Vários factores indicam que a orientação do governo de Obama quanto às despesas militares e ao investimento nas guerras não será essencialmente diferente da dos seus predecessores. Por Peter Phillips (projectcensored.org)
O governo de Barack Obama está a dar continuidade à agenda neoconservadora de hegemonia militar dos EUA no mundo – se bem que com uma aparência mais simpática e moderada. O uso descarado da tortura está agora proibido à CIA e ao Pentágono e dá-se destaque a gestos simbólicos como o fecho da prisão de Guantánamo. Mas, ao mesmo tempo, não se toca na política de hegemonia militar unilateral, nem no orçamento militar sempre em expansão, nem nas guerras de ocupação e agressão.
Os expansionistas militares instalados nos governos de Reagan, George H. W.Bush, Clinton e G. W. Bush asseguraram a manutenção de um sólido apoio ao incremento das despesas militares. O modelo adoptado por Clinton para apoiar o complexo militar-industrial estadunidense sustentou o nível do orçamento para as despesas militares e aumentou as vendas de armas para o estrangeiro de 16% das encomendas para 63% no fim do seu mandato.
Os neoconservadores, que dominaram os recentes governos de Bush, acentuaram essa tendência para o crescimento das despesas militares. Eles puseram em prática a sua agenda promotora da hegemonia militar global, tal como definida no relatório do ano 2000 Rebuilding America’s Defenses [Reconstruindo as Defesas da América], elaborado pelo “think-tank” Project for a New American Century (PNAC). O relatório apelava à protecção da Pátria Americana, com a possibilidade de envolvimento simultâneo em mais do que uma guerra, para assegurar o papel de policiamento global e para controlar o espaço e o ciberespaço. O relatório afirmava que, para sustentar uma Pax americana, os potenciais rivais – tais como a China, o Irão, o Iraque e a Coreia do Norte – precisavam ser mantidos “em cheque”. A agenda de hegemonia militar global pressupunha o espalhamento de forças militares estadunidenses em todo o mundo e o crescimento das despesas de defesa e de guerra durante grande parte do século XXI. O resultado foi a duplicação do orçamento militar dos EUA para cerca de 700 mil milhões de dólares durante os últimos oito anos. Os EUA gastam agora, em defesa e em guerra, tanto como o conjunto do resto do mundo, fazendo dos estadunidenses os contribuintes fiscais do mundo que mais pagam para fazer a guerra.
A eleição de Barack Obama criou um momento de esperanças para muita gente. No entanto, o governo de Obama não está a defender uma diminuição das despesas militares, ou uma inversão da política de hegemonia militar global dos EUA. Ao contrário, Obama manteve no seu cargo o anterior secretário [ministro] da Defesa (isto é, da Guerra), Robert Gates, o que é um facto inédito na tomada de posse de um presidente saído da oposição ao presidente cessante. Mais: Obama vem defendendo a expansão da guerra do Afeganistão e, para a do Iraque, apenas leves reduções a longo prazo.
O complexo militar-industrial está profundamente ancorado nos círculos políticos de Washington. Segundo as mais recentes informações da OpenSecrets.org, em 2006, 151 membros do Congresso aplicavam mais de 195,5 milhões de dólares das suas economias pessoais em empresas da área da defesa.
Os mais importantes fornecedores da defesa estiveram seriamente envolvidos nas eleições de 2008. A Lockheed Martin doou um total de 2.612.219 dólares para as campanhas políticas, dos quais 49% (1.185.493US$) aos Democratas e 51% (1.325.159US$) aos Republicanos. A Boeing doou 2.225.947 dólares, sendo 58% para os Democratas, e a General Dynamics doou 1.682.595 dólares a ambos os partidos. A Northrop Grumman gastou cerca de 20 milhões de dólares em 2008 na contratação de lobbyistas para influenciar o Congresso, e a Raytheon gastou 6 milhões para o mesmo fim durante o mesmo período. Numa surpreendente reviravolta logo à entrada, Obama nomeou William Lynn, 1º vicepresidente da Raytheon para as operações e estratégia junto do governo, para o segundo cargo mais importante do Pentágono. No governo de Clinton, Lynn era oficialmente o encarregado das contas do departamento [ministério] da Defesa.
A previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o crescimento económico em 2009 é de 0,5% – a pior desde a Segunda Guerra Mundial. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) das Nações Unidas calcula que 50 milhões de trabalhadores em todo o mundo perderão os seus empregos durante este ano. Prevê-se que 62.000 empresas estadunidenses fecharão em 2009 e, embora a taxa oficial do desemprego nos EUA seja de 7%, há que juntar-lhe as pessoas que já não procuram emprego e os trabalhadores em horário parcial, o que eleva a desempregabilidade para 14%. Enquanto a elite politico-militar-industrial se preocupa com o potencial aumento da insegurança global, a resposta dada pelo governo de Obama é a continuação de um alto nível de despesas de defesa e de guerra, com o fim de assegurar o controlo das instabilidades, tanto no país como no mundo.
A elite militar, industrial, do Congresso e do governo lucra com os gastos com a defesa, tanto no plano financeiro como no ideológico. O enriquecimento a partir de informações privilegiadas do Pentágono é coisa corrente em Washington. Mas talvez mais importante do que isso é a crença de que essa máquina de guerra global é vista como necessária para a protecção dos interesses corporativos estadunidenses e das classes mais ricas dos EUA num mundo em crescente desestabilização. Existindo essa crença, é pouco provável que o governo de Obama venha a alterar as políticas de gastos com a defesa herdadas dos governos anteriores, a não ser que haja uma significativa pressão em contrário por parte dos activistas anti-guerra e das resistências globais ao império.
Peter Phillips é professor de sociologia na Universidade Estadual de Sonoma e director do Project Censored, uma organização de investigação sobre os médias [a mídia]. O seu estudo de 2006 sobre o Grupo de Hegemonia Global nos EUA [Global Dominance Group in the US] está disponível aqui.
O artigo original (em inglês) está disponível aqui.
Inserido no texto aqui acima cartune Lo que nos espera, de Vergara, publicado no jornal Público (Madrid) de 3 de Novembro de 2008, na rubrica “Territorio Vergara”.
Obama foi eleito com a promessa de que iria sair tão depressa quanto possível do Iraque e de que iria intensificar o esforço militar no Afeganistão. Até ao momento, tanto quanto me é dado perceber, cumprir estas promessas continua na sua agenda política e ainda bem. Se sempre me pareceu um tremendo erro a intervenção agressiva dos E.U. no Iraque, já quanto ao Afeganistão o problema é muito diverso e parece-me que haveria todo o interesse em intensificar o esforço de guerra e em quebrar os dentes aos talibãs. O Irão é também uma ameaça grave. De resto todos sabemos que este problema se agravou dada a fragilidade dos E.U, e a sua dificuldade em lidar com ele já que estavam por um lado demasiado ocupados com o Iraque e por outro descredibilizados por terem tido neste país uma intervenção injustificada e desastrosa.