Passados nove anos, a greve de 2000 permanece viva na memória da categoria. Mas os professores demitidos por sua atuação política foram abandonados à sua própria sorte. Por Ronan Gonçalves [1]

A greve de 2000, dos professores da rede estadual de ensino do estado de São Paulo, constituiu a última grande mobilização conjunta e forte da categoria. Foi depois dessa greve que o governo do PSDB criou o bônus para os professores, no qual se chegou a pagar uma gratificação de até 6 mil reais para os docentes com boa assiduidade. Tal bônus constituiu uma forma eficaz de o governo evitar outras mobilizações, tamanho o susto que a categoria lhe pregou. Ante a impossibilidade de frear o espírito de luta da categoria, resolveu-se o problema pagando aos professores que não faltassem, o que basicamente eliminou a ocorrência de greves. A categoria adaptou-se, mirando toda para a possibilidade de ganhar um bom bônus no começo de cada ano.

Um fator decisivo para ter colocado a greve de 2000 como uma ameaça séria ao governo não foi somente a paralisação maciça dos professores – fato a que o governo estava já acostumado, e a população também – mas o caráter ativo desta greve, com o inovador acampamento que uma ala mais radical dos professores construiu junto à Secretaria de Estado da Educação, em sua área externa, cercando-a paralelamente aos portões. Essa ocupação consistiu de uma série de barracas montadas ao lado da instituição central e que foi se ampliando com a chegada de mais professores e outros apoiadores que permaneciam 24 horas, dia e noite, no local. A ocupação estabeleceu para o governador a temerosa possibilidade de uma crescente consolidação que resultasse numa tomada decisiva da secretaria. Ante isso, o governo maculou-se chamando a tropa de choque para pôr fim ao movimento.

Passados nove anos, ao menos monetariamente, a greve de 2000 permanece viva na memória da categoria. Ela é a origem do desejado bônus que os professores, coordenadores, diretores, funcionários e supervisores recebem anualmente. O sindicato da categoria, a APEOESP, não deixa de listar como suas as poucas vitórias adquiridas por tal mobilização e as variadas correntes políticas existentes remetem-se ao ano de 2000 como símbolo e exemplo de mobilização. Desde então, ao menos num patamar teórico, o sindicato incorporou o acampamento como uma forma de luta, que, aliás, nunca mais foi utilizada.

Ocorre que, em 2000, os professores Antônio Geraldo Justino, Cláudio Augusto da Rocha (claudinho), Cleosmire Gonçalves dos Santos (mil), e Marcos Roberto Menin (cpp) foram demitidos (exonerados) por sua atuação política. Eram todos eles membros ativos do acampamento junto à Secretaria de Educação. Um dos professores contava já 33 anos de serviço junto ao Estado e teve seu direito de se aposentar barrado. Um dos quatro professores exonerados, acometido de forte depressão, ocasionada pelas circunstâncias descritas, veio a falecer. Houve abertura de processos criminais contra 35 professores que deram testemunhos em favor dos professores exonerados.

Esses professores foram abandonados à sua própria sorte. Estão impossibilitados de dar aulas até 2010, isso se o governo não arranjar meios de mantê-los afastados. Nenhum dos partidos políticos atuantes na categoria dos professores preocupou-se em angariar apoio aos citados professores, nem sequer buscam manter na categoria a memória de tal acontecimento e a consciência de haver colegas profundamente vitimados. Jogados à própria sorte, vivem não se sabe com o quê, não se sabe como. Parece mesmo que tais professores se tornaram um incômodo para a categoria, para os militantes aí existentes, para o sindicato, de forma que eles procuram fazer de conta que não sabem, que não houve, que não existiu, que não há pessoas em tais situações.

apeoesptraira1A situação adquire contraste quando se verifica o esforço prosseguido pelo Sintusp, Sindicato dos Funcionários da USP (Universidade de São Paulo), em reverter a demissão de um de seus dirigentes demitido pela reitoria. Embora bem menor e com muito menos recurso, o Sintusp tem feito barulho, angariado apoio, recorrido à justiça, mantido a memória, agitado. Ao contrário, a APEOESP sequer faz menção dos professores exonerados. Não é compreensível que uma categoria, que possui mais de 240 mil professores e com um sindicato cujo orçamento anual suplanta os R$ 40 milhões, tenha deixado companheiros tão dedicados e dados à luta no mais puro limbo, ostracismo, abandono. Ou é?

 

[1] Criado em Franco da Rocha, é mestre em Ciências Sociais pela UNESP de Marília.

5 COMENTÁRIOS

  1. Caros, faltou adicionar essas informações ao texto:

    Em certa altura, se discutia e se antevia a possibilidade de que se proliferassem os acampamentos por todo o Estado, inclusive, com ocupação das Diretorias de Ensino pelo interior e na capital.

    Iniciada em 2 de maio de 2000, a greve perdurou até 14 de junho, por 44 dias. Começou tendo 80% das escolas paradas e terminou com permanência de somente 11% delas parcialmente resistentes. Coincidindo com a greve das Universidades Estaduais Paulistas, notadamente a Unesp e mobilizações na Fatec, a greve conseguiu agitar o cenário ao ponto de o Governador do Estado de São Paulo, Mário Covas, se envolver pessoalmente, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, tomar parte nas discussões, opinarem líderes e membros destacados de partidos, se cogitar a intervenção da Polícia Federal e a mídia fazer um acompanhamento detalhado que beirou à investigação policial. Houve enfrentamentos com a tropa de choque da polícia. Por fim, com o recuo dos professores, isolados os mais ativos, o governo chamou a tropa de choque para pôr fim ao movimento, na madrugada do dia 12 de junho.

    O sindicato da categoria, a APEOESP, é hoje presidido pela mesma Maria Izabel Azevedo Noronha que era presidente em 2000. Ela faz parte de um grupo que está há 30 anos no comando do sindicato.

    Um pequeno grupo de professores se organizou para pressionar o sindicato a dar auxílio aos professores perseguidos e demitidos, mas foi combatido e processado pelo sindicato.

    Muito instrutivo é ler as reportagens saídas na imprensa no período: http://veja.abril.com.br/140600/p_044.html

    http://veja.abril.com.br/070600/p_044.html

    Há outras mais!

  2. Muito bom o texto. Tal abandono apenas ocasiona o medo de outros professores em se envolver mais fervorosamente na luta da categoria. E a APEOSP? Só lamento…

  3. Pensando na quantidade de barulho que se consegue fazer quando se trata de estudantes universitários e, principalmente, quando se trata de alunos da USP acabei por pensar: por que não se consegue o mesmo barulho, mídia e solidariedade quando os envolvidos são os professores da rede pública? Será que também dentre os militantes se reproduziu a hierarquia da estrutura educacional oficial?

  4. Sobre o sindicato dos professores da rede de ensino de do Estado de São Paulo. “Trabalhadores do ensino e APEOESP – Um relação de conflito (1978 – 1987)” Há em pdf. (PUC – SP).

  5. pena a dificuldade de reunir esses processos históricos com paralelos dos últimos vinte anos, análises de conjuntas valiosas se perdem de um bloco pra outro. Acampamento dos professores em 2013, ocupações 2016, a greve dos anos 2000. Da uma formação inteira muito interessante

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