Por Maria Rosa, aluna da USP
9 de junho de 2009 foi um dia triste para a universidade, para a democracia, para a sociedade brasileira. Tanto triste quanto inacreditável. Ouvindo as constantes explosões e sem conseguir respirar por causa do gás e da pimenta, não sabia se estava mesmo na Universidade de São Paulo ou dentro de algum documentário sobre a ditadura militar.
Cheguei à USP [Universidade de São Paulo] por volta das 16:30 da terça-feira (utilizando o acesso de pedestres [peões]) para uma reunião na Faculdade de Educação, em frente à qual começou todo o ataque da polícia militar. Ainda um pouco distante, a pé, antes da Escola de Aplicação, pude ver os manifestantes que, em coro, gritavam “Fora PM!” para alguns policiais que já estavam dentro do campus. Perguntei para algumas pessoas o que estava acontecendo, e o que me disseram foi que policiais tinham avançado sobre alguns alunos, o que gerou grande tensão.
Neste mesmo momento, logo após ter chegado e ainda em frente à Escola de Aplicação, comecei a ouvir explosões, como se fossem fogos de artifício. Não tinha visto muitos policiais e demorei a entender o que estava acontecendo. Não imaginava que eram mesmo bombas de gás lacrimogêneo, já que os estudantes estavam dentro do campus e não no meio da rua, impedindo o trânsito ou algo do tipo.
Então as pessoas começaram a correr e a gritar “Eles estão jogando [lançando] gás de pimenta!”. Foi então que vi muita fumaça e o ar começou a ficar irrespirável. Logo se fez um tumulto. Muitas pessoas correram para a Faculdade de Educação, outras assistiam a tudo de lá, enquanto bombas atingiam o estacionamento.
Entrei no bloco A da FEUSP [Faculdade de Educação da USP] para ver se encontrava algum docente ou colega. Naquele momento, achava que os manifestantes ocupariam a reitoria, pois eles estavam correndo naquela direção. Ou melhor, estavam sendo empurrados naquela direção pela polícia, que avançava contra os estudantes, lançando continuamente bombas e gás de pimenta. Mais tarde soube que também foram usadas balas de borracha.
Depois de alguns minutos, quando na rua da Faculdade de Educação só restava a fumaça, tentei caminhar até a reitoria, para saber o que estava acontecendo e me unir aos manifestantes. Não consegui chegar. As pessoas que estavam no local, mais ou menos em frente ao Centro de Práticas Esportivas, corriam tossindo. Era impossível respirar ou manter os olhos abertos.
A essa altura, meu telefone não parava de tocar. Colegas que estavam em diferentes pontos da Universidade, escutando o bombardeio, ligavam para saber onde eu estava e o que estava acontecendo. Eu também tentava fotografar ou filmar o que via, para que depois ninguém pudesse dizer que não foi bem assim, ou que isso nunca aconteceu…
Um pouco antes de chegar ao Crusp [residência de estudantes], no caminho em obras do DCE [Diretório Central dos Estudantes, a associação de estudantes], percebi que a coisa era muito pior do que eu já estava vendo. Dezenas (dezenas mesmo) de carros e motocicletas da polícia iam, em alta velocidade, em direção à reitoria enquanto eu conversava, atônita, com um amigo por telefone.
Depois de poucos minutos recebi um telefonema de uma professora, que me dizia que os docentes, junto com os manifestantes, estavam praticamente cercados na Faculdade de História e Geografia, para onde os alunos correram. Lá acontecia uma assembléia da Adusp [Associação dos Docentes da USP], que foi dissolvida depois que os policiais começaram a lançar bombas dentro do prédio. Foi então que fiquei sabendo que o funcionário Claudionor Brandão (além de outras duas pessoas) havia sido preso.
Os helicópteros da imprensa e da polícia sobrevoavam incessantemente o campus, contribuindo para a sinfonia infernal, junto com as bombas e a gritaria. Vi pela televisão da lanchonete [bar] do Crusp que os jornais da tarde mostravam cenas ao vivo do “confronto” entre a PM e os estudantes da USP. “A PM está se defendendo!”, vociferava o jornalista José Luiz Datena, com aquele discurso fascistóide que faz a classe média salivar.
