Meia-noite de sexta-feira, 3 de julho. Apesar dos 13 graus de frio, mais ou menos 200 pessoas se aglomeram dentro ou fora de uma tenda montada em pleno Centro de Florianópolis. São os trabalhadores do transporte coletivo vivendo mais uma madrugada da greve que se iniciou no dia 30 de junho. Por camarada d.
Cobertos por jaquetas, cachecóis e gorros; jogando cartas em diversas mesas espalhadas pela Praça das Nações (entre o Terminal do Centro e o Direto do Campo); assistindo pela televisão à semifinal da Copa Libertadores da América entre Grêmio e Cruzeiro; ouvindo música de dançar pra valer; jogando uma bolinha; esquentando café e cozinhando lingüiça para servir com pão. É desta forma que os trabalhadores filiados ao Sintraturb [sindicato dos trabalhadores de transportes urbanos de Florianópolis] aguardam a resposta de mais uma rodada de negociação entre o sindicato, os empresários do transporte e a Prefeitura de Florianópolis.
Quer dizer, não era apenas “mais uma” rodada. Em jogo havia uma palavrinha além de questões trabalhistas como a reivindicação de reajuste salarial de 7% (5% para recuperar a inflação e 2% de aumento real) e de R$ 20,00 do vale-alimentação (de R$ 290,00 para R$ 310,00): intervenção.
A quase total ausência de ônibus na cidade (nem mesmo os 30% de funcionamento exigido pela Justiça foi cumprido), resultado da rejeição patronal da reivindicação dos trabalhadores, criou uma situação descrita como “calamitosa” pela imprensa. Os comerciários apresentaram dados indicando uma queda de pouco mais de 50% nas vendas. “35 mil sem aulas na rede estadual de ensino”, dizia manchete de um importante jornal.
Diante de tal cenário, o prefeito Dário Berger (PMDB, ex-PSDB), após consultar o Sintraturb – que por sua vez consultou outras organizações, como o Movimento Passe Livre (MPL) – anunciou que faria uma intervenção nas empresas de ônibus.
Cabe aqui lembrar que as atuais empresas de transporte coletivo estão operando em contratos precários, por conta do fim do período de concessão a elas dado em 1999. São empresas que começaram a operar com uma, digamos, ajudinha de um dos rivais políticos de Dário Berger: Esperidião Amin (PP), ex-prefeito de Florianópolis e ex-governador de Santa Catarina. Não bastasse todos esses ingredientes, a prefeitura enviou recentemente à Câmara de Vereadores um projeto de lei para iniciar um processo licitatório para exploração do sistema de transporte coletivo.
Abriu-se, então, uma enorme possibilidade para todos os atores em cena: Dário Berger poderia percorrer um caminho mais rápido para o afastamento das empresas atuais à espera da nova licitação e, quem sabe, das empresas próximas de seus chegados; os trabalhadores do transporte ganhariam garantias pelo recebimento dos salários; e o MPL vislumbraria uma grande oportunidade para inserir a pauta da municipalização do transporte, ou seja, o controle do sistema pelo poder público.
Inspirados pelas conversas com o Sintraturb sobre a real possibilidade de intervenção municipal nas empresas de transporte, militantes do MPL passaram a noite com os grevistas. Jogaram cartas, dominó e, claro, conversaram sobre política, sobre a luta, sobre como – na visão do MPL – os trabalhadores do transporte continuarão a ter problemas da mesma natureza enquanto seus salários forem vinculados à tarifa de ônibus.
Afinal, como dizem os empresários e a Prefeitura, os aumentos tarifários existem para bancar os “custos do sistema”. O que é parte mentira (o aumento nas tarifas concedido no fim da greve já estava previsto desde o início do ano) e parte verdade (evidentemente, os salários fazem parte do custo do sistema). Essa dinâmica entre a justa luta pelo reajuste dos salários, o processo de greve (que deixa a população sem transporte) e os aumentos na tarifa, cria uma enorme tensão entre os trabalhadores e o povo. Aí entra o MPL e a defesa da tarifa zero, para que o custo do sistema seja pago não mais pela cobrança de tarifa, mas por impostos recolhidos da parte mais rica da população.
Papo vai, papo vem, “você tem passado todas as noites da greve aqui no acampamento?”, “você também foi preso nos protestos contra a tarifa?” e até músicas foram entoadas, uma delas parodiando um novo hit das torcidas de futebol: “Ih… intervenção vou exigir/ tarifa zero já vem já/ vamo que a greve tá bem forte/ e o Passe Livre vai apoiar!”
Expectativa que aumenta e, às três horas da manhã, chegam os integrantes da comissão de negociação e… o prefeito Dário Berger. Dentro dos ingredientes políticos listados alguns parágrafos acima esqueci-me de um dos maiores clichês da luta social: o entregar dos anéis para não perder os dedos. Aos 48 minutos do segundo tempo, o Setuf, sindicato patronal, resolveu aceitar a proposta trabalhista para não ver seu patrimônio tomado pela Prefeitura. Dirigente do sindicato discursou, prefeito discursou, pessoal aplaudiu e a questão ali se resolveu. De forma momentânea, é claro. Trabalhadores sentiram-se aliviados, a greve foi vitoriosa. Desejando intervenção talvez tenha restado o MPL. Sinal de que há muito trabalho e muito debate a ser feito.
