O assassinato de Ricardo Iberê Gilson

No dia 4 de abril de 1999, um domingo de Páscoa, o jovem de 22 anos Ricardo Iberê Gilson seria assassinado nas dependências do Hospital Fábio Soares Maciel, que naquela época fazia parte do então complexo penitenciário Frei Caneca, no bairro do Estácio. O agentes penitenciários José Nivaldo Melo, Jorge José Riqueira da Paixão e Eustáquio Cirino de Souza, além da médica Cali Galiasso Barboza vão a julgamento na próxima quarta-feira, dia 11 de novembro, às 11hs, no 2° Tribunal do Juri, no Fórum do Rio de Janeiro.  Os agentes são acusados de matarem o jovem, e a médica é apontada como cúmplice e de ter feito um laudo falso, afirmando que Ricardo havia morrido por infecção generalizada. Os laudos do Instituto Médico Legal apontariam que a causa da morte tinha sido estrangulamento. Após 10 anos e 7 meses, os assassinos de Ricardo estarão nos bancos dos réus. Por mais de uma década, sua mãe, Carmen Gilson, buscou não deixar cairno esquecimento a morte de seu filho, procurando denunciá-la por diversos meios, ora através da mídia, ora através de instituições e movimentos de defesa dos direitos humanos.

Data do julgamento: 11/11/2009 (quarta-feira).

Local: 2° Tribunal do Juri, Fórum do Rio de Janeiro

Endereço: Av. Erasmo Braga , 115

O relato detalhado segue adiante.

Rede de Comunidades e Movimentos contra Violência e Carmen Gilson, mãe de Ricardo Iberê Gilson

Quando agentes do Estado transformam-se em assassinos

No dia 4 de abril de 1999, um domingo de Páscoa, o jovem de 22 anos Ricardo Iberê Gilson seria assassinado nas dependências do Hospital Fábio Soares Maciel, que naquela época fazia parte do então complexo penitenciário Frei Caneca, no bairro do Estácio.

Ricardo, que estudou no Colégio Santo Agostinho do Leblon, era dependente químico desde os 16 anos, quando teve seu primeiro envolvimento com drogas. Desde então, passaria por 8 clínicas de recuperação, sem nenhum sucesso. Segundo sua mãe, Carmen Gilson, ele não compreendia o que as drogas faziam com a vida dele, e também o fato de que estava doente.

Por conta da dependência, Ricardo, em um determinado dia, entraria em um ônibus, no bairro do Leblon, e realizaria um assalto, sem ferir ou matar ninguém. Roubaria trinta reais. Isso ocorreu no mês de setembro de 1998, em frente ao Batalhão Policial Militar deste mesmo bairro. O jovem seria preso em flagrante. Dos trinta reais roubados, vinte e nove seriam devolvidos.

Logo após ter sido preso, Ricardo seria encaminhado para o Hospital Psiquiátrico Roberto Medeiros, em Bangu, para aguardar seu julgamento. No período em que ficou lá, relataria à mãe, através de cartas, as péssimas condições dos alojamentos, já que estes eram escuros e completamente sem higiene. De acordo com sua mãe, os próprios policiais diziam que aquele espaço era muito ruim.

Em janeiro de 1999, Ricardo seria julgado e condenado à 8 anos de reclusão no manicômio judiciário Henrique Roxo, em Niterói, segundo sua mãe, para um “pseudo tratamento”. O jovem, novamente através de cartas, contaria à Carmem as péssimas condições de higiene e salubridade das acomadoções em que estava internado.

No dia 4 de abril deste mesmo ano, Carmem Gilson iria ao Henrique Roxo visitar seu filho, como de costume. Ao chegar, informaram-lhe que Ricardo estava passando muito mal, com diarreia há quatro dias, vômitando e com um rim paralisado. Segundo ela, ninguém lhe explicaria o que então ocorria. Foi quando decidiu insistir por mais informações, inclusive solicitando a presença de um médico. Este apareceria entre às 15hs e 15:30, vindo de outro lugar, e depois de mais ou menos trinta minutos, dirigir-se-ia à Carmen confirmando o que já lhe haviam dito e informando que Ricardo seria transferido para o Hospital Fábio Soares Maciel, no hoje extinto complexo Penitenciário Frei Caneca. A mãe deste seguiria a ambulância até o hospital.

Ao chegar no Hospital Fábio Maciel, Carmen buscaria por informações sobre seu filho e solicitando que a permitissem vê-lo. Um agente penintenciário a receberia com agressões verbais como, por exemplo, dizendo: “só se morre quando é chegada a hora”. A mãe não se intimidaria e, indignada com o desrespeito, responderia o seguinte: “se isso acontecer, você não sabe o que pode te acontecer”. O agente continuaria insistindo com a grosseria perguntando “você sabe com quem está falando?”. Ela responderia “e você, sabe com quem está falando?”. O agente interromperia a conversa dizendo que iria ao encontro de Carmen. Esta afirma que, quando o agente desceu da sala onde se encontrava para falar com ela, repetiria a frase “só se morre quando é chegada a hora”. Um outro agente penitenciário, vendo que seu colega estava muito nervoso, pediu-lhe que se retirasse.

