Um dos valores da obra de Theodore Dreiser, escritor estadunidense de início do século XX, é ter como objeto de suas histórias a classe trabalhadora. Por Ronan Gonçalves [1]
Talvez demore muito tempo para que uma pessoa consiga perceber o quanto os populares são excluídos das pinturas, novelas e romances. No Brasil, o hábito é que uma população empobrecida se acostume embasbacar com um cotidiano de elite apresentado pela televisão. Ao contrário, tal como em romances de Victor Hugo, Tolstoi, Steinbeck, Zola, Dostoievski, tem-se presente, em Dreiser, o universo popular.
Uma Tragédia Americana é um livro extenso que compensa o esforço. Publicado por Dreiser no ano de 1925, a obra narra a odisséia de um jovem pobre em busca da ascensão social. O livro parece mesmo a biografia de qualquer um dos milhões de jovens que se pode encontrar em qualquer cidade grande: Clyde, o herói da história, passa pela origem humilde, o encantamento com o mundo do consumo, as variadas formas de tentar negar a condição de pobre e trabalhador, o conflito entre os valores familiares e a cultura juvenil, entre o compromisso com o orçamento familiar e o luxo possível, o abandono de preceitos morais e do caráter pelo sucesso a qualquer preço. O livro sintetiza bem a filosofia do mundo contemporâneo: vencer na vida, quando isso é sinônimo de dinheiro, fama, glamour. Vencer na vida, independente do preço moral da vitória. Com efeito, Clyde se dispõe a abandonar irmãos e pais, depois uma namorada grávida e até mesmo assassiná-la na busca pelo sucesso.
O romance também faz um retrato exato das relações de afinidade e parentesco que a elite tece para se manter coesa e no poder, das práticas culturais e dos símbolos utilizados para se distinguir dos populares, do profundo desprezo com que enxerga os pobres e do cinismo (insensibilidade) com que encara a condição dos trabalhadores. Da mesma forma, mostra como a elite joga por terra qualquer condicionamento moral quando se trata de livrar um dos seus e manter o status.
De uma perspectiva anticapitalista, Uma Tragédia Americana é ainda envolvente porque narra o abandono dos valores de classe por um jovem proletário que acaba por ferrar-se no encantado mundo de consumo e glamour da elite: hipnotizado por ela, é trucidado em suas mãos. Em vários momentos da história, Clyde tem a oportunidade de constatar o desprezo e a condição subalterna a que é votado, mas permanece em seu encalço até o desfecho final. Ele prefere arriscar tudo, até mesmo a vida, a permanecer como trabalhador. Nesse aspecto, a história de Clyde se assemelha a de tantos jovens pobres que preferem o crime, tragédia certa, a quatro ou cinco horas de condução diária, trabalho estafante e salário baixo, pouco valor social.
A tragédia mostra a adoção pelos explorados da perspectiva dos exploradores e a violência em que isso se processa. De inicio, Clyde é somente um jovem pobre, filho de protestantes que, junto com os filhos, vão cantar e pregar no centro da cidade. É um jovem feliz e bem encaminhado moralmente, sem dúvidas quanto ao destino da vida. Aos poucos ele vai se dando conta de como ele e sua família, por pregarem na rua, por estarem alheios ao consumismo, são ridicularizados pelos demais jovens, que caçoam de suas roupas, de seu corte de cabelo, de seu jeito de ser. Percebe como são vistos os pobres e as pessoas sem vaidade e sem ambições. De como os que não têm dinheiro são tratados como pessoas de segunda ou terceira: sua adesão aos valores urbanos e consumistas é desencadeada pela vontade de ser tratado decentemente. Eis que, na mais miserável das periferias, jovens que consigam ter um Nike no pé ridicularizam e humilham aqueles que não o possuem.
A história serve para ilustrar como que aos exploradores não basta explorar, é necessário segregar e humilhar. Não bastasse a pobreza decorrente da desigualdade social, se procura fazer do pobre um ser de humanidade inferior. Não bastasse os trabalhadores sustentarem com seu suor a riqueza e luxo dos poderosos, eles pretendem, ainda, colocarem-se como moralmente superiores, mais belos, inteligentes, esforçados, puros. Ao mesmo tempo, procuram individualizar os problemas sociais, fazendo com que o pobre se culpe por sua condição e, introjetando os valores do mundo que lhe é negado, se veja como um sujeito menor. Uma Tragédia Americana é um livro e tanto. Trata-se de um romance que vai fundo na análise social e na crítica aos valores dominantes ao enfatizar a miséria moral do mundo do sucesso a qualquer preço.
[1] Criado em Franco da Rocha, é mestre em Ciências Sociais pela UNESP de Marília.
meu esposo e americano e me falou sobre este livro e interessante
Eu sempre tive vontade de ler esse livro, mas infelizmente até hoje não tive a oportunidade. Além do filme acima citado, tem um outro baseado na historia, que se não me engano chama-se “Um Lugar ao Sol” e também foi tendo ele como base que Janete Clair escreveu a novela “Selva de Pedra”, uma de suas novelas de maior sucesso.