

O que resta então do artigo de Valentina Marcelino, para além de as polícias chegarem às conclusões antes de terem base para o fazer e de os problemas dos bairros pobres se deverem às condições que provocam a pobreza? Fica o tom de uma ameaça suspensa. Se, com o agravamento da crise económica, as autoridades sentirem a necessidade de amedrontar a população mais crédula e de a levarem a apoiar os grandes partidos da ordem — o PS e o PSD — haverá o recurso ao estafado truque de tirar um vetusto coelho de uma sediça cartola. Os «grupos de extrema-esquerda», «ligados a movimentos anarquistas e antiglobalização», que atraem «jovens de outros países» e são capazes de suscitar «repercussões internacionais», procuram aproximar-se das «associações e população de bairros problemáticos» e fomentar «a revolta contra a polícia» e «a revolta contra o Estado». «Apesar de ainda não termos dados sólidos […] sabemos que se trata já de um embrião com grande potencial de violência». Como sempre, onde há polícias, sobretudo secretas, inventam-se grandes conspirações. Passa Palavra

2 COMENTÁRIOS

  1. Veio outro artigo nessa linha uns dias depois no JN. Sobre o encontro dos HammerSkins, organização internacional de extrema-direita, em Lisboa as várias polícias tinham receio que a extrema-esquerda caísse na “tentação” (é o que lá está) de ir provocar os ditos bisontes. E mais: a extrema-esquerda está em alta devido ao assassinato de Kuku, embora eles duvidem que tenham força mobilizadora para levar malta dos bairros.

    Um dos grupos de extrema-direita mais perigosos a nível mundial tem um encontro no Centro Comercial Alvaláxia, ruma a uma quinta, juntam-se a vários condenados (o famoso processo dos 36 skinheads) por homicídio, agressão e discriminação racial – mas o problema é se cidadãos antifascistas se forem manifestar.

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