Resolvi subir para a Faculdade de História. Novamente tive dificuldades para respirar e para manter os olhos abertos. A calçada em frente ao Museu de Arte Contemporânea estava parcialmente destruída; depois soube que alguns manifestantes usaram os tijolos do chão em obras para se defender da polícia: praticamente uma Intifada dentro da USP.
Em frente à reitoria, a Força Tática da Polícia Militar estava em estado de alerta, em meio a grande confusão de fotógrafos e gente que assistia a tudo, com cara de estupefação. Contornei o cerco e subi pelo canteiro. A chamada “avenida dos bancos”, em frente à FFLCH [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas], estava fechada pelos manifestantes. Cadeiras, galhos e pedras faziam uma barricada. Provavelmente bem mais de mil alunos estavam lá reunidos, além de professores e funcionários.
Interessante foi notar que, em meio ao caos instalado, o cenário parecia tranqüilo para alguns atores que apareciam vez ou outra: os atletas (da comunidade uspiana ou moradores da região que costumam se exercitar na cidade universitária) continuavam a correr de lá para cá, aparentemente satisfeitos com as ruas livres dos carros e como se nada tivesse acontecido.
Encontrei com docentes da Faculdade de Educação e FFLCH, todos estarrecidos e bastante abalados com os acontecimentos: com a atitude da reitora Suely Vilela de chamar a polícia para dentro do campus, e com a intransigência do governador José Serra, que não quer dialogar com a universidade.
Aliás, é bom que se diga que esta greve de 2009 está diretamente relacionada com a de 2007, na qual os estudantes ocuparam a reitoria da USP. Naquela ocasião, foi aprovada na assembléia legislativa de São Paulo uma proposta que aumentava a participação das universidades públicas paulistas no ICMS. Um aumento irrisório, é verdade, mas necessário (dada a criação da USP Leste) e aceito pela maioria da assembléia, e vetado pelo governador José Serra, numa medida autoritária e de claro desrespeito às universidades, instituições tradicionais e de excelência, que podem em muito contribuir para a construção de um posicionamento crítico sobre a realidade, do conhecimento, da ciência e da tecnologia de alto nível. A própria demissão [despedimento] do funcionário Claudionor Brandão é uma conseqüência da greve de 2007, já que ele teria se envolvido com a ocupação da reitoria, decorrendo daí o processo que o desligaria da universidade.
Desde então, a USP (para não falar da Unicamp e da Unesp, realidades que desconheço) tem sido alvo de perseguição por parte do governador José Serra, em seu plano de desmonte do ensino superior público no estado de São Paulo (único nível de ensino, aliás, que falta ao PSDB [partido do antigo presidente Fernando Henrique Cardoso] destruir no estado).
Entretanto, o pior não é ver a invasão da Força Tática da PM ao campus e nem a política fascistizante do governador José Serra, mas ver parte da população apoiando essa atitude e definindo os manifestantes como baderneiros [arruaceiros] e até como bandidos. O pior é ver docentes e estudantes furando a greve numa atitude de total indiferença pelo que está acontecendo dentro da universidade. O hábito de olhar apenas para o próprio umbigo é tão enraizado que nesta terça-feira, dia 09 de junho, dia em que a PM invadiu o campus e lançou bombas contra os estudantes, alunos e alunas na FEA [Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade] continuaram com as aulas normalmente na pós-graduação (segundo relatos de colegas). Creio que em muitas outras partes da USP as atividades continuaram normalmente, como se nada estivesse acontecendo.
Apesar de o relato já estar longo demais, gostaria de dizer só mais algumas palavras em relação a essas pessoas que apóiam o governador, a polícia no campus, e até a privatização da universidade, com a alegação de que ela é elitista e só recebe “filhinhos de papai” pseudo-revolucionários. Esses argumentos, além de irritantes, são de uma fraqueza e miséria que nem valeria a pena contestar, se não fosse o seu peso cada vez maior.
