Flor da Palavra na comunidade do Vale do Catu, Canguaretama.
Local: Escola Municipal João Lino da Silva, em Canguaretama (RN).
A proposta de se realizar uma Flor da Palavra na comunidade do Catu partiu de um desejo individual que foi sendo coletivizado ao longo de 2 meses de visitas, contratempos, pesquisas, leituras em bibliotecas públicas, internet, vídeos e muitos sonhos.
Nesta busca, descobrimos que o estado do Rio Grande do Norte não possui comunidades indígenas reconhecidas. Isto porque, nos revelou esse misturar-se com nossas origens ancestrais, os indíos e índias da região sofreram com mais virulidade a pressão da miscigenação cultural e limpeza étnica, assim como o saqueio de terras, aldeamento e perseguição religiosa e linguística, e isso, desde os primórdios da colonização brasileira. Região central de uma extensa área indígena rebelde, estratégica geograficamente, que servia de refúgio para muitas das tribos que iam contra o sistema mercantilista – Cariris, Janduís, levantes indígenas importantes no período colonial, como a Guerra dos Bárbaros ou confederação dos Cariris ? tornaram-se alvo de grande repressão militar por parte da ordem vigente: constantes levantes e alianças entre colonizadores e índios e sujas conspirações entre as diferentes tribos, que levaram à quase total dizimação dxs índígenas da região. Um episódio marcante dessa história apagada foi o Massacre de Cunhaú, em 1654, onde por incitação de holandeses, índios do sertão mataram centenas de parentes ajoelhados em plena missa, portuguesa é claro.
Estabelecidos os engenhos de cana, modernizados em grandes usinas de ?bio? combustíveis, a dominação política consolidou-se com a chegada da base aérea estadunidense na cidade de Parnamirim, próximo a Natal, no ano de 1941 sob um acordo de ?defesa mútua? imposto pelos Estados Unidos junto ao rompimento de relações diplomáticas com a Alemanha, Itália e Japão (janeiro de 1942) e, por fim, a declaração de guerra aos países do Eixo. Identificado nos mapas estratégicos estadunidenses como Trampoline of Victory, Parnamirim Field foi a base de um triângulo que apontava para o ?teatro de operações? (o norte da África e o sul da Europa), agravando ainda mais a exploração da natureza e da humanidade local. Literalmente, prostituiram as descendentes potiguare/as.
Após mais de 100 anos de silêncio oficial, nos quais estas populações foram dadas como extintas, desde junho de 2005, diferentes grupos étnicos reivindicam publicamente sua identidade indígena em território potiguar: Eleotério do Catu de Canguaretama, Mendonça do Amarelão de João Câmara; Caboclos de Açu; Comunidade de Banguê e Trapiá, também em Açu; Comunidade de Sagi, cujos antecessores Potiguara vieram da Baía da Traição na Paraíba. Apesar do etnocídio, ou da tática do desaparecimento para não serem mortxs, configuram culturas altamente resistentes e em processo de constante recriação.
O nordeste abriga hoje 24% dos povos indígenas brasileiros. A comunidade do Vale do Catu, em Canguaretama, onde habitam cerca de 110 famílias, vêm nestes últimos 4 anos desenvolvendo atividades de fortalecimento de sua identidade indígena como aulas de tupi, peças sobre histórias da mata e espiritualidade (jurema), danças (toré) e demais articulações com grupos de antropólogos da UFRN, parentes potiguaras próximos (da Baía da Traição na Paraíba) assim como a sociedade como um todo. Segundo Luis, professor do local, avançam a discussão para além da identidade, reinvidicam igualmente territórios. “Índio não é sem terra, índio tem terra” esbraveja Vando, um dos moradores da comunidade.
Superando a falta de água encanada – que chegou há apenas 3 anos – o esgoto a céu aberto e um rio perfeitamente navegável até o mar totalmente destruído por produtos tóxicos oriundos de duas das mais poderosas usinas de cana-de-açúcar do estado, uma delas a multinacional francesa Louis Dreyfus Commodities Bioenergia, que abrange além de sua central de atividades o arrendamento de terras de pelo menos 3 municípios do estado, pertencentes ao antigo proprietário Grupo Tavares de Melo. Campos inteiros contaminados pela peste branca: a cobiça do vil metal hoje transmutada em quilômetros de cana, sorgo e girassóis para combustíveis. Ao lado e em todo o entorno, centenas de hectares de desertos verdes desenham os horizontes planetários que revelam a desumanização capitalista. Os dentes podres dos comedores de açúcar europeu, os carros dos estadunidences e japoneses, o combustível de toda a engrenagem perversa.
Uma Flor da Palavra desabrocha na comunidade do Catu através de reflexões sobre a cultura, história e fazeres indígenas latino americanos, em oficinas, vivências, artes e técnicas livres. A proposta é a invenção de laços de comunicação e solidariedade entre a comunidade e o resto do planeta. Um desses laços solidários é com o Acampamento do MST José Martí, há 4 anos na beira da BR-101, no mesmo município, Canguaretama, também sendo sufocados pelo agronegócio predatório.
Catu Resiste!