Por Passa Palavra
Fraudes na eleição
Em 18 de Novembro, ocorreram as eleições para o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Braz Cubas, em Mogi das Cruzes (SP). O DCE é controlado pelo PSDB há 7 anos (um grupo dissidente do PC do B que já controlava antes o DCE, que passou ao PSDB), sem que houvesse eleições. O Presidente da entidade, Alexandre Angelone, é chefe de gabinete do vereador Mauro Araújo (PSDB).
A universidade tem reduzido descontos, aumentado as mensalidades e adotado uma série de medidas contra os inadimplentes [sem condições de pagar]. Cabe ressaltar que a maioria dos alunos, especialmente os do período noturno, trabalha para pagar a faculdade e a inadimplência, que, em tempos de crise, é enorme. O DCE atual nada faz pelos estudantes, estando plenamente alinhado aos interesses da universidade.
Movidos por um sentimento de revolta e necessidade de mudar a situação, os estudantes, que já haviam promovido mobilização e apitaços contra a implementação de catracas [roletas] na universidade, organizaram uma chapa [lista candidata] de oposição ao DCE – “Nada Será Como Antes”, composta por integrantes do PSTU e independentes, para exigir eleições e transparência na entidade. Após uma série de manobras da universidade e do DCE, tentando impedir o registro de chapas, os estudantes conseguiram registrar a oposição como Chapa 2. A situação (Chapa 1, chamada de “renovação”, ligada ao PSDB) registrou uma Chapa 3, fantasma. Igualmente, a situação monopolizou todos os cargos da comissão eleitoral, e tudo indicava já que as eleições não iriam transcorrer de forma imparcial ou transparente.
Houve forte apoio dos estudantes ao redor da chapa de oposição (chapa 2), que conversava com os estudantes, propondo um DCE com maior participação estudantil e dos movimentos sociais e a luta pela redução das mensalidades.
Ao dia da eleição, o processo foi tenso. Os fiscais da chapa de oposição foram impedidos de entrar nas salas de votação, sendo que fiscais da chapa 1 e, inclusive, seguranças particulares da universidade permaneciam dentro das salas. Houve tensões e pressões sobre os estudantes da oposição durante todo o processo. Mesários eram somente da situação.
Fiscais da oposição relatam que pessoas que iriam votar na chapa 1 recebiam um maço de cédulas para votar várias vezes. Seguranças circulavam e intimidavam pessoas e apoiadores da chapa 2. No final, aconteceram tensões no translado da urna do campus da faculdade de Direito, que fica separado. Os integrantes da chapa 1 foram truculentos e não deixaram nenhum fiscal da chapa 2 acompanhar a urna no carro, que era um veículo de vidros pretos. Ao chegar no local de apuração, uma fiscal da chapa 2, que estava na faculdade de Direito, verificou que a urna retirada do veículo estava com o lacre e assinaturas em condições diferentes, o que indicava uma violação.
Não foi permitido aos estudantes acompanhar a apuração [contagem dos votos], que contou com poucas pessoas de ambas as chapas, e foi realizada em sala fechada e guardada por seguranças na porta. Do lado de fora, sindicalistas, membros de associações de trabalhadores, militantes de movimentos sociais, estudantes de outras universidade e membros da sociedade civil estavam como observadores solidários do processo, mas o presidente da chapa da situação ameaçou comunicar a reitoria e chamar a polícia para os retirar. Cerca de uma centena de estudantes, apoiadores da chapa 2, aguardavam do lado de fora e tocavam maracatu [ritmo brasileiro com instrumentos de percussão], em apoio aos membros da oposição.
Finda a apuração, comunicou-se vitória da chapa 1 (situação) por poucas dezenas de votos, e era evidente a ocorrência de uma fraude. Os estudantes protestaram e decidiram marcar uma assembléia geral para tomar atitudes.
Após uma assembléia geral, os estudantes organizaram uma manifestação, no dia seguinte, percorrendo a universidade em horário de intervalo noturno, contando com cerca de 200 estudantes, músicos, bateria e apitos, pedindo a redução das mensalidades e novas eleições para o DCE, denunciando a fraude.
No dia seguinte, 4 estudantes foram suspensos por 17 dias, em prerrogativa [sem processo prévio ou direito a defesa, de forma arbitrária], acusados de perturbar as aulas. Indignados, os estudantes organizaram nova assembléia e fizeram outra manifestação na sexta-feira, com entre cem e duzentas pessoas. A universidade não tardou a repressão, e comunicou a suspensão de 12 estudantes por 34 dias, afixando seus nomes em mural.
