As Comunas da Terra são assentamentos dentro das grandes cidades e que buscam trabalhar com uma nova base de produção, uma nova matriz tecnológica, que é a agroecologia. Entrevista com Pedro Suarez, militante do MST, por Felipe Corrêa

mst-8Felipe Corrêa (FC): Você poderia falar um pouco sobre o que é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e quais são suas principais lutas?

Pedro Suarez (PS): O MST é um movimento social organizado desde 1984, em 24 estados do Brasil, que luta por terra, por reforma agrária e pela transformação social. Defendemos que a luta não deve parar na luta pela terra – que uma das principais ferramentas é a ocupação de terras – mas que ela vá para além disso. Depois de entrar na terra, o objetivo é lutar pela reforma agrária, entender o conjunto das ocupações, o conjunto das lutas que vai dar condições de vida para estas pessoas.

Para nós, não adianta só jogar as pessoas no assentamento e falar para elas se virarem. Deve haver condições para que elas plantem e vivam, porque a luta também é por uma outra vida. Nós não estamos de acordo com essa vida que estimula que devemos querer ganhar dos outros, disputar com os outros, competir o tempo todo. Nosso projeto de reforma agrária leva em conta tudo isso, ele tem por objetivo que as pessoas tenham condições de viver de outra maneira.

Nos assentamentos priorizamos a produção de alimentos, porque hoje a terra tem sido usada principalmente para gerar lucro, com o projeto do agronegócio, que causa desemprego no campo, não produz alimentos e busca somente o lucro para poucos, para empresas multinacionais, empresas estrangeiras, e não para o povo brasileiro. É por isso que uma das principais lutas do MST hoje é a denúncia deste modelo para o campo. Temos denunciado permanentemente o modelo do agronegócio, as grandes empresas, as empresas estrangeiras como a Monsanto, a Syngenta e também o trabalho superexplorado no campo. Por exemplo, somos contra o trabalho na cana-de-açúcar, que gera a morte de muitos trabalhadores ou mesmo, que leva os trabalhadores à exaustão.

Lutamos por uma condição concreta de produzir em uma outra relação. Então, a alternativa que propomos ao modelo do agronegócio é a soberania alimentar, que leva em conta uma outra relação com a terra, uma relação sustentável a partir da agroecologia.

Nossa luta também é pela transformação social, porque temos claro que nesta sociedade em que vivemos a reforma agrária não vai ser feita. Não são todos os que querem plantar e produzir que terão acesso a terra.

FC: Você poderia falar sobre as experiências das Comunas da Terra? Quais são as diferenças entre as experiências destas Comunas e de outras experiências de ocupação, acampamento e assentamento do MST?

mst-2PS: As Comunas da Terra são assentamentos dentro das grandes cidades e que buscam trabalhar com uma nova base de produção, uma nova matriz tecnológica, que é a agroecologia.

Ao levarmos em conta o tamanho das terras, é necessária uma outra relação de produção, pensando modelos mais coletivos de produção. Portanto, levar o cooperativismo para estas áreas é muito importante: pensar no que produzir, em como produzir conjuntamente, como comercializar a produção conjuntamente.

Temos também várias experiências de produzir para distribuir. Conseguimos distribuir alimentação para a periferia através de um programa, e é, portanto, um desafio, conseguir produzir nestes locais e distribuir para a população que está morando ao redor, que é uma população pobre. Isso é uma de nossas linhas: produzir alimentos para quem precisa.

FC: Existe alguma recomendação do MST nas Comunas em favor da produção coletiva? Como funciona com aqueles que têm interesse em possuir seu pedaço de terra e fazer o cultivo da terra por sua própria conta? Como o MST vê esta questão entre a produção coletiva e a produção individual de cada uma das famílias?

PS: No mundo hoje somos forçados a fazer tudo individualmente, as pessoas nos dizem que temos de nos virar sozinhos. Por esta razão, muitas pessoas escolhem trabalhar por conta própria, mas à medida que elas vão trabalhando, vêem que sozinhas não conseguem se sustentar, e que, assim, devem escolher formas coletivas de trabalho.

Há diversos projetos que têm de ser feitos conjuntamente, por exemplo, as experiências de trabalho por afinidade, como nas nossas produções de mel ou de mandioca. Quando queremos fazer farinha, e é necessária uma casa de farinha, que atende certo número de famílias e algo deste tipo exige trabalho coletivo. O trabalho coletivo é necessário para ser possível, de fato, agregar valor à produção, ou então teremos, sempre, de ser dependentes de atravessadores, de alguém que vai se beneficiar desta produção. Portanto, para que nós mesmos tenhamos a autonomia, devemos trabalhar conjuntamente.