Em primeiro lugar, a USP ainda é bastante elitista nos cursos tidos como de maior prestígio, como medicina, arquitetura, odontologia, entre outros. Contudo, basta olhar para os dados da Fuvest (sobre os ingressantes nas diferentes carreiras) para ver que a universidade não é homogênea nesse sentido. Muitos cursos (os mais numerosos), como pedagogia, letras, e as licenciaturas (em física, etc.), recebem muitos alunos oriundos de escolas públicas e com menor renda. Evidentemente, a USP ainda está longe de ser uma universidade democrática, que professa ensino de qualidade aos trabalhadores, como deveria, mas ela nunca vai cumprir essa tarefa se as pessoas que fazem a instituição não lutarem por isso. Com a atitude de indiferença, especialmente de muitos alunos e professores, que preferem continuar com suas atividades como se nada estivesse acontecendo, apenas duas coisas podem acontecer: ou a universidade se tornará cada vez mais fechada para a sociedade e antidemocrática (tão antidemocrática quanto os indiferentes e apáticos), ou ela poderá sofrer até o fim o processo de sucateamento, com a destruição por falta de estrutura de algumas áreas do conhecimento, por um lado, e com a perda da autonomia pela interferência de interesses privados, por outro, que já há muito tempo se ingerem na universidade, que cada vez mais de pública só tem o nome.
De qualquer forma, não será possível continuar como se nada estivesse acontecendo. É preciso entender que é possível agir e transformar a realidade e tomar alguma atitude enquanto ainda há tempo, e isso me leva ao segundo e último ponto sobre o qual preciso falar: nenhuma situação pode mudar com conversas de corredor. Muitos críticos do movimento estudantil se sentem muito satisfeitos em furar a greve (quando não são impedidos por piquetes) ou em reclamar pelos corredores ou na sala de aula, privadamente, de seus colegas “baderneiros”, “barbudos”, etc. A estes, eu nem deveria me dirigir, já que eles se negam a dialogar ao não participar das reuniões e assembléias organizadas em cada unidade (talvez por medo de expressarem suas opiniões fascistas). Entretanto, é preciso dizer que todas as conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras até hoje foram conseguidas com muita luta, muito sofrimento e até morte (basta ler qualquer livro de história sobre as greves – no Brasil mesmo! – da primeira metade do século XX para se inteirar a esse respeito).
Se as pessoas hoje podem trabalhar 8 horas por dia e têm direito à licença saúde, maternidade, férias, aposentadoria, etc., é porque houve muita luta de homens e mulheres para que isso fosse conquistado. E, é preciso lembrar, tratava-se de um momento em que qualquer luta era considerada ilegal. Sindicatos, partidos que representassem os trabalhadores, greves, paralisações: não existia nenhum amparo legal para esse tipo de manifestação. Ora, foi nadando contra a corrente que os trabalhadores conquistaram todos os direitos até então! Não foi andando na linha, rezando a cartilha e o rosário do bom senso. Aliás, foi com o medo, a moderação e o bom senso do pós-segunda guerra mundial e, especialmente, deste início de século que os trabalhadores conseguiram atingir este nível de retrocesso vivido atualmente, em que a precarização, a terceirização e o trabalho “autônomo” predominam, jogando por água abaixo conquistas históricas da classe trabalhadora.
Por isso, aos que ficam indignados com os alunos que “impedem a liberdade de ir e vir no Portão 1”, ou “desrespeitam o direito ao estudo dos que são contrários à greve”, eu só posso dizer: não é com medo de suas opiniões e nem se omitindo (como os fascistas, que querem decidir nas salas de aula, com seus professores coniventes, se vão ou não vão aderir à greve, por medo de expor publicamente seus pensamentos) que os estudantes vão lutar por uma USP mais democrática, mais humana ou mais social. Toda a conquista só pode ser obtida com luta, e nenhuma luta pode ser eficaz se não for um grito de “Estamos aqui! Existimos e queremos ser ouvidos e respeitados!!”. Aqueles que acham que é possível fazer uma greve sem “incomodar” certamente não entenderam o significado de uma greve. É preciso parar a fábrica! A falta dos funcionários deve ser sentida! A falta de aulas deve ser sentida! A manifestação deve ser vista! E, mesmo com toda a deturpação promovida pela imprensa golpista sobre os fatos da greve da USP, a sociedade deve tomar conhecimento do que está acontecendo. Por isso não podemos nos calar, nem dentro da universidade nem fora dela, e devemos unir esforços para furar o bloqueio da mídia, que a informação circule e as verdadeiras causas do caos deste último dia 9 de junho na cidade universitária sejam conhecidas.
