Por Léo Nicol
“Quem vale mais:
o poeta ou o técnico
que produz comodidades?
Ambos!
Os corações também são motores.
A alma é poderosa força motriz.
Somos iguais.
Camaradas dentro da massa operária.
Proletários do corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos, remoçaremos o mundo,
fá-lo-emos marchar num ritmo célere.”
Vladimir Maiakóvski
E seguimos, como pequenas formigas, trabalhando contra mais um golpe que leva a sociedade. Quem a está tomando, se vivemos na democracia? Ora, quem foi que a plantou, instituiu suas regras, estrutura e sistema? Infelizmente não foi a população, em debates ou assembléias, não foi causa de um ato, manifesto, ou contra-golpe que decidimos os parâmetros para esse sistema. Sim, eles existiram e foram importantes, fundamentais até, mas após os conflitos, os militantes deixaram que se decidissem por eles como seria a organização das regras que se transformariam. E já há alguns anos, a regra é clara: PRIVATIZAR! O mercado deve regular tudo e todos, as coisas compradas, é claro, devem mediar as relações, também compradas, se possível. A criação, o pensamento crítico e a reação, são caçados implacavelmente, impedidos, abortados. Não podemos mais criar, agir de forma criativa, nem pensar. A indústria cultural se esforça, desde a sua formação na época da ditadura até hoje, a colaborar com os planos do mercado, já que ela também é objeto do mesmo.
Na obra Convite à Filosofia de Marilena Chauí, a autora escreve que “A indústria cultural vende cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzí-lo e agradá-lo não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas devolver-lhe com nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez. A ‘média’ é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de novo. […] de modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginação, da inteligência e da reflexão crítica não tem interesse, não vende”.
Porém, em alguns momentos, a criatividade sensível se torna necessária, útil, e até mesmo fica impossível de ignorá-la e mesmo contê-la: os momentos de resistência aos opressores. Em estado de êxtase, sensações de medo, angústia e revolta são os componentes motivadores da criação artística. O acomodado, ou o super ocupado com os seus afazeres pessoais, comum nos dias de hoje, não pode criar, não pode pensar, não pode agir ou reagir. Em momentos como greves, principalmente em ocupações, a agitação e propaganda dos ideários do movimento, fazem com que surja grande produção de cartazes com desenhos, fotos, charges, pinturas, poesia, bem como a apresentação de peças teatrais e a exibição de filmes, condizentes com o caráter de mobilização. A Universidade, que supostamente incentivaria a formação do intelecto e da criatividade, apenas quer formar máquinas para continuar a atuar nesse sistema perverso, não tem compromisso com a formação do profissional, não quer a arte, pois sabe que a verdadeira arte é transformadora, provoca e movimenta. Antonin Artaud, em um de seus textos diz aos acadêmicos: “Deixem-nos, pois, os senhores reitores, nada mais são que usurpadores. Com que direito pretendem canalizar a inteligência, dar diplomas ao espírito? Os senhores nada sabem do espírito, ignoram suas ramificações mais ocultas e essenciais, essas pegadas fósseis tão próximas das nossas próprias origens, rastros que às vezes conseguimos reconstituir sobre as mais obscuras jazidas dos nossos cérebros. (…) Pelo crivo dos vossos diplomas passa uma juventude abatida, perdida. Os senhores são a chaga do mundo e tanto melhor para o mundo, mas que ele se acredite um pouco menos à frente da humanidade.”
Disse também Vladimir Maiakóvski, no poema O Poeta Operário, que o artista e o operário devem estar unidos – entendo que assim também deveriam estar estudantes e professores de todas as áreas do conhecimento. No entanto, na Universidade, em geral, os estudantes e professores das áreas visadas pelo mercado, como a Economia, a Engenharia, a Publicidade ou a Química, apartam-se das mobilizações, sendo por isso recompensados de certa forma, embora sejam não menos afetados pelas conseqüências da sua omissão, por exemplo, com a cobrança de mensalidades no Mestrado no IPT da USP (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). Além disso, as noções de produtividade e empreendedorismo, que têm origem nas teorias econômicas, passam a ser atualmente parâmetros valorativos para a pesquisa acadêmica, atrativo de investimentos para as Fundações (Fundusp, Fundunesp), criadas com a função de complementar a verba orçamentária da Universidade – nunca suprida integralmente pelo Estado. Isto é, esses parâmetros são condição para o financiamento ou a existência mesma das pesquisas. A Reitoria da Unesp (Universidade Estadual Paulista), por exemplo, oferece um prêmio aos professores que publiquem artigos na revista americana Nature, considerada periódico de excelência, valendo pontuação especial no Currículo Lattes, que constitui critério determinante para a concessão de bolsas acadêmicas. O que importa não é a simples publicação de artigos como meio de difusão do conhecimento, mas a visibilidade publicitária para a Instituição de Ensino do pesquisador. Afora isso, a restrição temática da revista às ciências exatas e biológicas delimita o objeto e seu tratamento na pesquisa – excluindo temas de imensa importância para a cultura humana, como os de História, Literatura ou Artes. E depois de selecionado, o autor tem de pagar milhares de dólares pela publicação – e o prestígio.
As mobilizações geram uma incrível produção artística, união entre os companheiros de luta, interação, sociabilização, comunicação, conhecimento das estruturas burocráticas da instituição e do Estado, enfim, toda uma formação política, uma gestão autônoma e independente dos cânones acadêmicos pelos mobilizados, e é por isso que é tão condenada pelos que tencionam deter as rédeas da situação, seja pela administração, ou mesmo pelos partidos que temem perder espaço na vanguarda do movimento. O cartunista Carlos Latuff disse em entrevista ao Catarse (Coletivo de Comunicação), “A arte levanta a moral quando você está na crise, é um tapa no ombro, é um afago na hora que você precisa”. Os estudantes não perdem aulas, muitas vezes inúteis, hipócritas, com tempo perdido em comentários pessoais irrelevantes dos professores, mas ganham muita cultura, informação, formação, de uma forma verdadeiramente democrática e rara (assembléias e plenárias). Vive-se melhor a Universidade nos movimentos de luta, conhecendo-a profundamente, desalienando-nos do espaço que freqüentamos diariamente.
Antes de concluir, gostaria de inserir o recorte de um texto publicado aqui no Passa Palavra: “Em todas as formas de criação artística, a liberdade de criação e de expressão entra, pela sua própria natureza, em choque aberto com os governos opressores e as classes dominantes. Se qualquer criação é um acto de liberdade, então o artista não pode deixar de ser uma pessoa livre; e, sendo uma pessoa livre, entra inevitavelmente em choque com as grilhetas que o aprisionam e oprimem. […] O carácter intrinsecamente libertário da criação artística restringe, de raiz, qualquer relação do artista-criador com o poder de Estado e com o poder económico que o Estado representa” (artigo: A criação artística – compromisso e liberdade, de 1 de Junho de 2009).
Ilustrações: Uma pintura de El Lissitzky, duas pinturas de Kazimir Malevitch, uma manifestação em Santiago de Compostela.