Trabalhadores e fazedores culturais da cidade de São Paulo!
Nós, do Movimento 27 de Março, que ocupamos o prédio da Funarte no dia do teatro deste ano para barrar a privatização da cultura, lutando contra a renúncia fiscal mantida na “nova lei Rouanet”, o então Profic, queremos conversar com vocês.
Sabemos que é difícil, num mundo tão individualizado e embrutecido, a gente parar, conversar, falar e ouvir nossos companheiros, pessoas que muitas vezes têm opiniões diferentes da nossa e, juntos, atentar mais para os pontos que nos unem do que para aqueles que nos separam.
Nosso Movimento é “filho” de outros tantos movimentos de artistas, sobretudo dos trabalhadores de teatro, que se reuniram no Arte contra a barbárie, no Redemoinho e na Roda do Fomento.
Queremos provocar o nascimento de novas idéias para criar situações novas.
Para nós a arte tem uma função fundamental na sociedade e tem relação com todos os campos da vida social. Por isso lutamos contra toda forma de privatização da arte e da cultura.
O mundo não é uma mercadoria!
Se hoje parece “natural” que produções com características estéticas voltadas apenas para garantir a audiência dos anúncios comerciais do intervalo, sejam consideradas arte, para nós o dinheiro que financia tais produções também interfere nas suas “liberdades” artísticas. A privatização da arte e da cultura, através do financiamento das empresas privadas ou de leis de renúncia fiscal que seguem a mesma lógica do mercado, deve ser por nós combatidos em todas as escalas.
A Lei Rouanet, principal política pública para a cultura do Brasil, foi criada em 1992 e baseia-se na renúncia fiscal como forma de incentivo à cultura. Nesse tipo de “incentivo”, a decisão do destino do investimento em cultura é feita pela empresa privada. É ela quem direciona seu imposto para o projeto cultural que lhe parecer melhor e, na maioria dos casos, significa mais rentável, ou o que dá mais “visibilidade”. A lei Rouanet, bem como todas as outras leis que promovem a cultura através da isenção fiscal, também seguem a mesma lógica de entender arte como mercadoria.
O Movimento 27 de Março vê no Manifesto do Movimento Arte contra a Barbárie pertinência e atualidade:
“É inaceitável a mercantilização imposta à Cultura no país, na qual predomina uma política de eventos.”
“Sua condição atual reflete uma situação social e política grave!”
“A produção, circulação e fruição dos bens culturais é um direito constitucional, que não tem sido respeitado.”
“A atual política oficial, que transfere a responsabilidade do fomento à produção cultural para a iniciativa privada, mascara a omissão que transforma os órgãos públicos em meros intermediários de negócios.”
Queremos uma política pública para a cultura que contemple vários programas com recursos orçamentários próprios e regras democráticas, estabelecidas em lei como política de Estado e não ações de governo. As parcerias propostas entre o público (Estado) e o privado (PPP – Mercado), bem como a Economia Criativa e a sustentabilidade dos projetos nos impõe uma lógica de mercado que não podemos atender. Não produzimos lucro (mais valia), então, de onde vem esse dinheiro para sermos sustentáveis?
Não haverá transformação cultural enquanto as ações humanas forem organizadas pela lógica da eficácia mercantil e a cidadania for construída na perspectiva do consumo.
Uma comparação. A função da saúde, da educação e das políticas públicas nestas áreas não é fabricar dinheiro nem dar emprego para médicos, enfermeiros, professores. Da mesma forma, a arte, a cultura, o teatro e respectivas políticas públicas não podem ser encarados como fábricas de valor e empregos. Critérios como lucro, auto-sustentabilidade, produto, serviços, etc., etc., são, no mínimo, deslocados ou secundários para discutir uma política cultural.
A II Conferência Municipal de Cultura foi chamada de uma forma burocrática, o famoso “de cima pra baixo”. Reconhecemos esse espaço como um espaço de discussão da cultura, conquista de diversos movimentos culturais da cidade, como forma de relação social, mas combatemos duramente a forma como foi construída: sem debate político, sem construção horizontal e sem envolvimento prévio dos coletivos e movimentos organizados. E, por fim, de difícil acesso em todos os sentidos!
Acreditamos que a reabertura do Conselho Municipal de Cultura deva trazer mais atualizada a agenda de lutas dos movimentos.
Por isso, escrevemos essa carta, para convidá-los a aprofundar as discussões sobre cultura e arte em um encontro com o M27M. Não queremos nos acomodar e conviver de forma pacífica com o atraso que a não ação promove.
Queremos fazer esse chamado para a construção coletiva de uma Carta de Princípios de um possível “novo” movimento a partir dos três pontos a seguir:
– contra a privatização da cultura! Mais verba pública direto para a cultura!
– apoio ao PEC 150 que destina para a cultura o mínimo de 2% do orçamento da União, 1,5% dos Estados e 1% dos Municípios.
– políticas públicas para cultura como direito e não privilégio. Cultura para todos!
Não idealizamos a perfeição dos movimentos sociais, queremos é a imperfeição humana exposta nas discussões de companheiros que se dispõem à ação conjunta e ainda acreditam que a luta transforma a vida.
Saudações fraternas, Movimento 27 de Março.
Próxima reunião:
Dia 27 de outubro (terça-feira) às 20h no Teatro Coletivo.
Local: Rua da Consolação, 1.623.
Informações: (11) 3255-5922 / 8121-0870.
Pauta: Políticas públicas para a cultura e carta de princípios.