O macabro Consórcio da Morte gerado pela política de segurança pública no estado da Bahia

Resistência Comunitária

Na noite da última terça-feira 16 de junho de 2009, mais 5 (cinco), jovens negros, moradores da periferia de Salvador, mais especificamente do bairro de Canabrava, tombaram sobre ação da policia baiana que em uma operação relâmpago invadiu o bairro após a morte de um agente da policia civil. A versão transmitida pelos veículos convencionais e os oficiais apresenta-se como uma leitura que tende a legitimar ações de extermínio cometidas pelas policias baianas, fala-se em auto de resistência, fala-se em combate ao crime organizado, fala-se sobre a morte do agente da policia civil… e talvez esta seja a única que interessa!

Mesmo que para uns o nosso pronunciamento não irá provocar mudanças diante a estrutura que nos oprime, ou que para outros o nosso ponto de vista seja para desgastar o governo, o Resistência Comunitária, como organização autônoma de juventude negra que, membro do Fórum de Juventude Negra e atuante na luta contra o extermínio, mais uma vez irá expor a sua opinião e se comprometer com todas as ações de acompanhamento deste caso, estamos certos (as) do risco que corremos, mas estamos convictos que o papel de nossa geração é não morrer calada.

A morte de jovens negros (as) pelas forças policiais na Bahia bem como em todo território nacional brasileiro tem se naturalizado de uma forma assustadora, o Brasil é o país onde mais se mata jovens no planeta, é como se houvesse um regime de exceção em pleno governo democrático de “todos nós”, como diz a propaganda oficial.

Na realidade nua e crua do dia a dia, fora das situações de evidencia é assim que nos sentimos sob uma ditadura para o povo negro que se não é militar utiliza-se deste aparelho para exercer o a seu poder despido de qualquer pudor frente violação dos direitos humanos, em consorcio com a grande mídia e a maioria dos que lutavam por mudanças, do movimento social aos partidos de esquerda, todos estão imobilizados diante a situação que nos aflige. Este é o reflexo do jogo de conveniência que se tornou a política em nosso país, não se defende mais causas independente da conjuntura, ao invés se seleciona os inimigos e os que serão poupados em detrimento da coerência, a pesar de jovens sabemos que por muito menos este país já foi sacudido pelo movimento social. Ah que saudades das manifestações raivosas contra o carlismo e FHC, onde até as ONG’s se envolviam, agora só vimos isso nos vídeos de Carlos Prozato ou nos álbuns de fotografia das organizações.

Para nós é anedótica a atuação do Ministério Público do estado Bahia frente a tal situação, uma vez que se restringe a multar os programas televisivos que lucram em cima da criminalização da população negra, ou seja, apenas cria um imposto para exibição de corpos negros pela mídia e celebram termos de ajustamento de conduta que não ajustam nada, nem a atuação truculenta da policia e nem a ditadura da imprensa racista.

Diante este cenário adentrar em comunidades e executar friamente jovens negros (as) na frente dos familiares e vizinhos, se tornou uma tarefa trivial no cotidiano da policia baiana, que cumpre a risca a orientação do secretario de Segurança Publica, de “ir para cima e fazer tombar do outro lado”, notadamente do lado negro e pobre da sociedade baiana.

Sim, essa pratica truculenta é legitimada por César Nunes que encorajou publicamente os seus subordinados a agir de maneira violenta em nossas comunidades, como nos tempos da escravidão o senhor branco ordenou os capatazes negros a perseguir e matar outros negros, por meras recompensas que variavam de animais a pedaços de terra, atualmente o premio recebido é a condecoração, o prestigio e o minuto de fama na mídia que o policial assassino desfruta. É isso mesmo, o nosso sangue vale medalha, promoção e fama, e na sociedade do espetáculo isso quer dizer muito!

Enquanto na maioria dos paises democráticos do mundo o auto de resistência (permissão que o policial tem para matar em situação de perigo de morte) vem sendo abolido, por se compreender que o aparato de segurança publica deve preservar a vida e a integridade física dos cidadãos, no Brasil e principalmente na Bahia a preservação do auto de resistência é tida como algo sagrado por parte dos gestores da segurança publica do nosso estado, pois é utilizado sistematicamente para mascarar as execuções sumárias praticadas por estes, o que limita as tentativas de responsabilização dos assassinos de farda e seus superiores.