Os grevistas e manifestantes não são simplesmente contra a demissão de um funcionário. São contra a perseguição política dentro da universidade, já que é disso que se trata: da eliminação de um foco incômodo de resistência dentro da USP. Da mesma forma, não são contrários ao ensino a distância (mas à forma como é feito, servindo ao desmonte do ensino presencial) e à inclusão social, como está sendo dito pela imprensa mentirosa, mas são contra um projeto imposto sem discussão (e nem consulta sequer às Faculdade de Educação das três universidades públicas paulistas!) que pretende oferecer um curso de segunda mão para a formação inicial de professores (a UNIVESP), num plano claro de falsa formação demagógica. Em resumo, não somos retrógrados e contra as transformações na universidade; somos a favor da democratização verdadeira da USP, tanto no que se refere à entrada de estudantes, quanto no que se refere à utilização do conhecimento produzido na instituição.
Os estudantes, funcionários e docentes da Universidade de São Paulo não podem abaixar a cabeça neste momento. A luta deve continuar até a queda da reitora Suely Vilela e toda sua trupe, por sua irresponsabilidade e inconseqüência, e não deve cessar nunca, até que a USP, além de pública, gratuita e de qualidade, seja de fato democrática e dos trabalhadores.
Por tudo isso, esse último 09 de junho não deve ser nem ignorado, nem tolerado e nem esquecido.
Fotografias: Flickr Publizität; Márcio Fernandes.
Sinto informar que a posição a respeito da UNIVESP é não só o ponto mais frágil do texto como do movimento em si. Não que não seja possível se posicionar contra ela, mas pela total falta de embasamento, instrução e melhor discussão pública dos opositores.
Antes de tudo, me incomoda essa idéia de que a decisão a respeito da UNIVESP tenha que passar pela discussão das faculdades de educação. Ao mesmo tempo que os colegas criticam a falta de democracia na Universidade requerem que suas instâncias tecnocráticas internas decidam sobre coisas importantes. Se há um público ao qual a discussão sobre a UNIVESP deva ser submetida é o do professorado do ensino público paulista, pois a UNIVESP está sendo criada principalmente para formar professores e/ou requalificá-los. Por sua vez se se trata de formação de professores, também deveria interessar aos alunos e pais, a clientela. Mas temos a importante questão de inexistir no país movimentos de base por educação, associações de base de alunos, professores e/ou pais, com algumas pequenas e importantes exceções.
Claro está que a posição do governo é de desmontar o núcleo mais aguerrido dentro da Universidade, assim como fez em 2000 com o núcleo mais aguerrido dos professores da rede pública, para que possa implementar suas reformas tranquilamente. Não é levantando bandeiras impopulares que o movimento vai conquistar o apoio da sociedade.
Notem, se se é contra a UNIVESP por ela ser um modelo mercantil de educação deveria se atentar que os cursos presenciais não fogem à essa regra e o foco principal seria o ensino privado no país, que concentra a esmagadora maioria dos alunos. Se a oposição for por uma alegada falta de qualidade, deve-se atentar que a UNIVESP tem condições de formar com muito mais qualidade que a média absolutada dos cursos particulares ou mesmo de muitos semestres oferecidos por certos professores dentro da universidade pública.
Acusar a UNIVESP de mercantil ou acusá-la de baixa qualidade é chover no molhado ou, no segundo caso, mera especulação que não leva em conta o contexto.
Requerer que as faculdades de educação é que devam discutir a criação da UNIVESP é usar argumento tecnocrático.
Se colocar contra uma formação gratuita que milhares de jovens filhos de pedreiro, de faxineira, estão esperando para deixar de pagar 300 reais por mês para estudar à noite depois de um dia cansativo de trabalho é dar tiro no pé.
Me parece que uma posição contra a UNIVESP tem que começar pela negativa do governo estadual de cobrar qualidade das faculdades particulares que são responsáveis por mal formar o professorado e demais. Do jeito que a questão da UNIVESP foi muito mal estrategicamente incluída nas reivindicações parece que se está fazendo somente a defesa de uma grife, a USP, que não se deseja que venha enlamear-se com o restante ensino superior.
Esse relato, que pretendia ser breve, foi escrito logo após os acontecimentos, com toda a revolta de quem presenciou tudo que presenciou, e de quem ouviu todas as irracionalidades fascistas que ouviu. Portanto, possui muita inconsistência e não discute a fundo os porquês da greve, e nem aborda os detalhes que seriam necessários.
