E, no início, existia… o cabide. Um objeto sem valor peculiar, tão objeto quanto os outros. Ele que, de plástico ou metal, pode ser adquirido com um objeto menos ilustre: o dinheiro. Afinal, o que é o dinheiro, senão um papel? Por Juliana Machado

E, no início, existia… o cabide. Um objeto sem valor peculiar, tão objeto quanto os outros. Ele que, de plástico ou metal, pode ser adquirido com um objeto menos ilustre: o dinheiro. Afinal, o que é o dinheiro, senão um papel?

metaforaphpNão reparamos que o cabide é o que, de fato, melhor nos representa. Para que serve um cabide? Para dependurar roupas? Não. Para dependurar peles. Peles estas que colocamos e retiramos e, definindo nossa aparência, acabam definindo também quem somos. O que é vida em sociedade, senão o uso de máscaras? Cabides, homens, peles, máscaras. Um famoso círculo vicioso. O homem está dentro, é o cabide. A roupa está fora, é a pele. A pele está fora. A roupa. São a máscara. O homem carrega o peso de sua pele, em detrimento ou não do fato de ser tão cabide quanto os outros. Alguns cabides ainda se lembram que a pele sobre eles colocada um dia cairá, revelando o quão objeto eles sempre foram. Outros, no entanto, acabam alienando-se à essência, passando a crer que sua pele é sempre sua, de forma a duvidar que os demais perceberão a mentira sustentada. Cabides sujeitos a uma máscara. Verdadeiras falsidades.

Para que servem papéis e cabides, se são apenas objetos? Senhores, tudo é objeto. O homem, sendo cabide, é objeto. O homem, o capitalismo, trocando papéis coloridos, são objeto. A diferença está na importância que atribuímos aos objetos. Eu posso provar o que estou afirmando: há pessoas que amam outras pessoas, há pessoas que amam objetos, há pessoas que, de tanto amar, colecionam. Alguns colecionam relíquias, alguns colecionam dinheiro, alguns colecionam pessoas. Objetos colecionam objetos. Em alguma vertente você se encaixa, tenha certeza. Se isso desagrada, saiba que esse fato é passível de mudanças. Viver é estar sujeito ao que já existe, mas não se esqueça: “estar sujeito” e “pertencer” não são, necessariamente, sinônimos.

metafora2phpTodos os objetos que nos circundam (atente para a palavra “todos”) têm um preço. Eles nos pertencem a partir do momento que fazemos uma oferta de troca. Lucro para ambos os lados. Isso é o capitalismo. Mas, se o dinheiro é, antes de tudo, um papel, qual a diferença entre capitalismo e escambo? Só para constar, o escambo era uma forma de negociação entre índios e colonizadores, que ocorria por volta do século XV a XVII, época dos “descobrimentos”, onde os europeus ofertavam pentes, espelhos e outros objetos por eles considerados inúteis aos indígenas, que, por sua vez, forneciam-lhes ouro e prata. Os índios não consideravam o ouro e a prata objetos importantes, como faziam os colonizadores. Por isso, ofertá-los era uma demonstração de educação: pedras que eram importantes somente porque eram bonitas e resplandecentes. Para os europeus, eram importantes porque representavam riqueza. A partir de então, a história é manchada com a sociedade escravocrata, que obriga o índio a trabalhar para o enriquecimento alheio, subjugando-o interinamente. A Europa não seria tão imponente e não teria um padrão de vida considerado tão elevado se os latino-americanos não tivessem passado anos fornecendo-lhes ouro gratuitamente. A importância é relativa. O capitalismo atual também possui seus índios e colonizadores. O círculo vicioso, que eu havia mencionado, aqui se completa: o homem-objeto, o cabide que sustenta as máscaras que cobrem seus fundamentalismos, elabora um sistema tão vazio quanto ele.

Ser um cabide. Objeto. Não é trágico, é a predestinação comum. Isso nos coloca no mesmo nível, equivalentemente, mas somos nós que determinamos se carregamos nossas peles-máscara como algo de nossa essência trágica, ou se somos cabide por falta de opção. Nesse ponto, existirá uma diferença entre a importância de uns e de outros. É aí que morrerá, então, a nossa igualdade.

Pinturas de Magritte.

2 COMENTÁRIOS

  1. É…

    Como já diria uma musica dos racionais
    “Em qual mentira vou acreditar?”

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