Comunidade rural de Franco da Rocha (SP-BR) sofre com ameaça de bombeiros. A corporação cobiça o terreno onde famílias vivem há 40 anos. Mesmo com a recente prorrogação da ação de despejo, o clima continua tenso e perigoso para os moradores. Por Passa Palavra

Em Franco da Rocha, subúrbio da Grande São Paulo, um terreno de 88 hectares vem sendo objeto de disputa entre moradores da Comuna Lírios dos Vales – recentemente ligada ao MST [Movimento dos Sem-Terra] e à CPT [Comissão Pastoral da Terra] – e o Corpo de Bombeiros local. A tranqüila rotina do grupo de pequenos agricultores foi suspensa desde que a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo moveu uma ação de reintegração de posse, pois a área, formalmente, pertenceria ao governo estadual.

A comunidade se estabeleceu neste lugar durante a década de 60, quando as primeiras famílias compraram lotes de terra que, apenas no fim da década de 80, descobriria-se serem irregulares. Na ocasião, fora a Secretaria de Saúde do Estado a primeira instituição a importunar os moradores, ao reclamar para si a propriedade sobre o terreno. Não tendo esta nenhum projeto concreto para ali, o objeto da contenda teria sido repassado à Secretaria do Meio Ambiente e, agora, à Secretaria de Segurança Pública.

O Corpo de Bombeiros é o mais recém-chegado no pedaço. A corporação deu início às atividades de sua escola de treinamentos somente em meado dos anos 90. Foi então que os órgãos oficiais idealizaram outro projeto de utilização para a área: expandir lá as instalações do Centro de Ensino e Instrução de Bombeiros (CEIB).

Ignorando que o Estado possui um terreno de 400 hectares nas proximidades do local, onde poderia perfeitamente ser erguida a tal escola de treinamentos, o Juiz da Comarca do Município de Franco da Rocha expediu o despejo dos pequenos agricultores. Conforme constava na resolução do Processo 1036/89, os ocupantes teriam de abandonar suas casas até o dia 19 de outubro de 2008.

Ocorre que, enquanto para uns a desocupação consistia em mero cumprimento de determinações judiciais, para outros, representava a renúncia de 40 anos de trabalho e cuidados com a terra, além do abandono de lares e a desarticulação de profundos laços de convívio cultivados no período.

Sem terem para onde ir caso a decisão fosse efetivada, os moradores da Comunidade Lírios dos Vales organizaram-se junto ao MST e à CPT e protocolaram um pedido na sede do Governo estadual, antes que a data limite expirasse. No documento, apelavam para que as autoridades fossem sensíveis à sua situação, destinando a referida terra à Reforma Agrária.

Paralelo à disputa que ocorre no campo legal, desde que o conflito atingiu sua temperatura máxima, as famílias da comunidade têm sido vítimas de ameaças e intimidações constantes por parte da polícia militar e do corpo de bombeiros. No ano passado, metade das 86 famílias abandonou a área, após os soldados terem derrubado – a marretadas – parte dos barracos populares. Para a população que assistiu ao espetáculo, as sucessivas ações violentas apenas revelaram o caráter extremamente autoritário de uma instituição supostamente orientada para o salvamento de vidas.

Noutra demonstração não muito humanitária de sua vocação, em 29 de setembro do mesmo ano, os bombeiros utilizaram de força bruta para obstar uma missa que seria realizada em apoio às famílias resistentes; chegando a apreender e jogar ao chão os artefatos eclesiásticos que seriam utilizados no culto.

No dia 02 de dezembro último, quando ocupavam a sede da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, os trabalhadores rurais mais uma vez foram recebidos com muito ardor e arrogância pelos agentes de segurança pública. Na circunstância, idosos e crianças foram isolados dos demais manifestantes que eram confinados no interior prédio, enquanto um novo mandado de reintegração de posse era despachado pelo poder judiciário da região – dessa vez, com prazo para janeiro de 2009.

O conflito entre populares e bombeiros, entretanto, sofreu um leve resfriamento na sexta-feira, dia 23 de janeiro, pois o governo do estado repensou o seu posicionamento e decidiu recuar do ultimato. O adiamento do prazo concedido pelo chefe da Casa Civil paulista – considerado uma “vitória parcial” pelo Bispo Dom Tomás Balduíno, da CPT – servirá para que o movimento recupere fôlego e angarie forças para continuar resistindo. O juiz responsável pelo caso havia convocado para terça-feira (03/02) uma nova reunião entre as partes. Nela seria redefinido o destino da comunidade, momento em que os ânimos poderiam voltar a esquentar. Fiquemos atentos.

Ver vídeo em ‘Em Directo’

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here