Concordo com a crítica. Mas reafirmo que o projeto da Univesp não foi discutido nem mesmo com as faculdades de educação: não que elas devessem ser as únicas consultadas, mas o fato de o projeto não ter passado nem mesmo pelas mãos dos professores universitários já demonstra o quão autoritário ele foi. Imagine se os professores da rede estadual ou a comunidade seriam consultados nessas condições!
Creio que a questão da Univesp é delicada; se colocar contra ela passa a ser visto como uma atitude conservadora e retrógrada. Entretanto, não creio de devêssemos nivelar a reivindicação por baixo e agir em função dos cursos existentes nas empresas de educação (se eles são muito piores do que será na Univesp e ainda por cima pagos). O curso a distância e gratuito será melhor para as classes trabalhadoras mais exploradas do que muitos existentes por aí? Talvez. Mas será que o melhor caminho é mesmo aceitar esse projeto porque ele se destinaria, segundo a crítica, a filhos de faxineiras e pedreiros, como se para este público bastasse um curso de segunda linha e a distância?
Isso sem falar num problema ainda mais óbvio: como professores formados a distância estarão preparados (lembrando que estamos falando de formação inicial de professores, algo até então inédito, segundo a professora Lisete Arelaro, da FEUSP) para dar aulas presenciais?
No mais, concordo que o movimento tem pontos fracos, não só este tema da Univesp, mal trabalhado, mas principalmente a forma de reivindicação. Creio que as manifestações são fundamentais, mas é preciso estar atento ao discurso hegemônico disseminado pela mídia, contra o qual é difícil erguer uma voz que possa ser ouvida, em muitos casos.
E quanto a “negativa do governo estadual de cobrar qualidade das faculdades particulares que são responsáveis por mal formar o professorado e demais”, também acredito ser um ponto importantíssimo, sendo que a luta deve ser travada juntamente com os professores da rede e comunidade. E não se pode esquecer do modelo mercantil seguido também pelos cursos presenciais, como lembrou a crítica, das empresas de educação mas também das instituições públicas.
Enfim, alguns, como o professor Dallari, que escreveu recentemente na Folha de São Paulo, acusou o movimento de ter muitas reivindicações, difusas e sem coerência. Entretanto, diante do atual caos da educação e da precarização do trabalho (docente e não docente) em São Paulo (para ficar só em São Paulo), tem como ser diferente? E isso é mesmo uma pergunta.
Aproveito para elogiar a crítica sólida, que realmente contribui com o movimento – diferente daqueles que desqualificam a greve (o que não foi o caso aqui) simplesmente por se tratar de greve e atrapalhar as férias de julho. É um alento ver que ainda existe debate inteligente em alguns espaços. E agradeço a oportunidade de dialogar.
Não se trata de nivelar a reivindicação por baixo. Existem bandeiras que levantam ao mesmo tempo a necessidade de se expandir o acesso das camadas populares ao ensino superior e a um ensino superior de qualidade. Uma delas, inclusive, é atualmente projeto de lei e pretende destinar 50% das vagas nas universidades públicas federais para alunos da escola pública. Poderia se reivindicar que toda a universidade pública fosse destinada à alunos da escola pública. Que tal essa bandeira? Contra a UNIVESP: Universidade Pública Somente Pra Aluno da Escola Pública. Aí sim vocês teriam apoio popular!
Quanto ao crivo das faculdades de educação, embora o grande problema da má formação de professores no Brasil seja o ensino privado, as públicas não deixam de estar implicadas no fracasso educacional, seja por apresentarem formações excessivamente teóricas e voltadas para a carreira interna à universidade, seja por formar os gestores que são responsáveis pelos sistemas públicos e privados de ensino.
Do modo como é apresentada,a bandeira contra a UNIVESP se assemelha à bandeira contra o Bolsa Família, que também se pode argumentar que se trata de uma esmola e que se precisa é de uma renda mínima que garanta uma dignidade básica para todos os brasileiros.
De todo modo, a contradição maior me parece ser acusar a universidade de ser autoritária, ditatorial, elitista, antidemocrática e, ao mesmo tempo, se requerer um alargamento cada vez maior do poder de decisão da universidade e um alargamento de seu poder econômico. Maurício Tragtenberg, há mais de vinte anos atrás já afirmava que lutar pelo aumento de verbas para a universidade e pelo aumento de seu poder sobre esferas importantes para a sociedade deveria ser algo a vir depois da discussão sobre a democracia interna da universidade e sobre o controle público sobre a mesma.