Após isso, Carmen iria embora do hospital penitenciário, sem poder ver o filho. Foi quando teve a ideia de perguntar pelo nome do diretor. Sem resposta, perguntaria pelo nome da médica responsável. Também não obteve resposta. Estavam sonegando toda informação sobre seu filho, o que lhe causaria estranheza. Carmen apenas saberia o nome da médica através de um amigo da família, que a acompanhava. Este teria arrancado da mão de um dos agentes um papel que constava a identificação da médica.

Quando chegou em casa, a mãe de Ricardo ligaria, por volta das 22hs, para a médica responsável por seu filho. Segundo Carmen, aquela repetiria o mesmo diagnóstico do primeiro médico que atendeu seu filho, ainda no Henrique Roxo: ele estaria com diarreia há quatro dias, e agora com infecção intestinal. Carmen se irritaria, chamando a médica de mentirosa, dizendo que havia visto seu filho dias antes e que este se encontrava bem, não se queixando de nenhuma dor. Neste momento, o amigo que a acompanhava puxou o telefone de sua mão e falou com a médica. Esta lhe diria que Ricardo estava morto.

Considerando toda a situação muito estranha, no mesmo dia em que soube da notícia trágica da morte de seu filho, Carmen acionaria os meios de comunicação e denunciaria o fato de que seu filho havia sido morto sob custódia do estado.

Logo após, seria aberta investigação para saber o que de fato tinha ocorrido com Ricardo. A polícia ouviria várias pessoas do Hospital Fábio Maciel, e muitos afirmariam que o jovem chegara ainda vivo. Outro fato importante é que a chave da cela em que Ricardo se encontrava estava na posse de apenas três agentes penitenciários e somente estes podiam ter acesso à cela. Neste instante, a médica que então o acompanhava se afastaria por meia hora. Ao retornar, encontraria o jovem morto. Ela atestaria a morte de Ricardo como sendo por infecção generalizada.

Segundo as investigações policiais, marcas de agressão foram descobertas no corpo do filho de Carmen. De acordo com os laudos do Instituto Médico Legal, Ricardo possuía inclusive marcas de estrangulamento e esta seria a verdadeira causa de sua morte. Para a polícia, o jovem foi barbaramente agredido antes de ser assassinado.

O que se começou a questionar foi o fato de como um jovem, que teria chegado apenas com uma infecção, apareceria logo após morto. Além disso, o que explicaria apenas três agentes terem acesso à cela onde estava Ricardo e também a não permissão para que sua mãe o visse? Estas e outras perguntas começaram a ser feitas.

Os laudos do IML confirmariam, além do estrangulamento, que Ricardo apresentava marcas de que teria tentado se defender e também que teria se alimentado no dia anterior. Isto demonstraria como a versão de que estava doente há quatro dias e de que sua morte foi por infecção generalizada não fazia sentido. Deste modo, as suspeitas recaíam sobre os três agentes penitenciários que possuiam a chave da cela e também a médica, única pessoa a ter visto Ricardo antes de sua morte.

Segundo Carmen, os agentes tentaram construir uma história em que o culpado pelas marcas que aparecerem no corpo do jovem teria sido ele mesmo. Isto porque, segundo estes agentes, Ricardo estaria com crise de abstinência e por conta disso teria ficado muito violento e se auto agredindo. Contudo, ele não utilizava drogas há mais de 8 meses e, portanto, a suposta crise de abstinência, aventada pelos agentes, não se sustentaria. Além disso, o exame toxicológico realizado pelo IML daria negativo.

O caso permaneceria enquanto inquérito policial durante 4 anos. Apenas após uma entrevista dada ao programa Fantástico, da TV Globo, o Ministério Público ofereceria a denúncia, dando prosseguimento ao processo. Ficaria mais 6 anos nesta instituição. Somente agora, após 10 anos e 7 meses, o caso vai a juri popular. Durante todo esse período, tanto os agentes quanto a médica, não foram presos e continuaram exercendo suas atividades profissionais.

Durante todo esse período, Carmen Gilson denunciou o assassinato de seu filho em vários meios de comunicação, em instituições públicas e contou com a colaboração de diversos movimentos sociais de direitos humanos, como a Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência e a Justiça Global. Além de tudo, Carmen afirma que o filho já estava pagando pelos erros que havia cometido e não merecia morrer de uma forma tão brutal.

O próprio governo estadual, em 2001, reconheceria o crime cometido por seus agentes ao nomear uma Clínica de Recuperação de Dependentes Químicos, na cidade de Valença, com o nome de Ricardo.

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