No âmbito global, avançam as leis que atacam o livre acesso à Internet, transformando-a num espaço completamente vigiado. No Brasil, a ofensiva dos grupos econômicos se manifesta através do Projeto de Lei do Senador Azeredo, que em ato público foi rejeitado no dia 14 deste mês.
Na última quinta-feira, em um auditório da Assembleia Legislativa do estado de São Paulo, foi realizado um Ato Público em defesa do livre acesso e produção do conhecimento na internet, direito que vem sendo seriamente ameaçado por um Projeto Substitutivo de Lei de autoria do senador Eduardo Azeredo.
Já acatada pelo Senado em julho do ano passado, e tramitando agora pelo Congresso, a legislação, se aprovada, colocaria severas restrições à troca aberta de informações e conhecimentos, bem como às práticas colaboracionistas, que têm caracterizado este novo veículo midiático; ferindo inclusive os preceitos civis mais elementares de qualquer democracia liberal, como a liberdade de expressão, de acesso a informação e o direito à privacidade e ao anonimato. Paralelamente, o projeto encareceria o acesso à rede digital e fortaleceria o monopólio dos grandes grupos políticos e econômicos, como desde há muito ocorre noutros meios de comunicação.
Embora os proponentes afirmem que a medida segue no sentido de combater crimes cibernéticos, principalmente a pedofilia e os crimes financeiros, o AI-5 Digital, como tem sido chamado pelos seus contrários [1], institui um verdadeiro estado policialesco no universo digital, fazendo da rede um ambiente ainda mais monitorado e controlado, à mercê dos poderes públicos e privados que hoje o têm em mãos.
De acordo com as determinações do AI-5 Digital, as empresas privadas que provêem o acesso à rede estarão legalmente autorizadas a colher e armazenar dados de seus clientes (origem, data, horário e conteúdo acessado), sob a justificativa de estarem facilitando eventuais investigações policiais. O instrumento legal também restringe a expansão de redes de conexão aberta, como Wi-Fi, impede o uso de redes P2P (sistema que permite o compartilhamento de arquivos). E o que é espantoso: ficam previstas penas de 1 a 3 anos de prisão, até mesmo para aqueles mais inocentes e corriqueiros internautas que já se habituaram a compartilhar arquivos de texto, música ou vídeo sem o consentimento prévio dos autores.
Nesta audiência pública em São Paulo, que marca talvez o início de uma mobilização nacional pelo veto do Projeto Azeredo, estiveram presentes alguns coletivos de software livre, de comunicação alternativa, artistas, parlamentares e outros defensores da democratização do espaço virtual. As intervenções, em geral, chamavam a atenção para o consórcio de interesses que há por trás de um marco legal aparentemente preocupado apenas com a segurança dos usuários da internet, dado que os grandes beneficiários do projeto seriam as instituições financeiras transnacionais, a indústria fonográfica e outros atravessadores artísticos, as mega empresas de entretenimento, informática e comunicação que investem em tecnologias cujo bem maior é o aspecto intelectual do trabalho.
Não é mera coincidência que regulamentações arbitrárias como esta não sejam exclusividade do cenário brasileiro, senão tentativas que transcorrem agora em nível mundial, de acordo com recomendações de órgãos como a União Internacional de Comunicação (UIT), que defende a aplicação de rígidas legislações nacionais. Na visão de alguns parlamentares, a alternativa seria propor emendas ao PL Azeredo, de modo a instituir um marco civil para a Internet no país, delimitando a área de inviolabilidade do usuário comum.
Aqui entre nós, seria isso suficiente para frear anseios tão grandiosos envolvidos neste debate? É sobre esta questão que nossa mobilização deverá refletir e ao que, quem sabe, oferecer respostas. Passa Palavra
[1] Nota para o leitor português: O Ato Institucional Número 5 (AI-5) foi o quinto decreto baixado pelo regime militar brasileiro em 1968, que, entre outras coisas, mandava fechar o Congresso Nacional e suspendia o habeas corpus para os ditos “crimes políticos”.