Quanto ao problema óbvio posso lhe garantir que as universidades não formam pessoas capacitadas a lecionar nas escolas. Não é por ser a distância que um ensino vai ser ruim, e não é por ser a distância que uma formação se torne incapaz de formar professores que serão presenciais. Aqui entraríamos numa discussão pedagógica mais ampla.
De todo modo, não consigo entender como que movimentos que pretendem discutir e lutar por educação pública e de qualidade não coloquem de forma séria o fato de a USP não fornecer formação para seus próprios trabalhadores. Me parece que fariam muito mais pela educação se pressionassem para que o colégio de Aplicação da USP fosse destinado somente aos trabalhadores carentes da própria USP. Duvido que a opinião pública ficaria contrária se tivessem essa bandeira e essa luta.
Não estou muito por dentro das reivindicações. Mas acho que não deve haver nenhuma mais importante que a readmissão do Claudionor Brandão.
Se a demissão dele se mantiver será mais um golpe terrível contra os direitos políticos neste país.
Se houvesse um pouco de consciência e solidariedade de classe na atual conjuntura, tal arbitrariedade náo poderia ocorrer… e nesse sentido faço minhas as palavras do texto ‘Não disperse, Não Disperse!’ publicado aqui no Passa Palavra.
Seria um avanço enorme se conseguíssemos que pelo menos 50% das vagas de todas as universidades públicas fossem destinadas a alunos de escolas públicas, como já acontece em algumas federais. Mas nem isso se consegue fazer dentro da USP, como você sabe. A USP trabalha com um bônus inexpressivo que não tem praticamente impacto algum.
Universidade pública para alunos de escolas públicas seria uma grande bandeira, mas creio que mesmo assim não teríamos apoio da população em geral e nem muito menos da mídia (bom, essa não preciso nem citar) e por uma simples razão: a questão do mérito ainda é muito forte nesse debate. Acredita-se que as vagas dos “melhores” cursos nas “melhores” universidades deve ser ocupada mesmo é por alunos que “estudam mais” e se destacam. Nâo se levam, muitas vezes, em conta todas as desigualdades sociais que permeiam a formação, etc. Não sei qual é a sua visão a respeito, mas tenho a impressão de que grande parte da sociedade (não sei se é só a paulista…), mesmo a parte mais explorada, está mais conservadora do que nunca, defendendo os ideais burgueses mais reacionários! Já vi aluno de escola pública dizendo que universidade não tem que ter cota para aluno de escola pública porque ele não quer “esmola”, como se isso ferisse seu orgulho. É uma intronização ideológica das mais cruéis! Por onde começar a discutir isso?
Por outro lado, mesmo entre os defensores das ações afirmativas nas universidades, existe um debate entre defensores de cotas ou de bônus. A Unicamp mesmo trabalha com o sistema de bônus e o defende tão veementemente que é contra esse projeto que você citou. Nesta última quarta-feira, vi uma palestra com o prof. Leandro Tessler, da Unicamp, que defende bônus contra cota justamente por essa questão do mérito! Além disso, argumentou que a demanda não é a mesma (mais gente de escola privada presta o vestibular do que de escola pública, logo seria “injusto” definir o número de vagas destinadas a cada um, sem considerar a demanda) e que as cotas abrem o precedente para coisas absurdas: por exemplo, em uma universidade pública do Rio de Janeiro, há cotas para filhos de policiais mortos em serviço.
O que quero dizer é que esses argumentos partem de alguém que defende as ações afirmativas, não de alguém que é contra! Isso já demonstra o tamanho do problema a ser enfrentado.
Quanto ao problema da formação nas próprias faculdades de educação, você tem toda a razão. Aliás, não é só um problema quanto à formação da capacidade de lecionar ou de gerir as escolas no sentido estrito, mas também de compreender o próprio contexto político em que se vive! Se assim não fosse, não teríamos tantos alunos e professores querendo ter aula na quarta-feira após o absurdo da invasão do campus pela PM, como se isso não tivesse nenhuma relação com seu curso ou com o que está sendo estudado! Como se o programa fosse mais importante e estivesse acima de qualquer outra coisa.
Cara Maria Rosa,
creio que a argumentação de Ronan aponta na direção não simplesmente de pautar (estritamente) o movimento, mas sim visa à qualidade da pauta de reivindicações.