Fascismo e perseguição
Os estudantes perseguidos, nos dias que se seguiram, relatam terem sofrido uma série de perseguições, incluindo intimidações, serem seguidos por seguranças e sujeitos estranhos dentro do campus da universidade, inclusive por um carro de vidros pretos, tendo sido fotografados quando iam à delegacia registrar um boletim de ocorrência [queixa] contra a fraude das eleições.
A universidade convocou um a um os suspensos por telegrama para “depor” a uma comissão interna que mais se assemelhava a um tribunal da inquisição; tais telegramas intimavam-nos a compararecerem no mesmo dia, não dando tempo sequer de contatar advogados. Os estudantes eram pressionados a delatar colegas e a reconhecer pessoas em fotografias que eram lançadas sobre a mesa, num interrogatório com métodos de tortura psicológica que mais assemelham-se aos métodos de regimes ditatoriais. A comissão perguntava coisas que não condiziam com questões internas, como o local onde os estudantes se reuniam e se eles tinham alguma relação com a APEOESP (sindicato dos professores estaduais). Inclusive, houve estudantes que tiveram a suspensão anulada após assinar documento de punho próprio, comprometendo-se a não participar mais de nenhum movimento.
Igualmente, a universidade abriu boletim de ocorrência contra 15 pessoas, sendo 12 estudantes e 3 pessoas externas – dois ativistas de movimentos sociais e o coordenador da subsede de Mogi das Cruzes da APEOESP, Marcelo de Souza, sob a acusação de perturbação de sossego.
Os estudantes foram, ainda, registrar Boletim de Ocorrência pela fraude na eleição e pelas perseguições, mas o delegado recusou-se a receber a denúncia.
Processo na justiça
O advogado dos estudantes, Rubens Leite, acompanhou-os durante o depoimento na delegacia e moveu uma liminar [solicitou uma provisão cautelar] pedindo a anulação das suspensões, a qual foi negada por um juiz (professor da universidade!), sob a alegação de que “os estudantes não foram prejudicados”. Os estudantes organizaram, com movimentos sociais, um ato em praça pública, às vesperas do Natal, denunciando a perseguição sofrida e alertando os trabalhadores que a crise terá seu peso descarregado nas costas dos trabalhadores, que sofrem com a criminalização dos movimentos sociais.
Convênios e sindicalismo
A APEOESP (sindicato dos professores) de Mogi das Cruzes, solidária com os estudantes perseguidos, rompeu todos os convênios com a Universidade Braz Cubas, e solicitou à Central Unica dos Trabalhadores (CUT) (à qual a subsede faz oposição, embora o sindicato estadualmente seja a ela afiliado) que cancele os convênios com a UBC, em solidariedade de classe, contra uma universidade que persegue estudantes e trabalhadores. Mas a CUT recusou-se a cancelar os convênios, com argumentos em defesa de um sindicalismo assistencialista e pelego [vendido, conciliador]. Continuam mantendo relações e contratos com a universidade. Tal fato gerou debates acirrados nos meios sindicais. Até que ponto vale aos sindicatos esta prática dos convênios? Que modelo de sindicalismo se quer: empresa prestadora de serviços ou participação mais ampla dos trabalhadores?
Mais perseguição
As suspensões agora subiram para mais de 60 dias. Os estudantes conseguiram se rematricular, mas alguns perderam a bolsa do PROUNI. A universidade já inicia o ano com medidas duras: aumento nas mensalidades, redução de descontos via sindicatos, redução de carga horária e demissão de professores. A situação dos estudantes perseguidos prossegue indefinida. O advogado entrou com um pedido de agravo [], uma vez que alguns juízes da cidade são professores da universidade. O estudante Renan Fernando de Castro, cabeça de chapa, perdeu sua bolsa no PROUNI e alguns estudantes foram reprovados em todas as matérias por faltas.
Empresa-estado?
Tal perseguição é mais um exemplo de fatos que se tornam cada vez mais comuns nas universidades particulares, onde parece estar ressurgindo um movimento estudantil. Na outra universidade em Mogi das Cruzes, a UMC, há um ano houve uma explosiva manifestação espontânea, contando com milhares de estudantes.
O que ficou patente, no caso da UBC, foi a forma como as empresas privadas, cada vez mais, agem como Estado, por prerrogativas de suas esferas de poder, vigilância, perseguições políticas e repressão social.
Mais informações:
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/11/433943.shtml