De lado, meio quieto e fotografando tudo, estava Joaquim do Nascimento. O Quinzinho, foto-jornalista oficial do sindicato, trabalhador da empresa de ônibus Transol há uma década e meia e antiga liderança da Vila Santa Rosa – comunidade que, por dez anos, resistiu às ofensivas do banco Santander para tomar seus terrenos. Poucas horas antes, solícito como sempre, topou conversar sobre a greve, sobre a intervenção e mesmo sobre tarifa zero. Cobrador de ônibus, ele não teme a idéia, nem que digam que pode ameaçar seu emprego: “Educação, saúde e transporte é tudo na vida do ser humano. E o cobrador não precisa ser mandado embora, ele é útil. Pode orientar as pessoas, fazer serviços públicos dentro dos ônibus, um monte de coisas”.
Ouça aqui a entrevista feita durante a greve com o cobrador de ônibus Joaquim do Nascimento.
Crédito das fotos: Florencia Rios.
Forças daqui de Curitiba para os militantes aí de Floripa!
Achei interessante o relato da manifestação, mas não entendi a relação com o título. Digo isso porque não entendendo de que forma retirar o controle do transporte público das mãos de empresas privadas e colocar sob o controle de empresas estatais, através da municipalização, resolveria o problema dos transportes. O controle continuaria a ser efetivado pela burguesia. A única forma de resolver esse problema é com a população, trabalhadores, estudantes, donas-de-casa… assumindo o controle do transporte, definindo quantos ônibus, quais horários, quais rotas, com qual conforto, com qual remuneração, qual tipo de transporte, dentre outras questões. Para isso não há fórmula mágica: só experimentando novas formas autônomas; sem apelar ao Estado.
Abraço.
“Solução só não se tem pra morte.” Todo apoio ao movimento de Floripa.
Olha, que seria melhor tirar igualmente do Estado e da burguesia, eu concordo. Agora, a resposta para o problema que o companheiro Douglas colocou é um tanto inviável a curto prazo, a não ser que Floripa esteja à beira de uma insurreição popular né, nos moldes da APPO no México. O que seria ótimo!
Não estando à beira de uma conjuntura dessas, me parece muito mais razoável que os movimentos sociais e os movimentos grevistas pautem a expropriação do controle do transporte coletivo das mãos das empresas privadas, mesmo que o resultado disso não seja o ideal, isto é, a transferência do controle para gestão estatal.
A greve saiu vitoriosa, sim se for pensar só nos objetivos materiais imediatos, mas quanto ao político o sindicato perdeu muito já que população na maioria culpa o sindicato pelo aumento das tarifas.
Apesar de essa não ser a verdade, o que você acha que estão pensando os usuários?
Estava no Tican quando os secundaristas da escola jovem foram agredidos por seguranças e motoristas quando se manifestavam contra o aumento na semana seguinte a greve.
Camarada D, você deve imaginar qual foi a reação da população ao ver a pelegada batendo em muleques com a metade do tamanho deles.
Apesar de não achar que o Sintraturb tivesse articulação suficiente para manter a greve depois da proposta da prefeitura de aumento das tarifas, não sou tão otimista para falar movimento vitorioso.
Acho que movimentos vitoriosos são aqueles conseguem ultrapassar a categoria para questões mais amplas que revertem vitórias para classe, isso não aconteceu.
Se alguém ganhou realmente foram o empresários que conseguiram aumentar seu lucro e queimar o sindicato e a prefeitura que não se queimou muito mais que podíamos prever.
Pois é, Cazé, foi isso mesmo que eu disse. A greve foi vitoriosa. A greve. Mas as questões da cidade foram deixadas de lado. Há muito debate a se fazer dentro do Sintraturb. Agora, de uma forma ou de outra, nós ganhamos a deixa da intervenção. Isso foi uma vitória também. Se você pensar no procedimento “padrão”, teriamos aí umas mini-greves, a negociação e o aumento (sempre aprovado antes) concedido na sequência. Desta vez houve um elemento a mais.
Bom compas estou com douglas autogestão já nos tranportes, está é a unica forma de se livrar da exploração dos trabalhadores e consumidores, juntos controlando o tranporte por meio do poder popular somente os interessados no serviço,sem mais agentes externos que tem interesse em especular em cima de um direito que é de todos ,e outra não precisamos contar com a conjuntura que se tinha em oaxaca APPO, o que precisamos é os trabalhadores orgânicos o suficiente para que em forma de cooperativa possam oferecer o serviço a um preço que possa pagar-lhes os custos do transporte e de seus salários isto sem onerar os consumidores, e isto fica muito mais fácil dentro de uma lógica de autogestão já que não precisa se manter os autos lucros e a altas taxas de mais valia retiradas dos trabalhadores , cois que diga-se de passagem o Estado também faz então não faz muita diferença estatizar, ao menos no direito que temos de tencionar o Estado ao contrário do capital privado este autonômo, no mais para conseguir apoio da população tem que ficar claro que o aumento do salário deveria vir da diminuição do lucro do patrão não da exploração do usuario que tambám é trabalhador.
Viva a luta do transporte em floripa, salve o MPL,
e Saúde e Anarquia.
O companheiro Fisher está certo, em nada (ou quase nada) resolve transferir o controle e a gestão do transporte ao Estado, que tem feito o papel de garantir aos setores empresariais um lucro permanente e de burocratizar os serviços públicos.
Sim, é preciso construir e defender a autogestão do transporte coletivo, pelos próprios trabalhadores. Quando citei o exemplo da APPO, me referi ao grau de organização que tomou corpo por lá – que certamente não começou de um dia para outro. Quando tentamos entender a conjuntura daqui, vemos que ainda estamos alguns passos atrás, isto é, num processo de construção da luta por autogestão.
O que não faz sentido, de fato, quando estamos inseridos na luta do transporte público, é pautar que através do Estado vai se garantir o livre acesso à cidade, o passe livre, a mobilidade urbana, etc. Viva autogestão!