Portanto, penso que a discussão proposta não se refere a esse ou aquele ponto, mas sim ao padrão de identificação, ou não, de tal pauta com a população em geral, que é quem deve participar de toda e qualquer luta.
É essa galera que tá lançada na escola pública (pais, alunos, professores) que precisa se interessar primeiro por pensar em ir pra universidade pública, depois em entrar nela, discutindo sua qualidade, suas finalidades enfim… Pra isso, precisam ser, convidados, envolvidos, ouvidos etc.
As possibilidades de bandeiras a ser levantadas são, a meu ver, somente uma indicação de que caminho a definição de reivindicações poderia tomar.
Na verdade, o problema desses movimentos é o que tem sido amplamente discutido aqui nos artigos do Passa palavra – a ausência de um projeto autonomo, tanto de luta com uma orientação autonomista, como um projeto para a educação e sociedade. Alguém tem que abrir uma janela, porque esses partidos que conduzem movimento não tem proposta nenhuma a oferecer a não ser um empoeirado nacional-desenvolvimentismo que a própria evolução histórica superou. Na verdade temos hoje no movimento estudantil e sindical uma esquerda desarmada, sem projeto, que é contra tudo e não é a favor de nada, ou seja, é reativa e não pró-ativa, como disse o ultimo artigo que acabou de sair e eu concordo plenamente. A gente tá tomando linha dos burocratas, literalmente a gente segue o calendario das organizações burocráticas dos candidatos d tecnocratas da “esquerda” institucional, e estas seguem o calendário dos tecnocratas de governo – na medida em que o calendário e iniciativa de mobilização nunca surge de baixo ao redor dum projeto ou proposta, mas sempre surge no desepero correndo atrás, ou seja, em reação aos ataques que o estado e tecnocratas nos desferem. Resultado: como os tecnocratas perceberam que hoje a esquerda não tem projeto e só se mobiliza “contra isso, contra aquilo”, eles perceberam que se eles soltam um pacotão de reformas, provocam uma revolta geral. A estratégia deles é ir soltando essas reformas a conta-gotas, porque isso vai desgastando e cansando o movimento. E quando este reflui, é atacado pela mídia, que o criminaliza e o acusa de “corporativista”, “antimodernizante”, etc. E a isso se completa a repressão dessas minorias combativas, legitimada pela mídia e apoiada pela massa inerte.
Ou seja, precisamos de projeto de educação popular, projeto de nova esquerda autonoma, e projeto socialista autogestionário, para construir na base e ter algo a oferecer, se quisermos sair do limbo!
Maria Rosa, gostei da sua descrição e especialmente do ponto em que você fala da passividade de muitos. Isso me tocou no seu artigo. Eu penso que a saída para essa passividade dependeria justamente da construção, a partir de baixo, de um projeto de Universidade Popular!
Projeto? Imagina se o pessoal tem algum…
Pros petistas, que nem ousam colocar a cara pra fora, de tão desmoralizados que estão, o projeto é o do governo Lula.
Pros vanguardistas dos grupos que conduzem o DCE e aparecem no movimento à frente, o projeto também já está dado, no Programa de Transição do Trotsky (e bem empoeirado)
E para um monte de independentes combativos, que poderiam formular algo, ter projeto para que? “Projeto é coisa de partido, burocracia, etc etc”, sempre aquele papo dos “pós-modernos”: nihilismo. E acabam tomando linha dos partidos.
O problema me parece ser esse: essa comunicação com a sociedade que é deficiente. Aí a mídia caceteia os movimentos, chamando-os de corporativistas…
As duas coisas mais importantes seriam, ao meu ver:
1) como disse o Leo Vinicius, a reintegração do Brandão, e que a partir disso os movimentos debatam a reintegração de mais pessoas perseguidas (metroviários, bancários, professores exonerados da greve de 2000, etc). Isso é importantissimo em uma época em que vivemos uma aberta fascistização, denunciar toda perseguição política e fazer um movimento para reverter isso.
2) O movimento na USP não se limitar a “Fora Suely” e “Diretas para reitor”, mas exigir a mudança radical de TODA a estrutura de poder dentro da USP, questionando o modelo de universidade. Não basta que caia a Suely, é preciso que se coloque fora dali toda a claque dela e o exército de tecnocratas que controla a universidade. Porque são justamente eles a atrelarem a universidade funcionalmentè às empresas e à lógica de mercado.