FC: Onde estão as Comunas da Terra? Quais são seus nomes? Aproximadamente quantas famílias vivem nelas?

mst-111PS: Na região da grande São Paulo temos algumas experiências de Comunas da Terra. Uma das mais antigas é a Dom Tomás Balduíno, que fica em Franco da Rocha, com mais de 60 famílias, e que já tem vários projetos de trabalho coletivo. Há também a Irmã Alberta, em Perus, São Paulo. Desde 2002 lutamos para que esta área se torne um assentamento, autorizado pelo governo federal, processo que está em vias de acontecer. Hoje o assentamento está começando a ter investimento público e possui cerca de 40 famílias. Há também o Dom Pedro Casaldáliga, em Cajamar, que sustenta uma luta interessante pela questão ambiental, pois os oportunistas da área do meio ambiente falam que um assentamento não é viável, em termos ecológicos. Eles falam isso porque na realidade o projeto deles é outro: parque industrial, loteamentos de luxo… Então, estamos colocando um debate. O que agride mais o meio ambiente: um assentamento, que vai manter as pessoas onde elas já estão, ou uma indústria, um novo loteamento? Finalmente, há em Jandira a Comuna Urbana, que é outra experiência do MST de luta por trabalho e por moradia para a comunidade organizada.

FC: Ótimo. Mais alguma coisa que você queira acrescentar para fecharmos a entrevista?

PS: Queremos convidar os trabalhadores e trabalhadoras que quiserem conhecer estas nossas experiências, conversar sobre a luta pela terra, a luta pela reforma agrária, entender este momento que estamos vivendo hoje. Para nós, neste período de crise, a reforma agrária é uma saída. Embora muitas pessoas falem que precisamos priorizar o investimento na indústria, temos visto que a indústria está demitindo e fazemos uma crítica ao modelo vigente de desenvolvimento da sociedade. Como podemos pensar em alternativas de trabalho e produção feitas pelos próprios trabalhadores? Vemos a reforma agrária como uma saída viável para este momento de crise e também como uma resposta para esta questão.

5 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pela iniciativa da entrevista – com perguntas bem interessantes, que permitiram obter um conjunto de respostas para entendermos melhor os desafios e proposta do MST.

  2. O fato de um movimento, inicialmente camponês, estar unindo forças e construindo comunas em áreas urbanas, apenas nos mostra a organização e disposição de enfrentamento pelos direitos dos mais pobres e discriminados socioeconomicamente por parte do MST. Se o capital muda, desdobrando-se em perversos tentáculos, os movimentos organizados (ou ainda partidos, sindicatos, etc.)têm que estar dispostos a mudar também. Enquanto ivermos sob o jugo da sociedade burguesa e capitalista, que os grupos organizados se metamorfoseiem de forma a engrentá-lo!

  3. A necessidade de ocupar os espacos improdutivos a cidade também é grande e em comparacão com os movimentos de ocupacão nas cidades, o MST está demonstrando que não só de discussões polícas pode viver as lutas sociais. Muitas vezes os movimentos urbanos se dissolvem ou se convertem em algo ineficaz por falta de concretude nas lutas, ficando a cabo de liderancas ditas quadros políticos que fora a falácia nada mais são capazes. Não por acaso esses mesmos quadros e dirigentes políticos quase nunca são oriundos dos mesmos setores sociais que a base social destes movimentos.
    Fazer avancar a luta não é uma questão de condicões objetivas como muito se fala (a tão mitificada conjuntura), mas sim um questão de perspectiva, pois esta quanto mais limitada, mais atrasada e ineficaz converte a luta e/ou movimento.
    Os projetos do MST não funcionam por outra razão, pois trata-se pessoas que conhecem e vivem a realidade que se pretende transformar e estas mesmas pessoas que compõe suas liderancas e quadros políticos.
    Fica ai o debate.

    Pra que haja transformacão social, deve haver avanco em relacão as perspectivas na vida cotidiana e concreta dos que pretendem transformar a realidade.

  4. Achei muito interessante a proposta da entrevista, bem como sua realização. Venho construindo a minha trajetória dentro da Comuna Irmã Alberta, onde é a casa da minha família. Hoje sou estudante de Ciências Sociais, na Unesp de Marília, e fico muito feliz com iniciativas como essa! Valeu a matéria!!!

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