Por Roque
Segundo informações do Sindicato dos Trabalhadores da USP, o Sintusp, a última vez em que houve uma intervenção policial no campus da Cidade Universitária foi em 1979, há exatamente 30 anos atrás, nos tenebrosos tempos da ditadura militar, e contando com um efetivo de 10 ou 15 policiais desarmados. Terça-feira, dia 9 de junho (é bom lembrarmos desta data), às 23h00, alguns pedaços de paus, algumas pedras, faixas amassadas e rasgadas, marcas de sangue na calçada em frente ao Paço das Artes, contavam um pouco os episódios que horas antes, por voltas das 17h00, a avenida principal, que dá para o Portão 1 do campus, fora palco. No canteiro central da avenida, cercado por seis guarnições blazers e uma viatura policial, o funcionário Claudionor Brandão, diretor do Sintusp e demitido por suas atividades ligadas ao sindicato, era detido sem esboçar uma única resistência e levado para uma delegacia.
Segundo o próprio Brandão, horas depois, em assembléia organizada por alunos na avenida que margeia o prédio da Faculdade de História e Geografia, interditada por barricadas, ele, que não participava do ato que fechou a entrada e saída do Portão 1 ( batizado Trancaço), apenas apoiava, ouviu rumores de que diretores do Sintusp estavam sendo presos por causa da manifestação. Sendo assim, resolveu ir até lá apaziguar os contendores e ampará-los no que fosse preciso. Eis que, ao chegar lá, foi autuado por um coronel que o conhecia de nome e que alegava desacato à autoridade, por aquele ter simplesmente perguntado sobre os companheiros, e resistência à prisão, por ter dito “eu não fiz nada”.
O que de fato aconteceu foi que a tropa de choque chegou reprimindo violentamente a manifestação pacífica realizada por funcionários e estudantes. Num primeiro momento, alguns estudantes foram espancados ali mesmo na avenida. Dois ou três foram presos com o Brandão. A ação foi tão violenta e desigual que deixou uma cortina de fumaça de bomba de gás lacrimogêneo, que ia da avenida, onde tudo começou, passando pela reitoria, até o prédio da Faculdade de História e Geografia. Quatro helicópteros da força tática sobrevoavam o local. Estouros de bombas podiam ser ouvidos a todo o momento, bem como seu rastro de fogo era visível quando anoitecia. Nem professores, que tentavam mediar uma negociação possível, foram poupados, sendo atingidos no rosto por gás de pimenta. Barricadas foram armadas interditando uma das vias da avenida. Alguns estudantes preparavam-se para resistir com dutos de cimento e fortificar as barricadas, mas eram desestimulados pela “turma do deixa disso”.
A esta altura, outros estudantes se dividiam, pois alguns queriam realizar assembléia extraordinária dentro do prédio da Faculdade de História e Geografia, já que estava inviabilizada a assembléia agendada para acontecer em frente da reitoria às 18h00, enquanto outros queriam que ela ocorresse na avenida bloqueada. A tropa de choque se posicionou cercando a reitoria, ostensivamente. De quando em quando, a PM soltava fogos de artifício (pressão psicológica?). Entre os estudantes, o impasse se prolongou por algumas horas até que se decidiu por fazer a assembléia na avenida, como sinal de resistência. Então, a assembléia prosseguiu com muitas falas e deliberou por uma vigília no prédio até que a polícia se retirasse completamente, uma passeata do campus até a avenida Paulista para o dia seguinte, assembléia dos estudantes marcada para o dia 15 (segunda-feira) e outras propostas.
Os fatos narrados, na verdade, representam somente uma fração de tudo o que ocorreu, e é apenas o resultado de um desenrolar de acontecimentos, tendo início com a greve dos funcionários no dia 5 de maio, que culminou com uma ação de reintegração de posse, solicitada pela reitora Suely Vilela, da calçada em frente à reitoria, tomada por piquetes. Cabe se perguntar qual é a legitimidade de uma reintegração de posse de um espaço público (calçada) dentro de um espaço público. Todavia, a polícia militar estava em piquetes em vários pontos da universidade: na antiga reitoria, no Cepeusp, na coordenadoria do campus, na coordenadoria de assistência social (Coseas), nos Museus de Arte Contemporânea (MAC) e Arqueologia e Etnologia (MAE) e da creche oeste.
Ao que tudo indica, tal violação da legalidade burguesa é apenas o sinal de início da democracia que é forjada a ferro e fogo, algo que já vinha se gestando faz tempo. A USP teve seu dia de Paraisópolis.