O Consórcio da Morte ao qual nos referimos tem como sócio majoritário o governo Wagner, eleito para romper com as práticas de governo carlista, mas que atualizou a agenda genocida do Estado brasileiro que desenvolve-se desde a não garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres negras até encarceramento da juventude negra. O atual governo permitiu a continuidade de uma política de segurança pública baseada na eliminação física como forma de combate ao crime organizado e do narcotráfico e não há discurso governista que possa dizer o contrário.

A desculpa de combate ao trafico de drogas e ao crime organizado vem sendo utilizada há décadas não só no Brasil como nos outros países da América latina como meio de controle social, esse discurso legitima o recrudescimento da utilização da força letal dos agentes do Estado voltada para os grupos historicamente violentados, flagrantemente é uma forma de manter as coisas como estão por isso somos a favor de um outro modelo de segurança publica e não temos esperança que a CONSEG nos moldes de hoje dê conta desta construção.

A grande mídia figura como outro sócio que se concentra na atividade lucrativa de reproduzir e disseminar o discurso oficial através da banalização da violência contra a população negra e da sua criminalização, fazendo valer máxima de Goebbels, chefa da propaganda nazista, de que uma mentira repetia mil vezes torna-se verdade. De outro lado temos a maioria das ONGs interessadas somente na sobrevivência dos seus projetos, e por consequência de si mesmas e de seus dirigentes, se mantêm omissas frente ao quadro de terror vivido pelas comunidades populares.

Nossa crítica se estende também às organizações que não participam de conferências e nem de conselhos (essas não tem nem a perspectiva de influir nas políticas publicas nem pela participação ou pela formulação de teses, querem mesmo é a falência do Estado), mas captam volumosos recursos internacionais para defender os direitos humanos em nosso país, e calam-se quando o direito a vida, o mais elementar de todos os direitos humanos, não é assegurado à população negra. Essa postura omissa evidencia que a vida de pessoas negras é uma questão menos que secundaria na agenda política destas organizações não merecendo nenhuma relevância nas suas demandas. Mas isso Stive Biko já havia nos dito, quando nos lembrou que estamos por nossa propia conta, estão deixemos esse aspecto de lado.

Então olhemos os últimos e não menos importantes sócios do consórcio macabro que proporciona o genocídio do povo negro tendo como alvo preferencial a juventude negra: o próprio movimento social, que como já dissemos, encontra-se comprometido com o esforço de garantir as suas vagas nas estruturas do governo, nas conferências e demais espaços promovidos e tutelados pelo governo, estes são espaços que tem se configurado como verdadeiras senzalas políticas e não espaços de participação democrática, como dizem por aí.

As conferências só aprovam cartas de intenção, ou seja, efetivamente não se vê mudanças na base, como lucidamente nos advertiu a Makota Valdina na ocasião de abertura da conferência estadual de promoção da igualdade. Os conselhos na maioria das vezes só servem para massagear o ego de militantes “espacistas” e legitimar as decisões do governo, mantendo os movimentos quietos ou atuando dentro do limite da governabilidade, enquanto isso a matança que se abate sobre a população negra segue em frente.

Não podemos encarar o último massacre que ocorreu em Canabrava como apenas mais um capítulo na história do genocídio da população negra, ao contrário devemos dar o devido valor as vidas perdidas nesta ocasião, como esforço para extinguir o racismo que fundamenta a política de segurança pública vigente.

A classificação de suspeito por ser negro legitimou o abate em praça pública e nos becos mal iluminados de cinco jovens, isso não pode ser visto como algo normal são de seres humanos com pai mãe, irmãos que estamos falando e não de números.

Finalizamos reiterando o nosso repudio a essa política de controle social e não de segurança publica que estabelece a policia exterminadora como única presença do Estado em nossas comunidades historicamente marginalizadas e inviabilizadas pelo atual modelo sóciopolítico baseado no racismo.

Essa política transformou os nossos territórios em verdadeiros campos de extermínio, estamos diante um cenário digno de um filme de terror ou de um espetáculo do circo dos horrores, que tem como cena principal os nossos corpos desfalecidos regado às lágrimas de nossos familiares e amigos, nos sentimos no corredor da morte, sobretudo nós militantes coerentes que podemos ser abatidos a qualquer momento justamente por não calar-se diante o massacre.

Sabemos que estamos na mira, como toda pessoa negra em nossa sociedade, mas seguiremos em frente denunciando, pois não estamos sozinhos (as), estamos movidos por uma luta ancestral que nos blinda e encoraja a cada instante.

Resistência Comunitária, sempre na luta!

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