Policial civil que matou o norte-americano Joseph Martin é inocentado pelo Júri Popular
O julgamento do inspetor da polícia civil João Vicente Sá Freire de Oliveira, no III Tribunal do Júri, terminou na madrugada de quarta (24/03) com a absolvição do réu por 4 votos contra 3 dos jurados (cuja maioria era formada por mulheres). A defesa do policial, feita por defensores públicos, sustentou a tese de que Martin, no dia 25/05/2007, haveria ameaçado fisicamente e agredido o policial, que foi “obrigado” a disparar sua arma para se defender.
As testemunhas ouvidas durante o processo e no julgamento, embora reconhecessem que Martin estava exaltado, em nenhum momento declararam que teria havido agressão ou tentativa de tomar a arma do policial. O desentendimento começou quando João Vicente deteve um menino na Lapa, que teria praticado um furto, e Joseph interveio, uma vez que o mesmo rapaz teria roubado a bolsa de uma amiga. Amigos de Martin contaram que ele ficou preocupado com a possibilidade do policial executar o menino ali mesmo, de madrugada, na frente de todos. Na confusão o menino fugiu, e o policial acabou atirando contra o abdômen de Joseph, causando sua morte.
João Vicente foi imediatamente cercado por várias pessoas que gritavam “assassino”, e depois foi conduzido à delegacia para prestar depoimento, assim como várias testemunhas.
A promotora do caso, Viviane Tavares Henrique, apontou durante o julgamento a existência de diversas irregularidades no inquérito e no processo, inclusive a falta de várias folhas no relatório encaminhado pela delegacia ao MP. Destacou que diversas testemunhas estavam muito temerosas, inclusive uma perguntou-lhe sobre as “garantias de vida” que o MP podia dar caso o policial fosse condenado. A promotora vai recorrer da decisão.
A mãe e a tia de Joseph acompanharam todo o julgamento, apoiadas por familiares de vítimas da violência policial do Rio e por militantes da Rede e da Justiça Global. No domingo, 21/03, um protesto sobre o caso e contra a violência do Estado aconteceu no monumento do Cristo Redentor, apesar das tentativas de intimidação e da proibição do acesso da imprensa. Nesta manifestação as familiares conseguiram falar com o embaixador e o cônsul dos EUA, e consequentemente duas funcionárias do consulado também acompanharam o julgamento (até então a diplomacia norte-americana não havia intervindo).
A absolvição do policial João Vicente guarda muita semelhança com a recente absolvição do policial militar Marcos Parreira do Carmo, acusado do assassinato do estudante Daniel Duque em junho de 2008. Parece que consolida-se o entendimento, numa parte da sociedade, que policiais têm o “direito” de sacar armas e atirar para matar mesmo em circunstâncias triviais de brigas e confusões de rua envolvendo pessoas desarmadas. É preciso questionar esse entendimento absurdo, bem como lembrar que, teoricamente, policiais são treinados e agir com frieza em tais situações, usando a arma, no pior dos casos, para imobilizar o alvo atingindo partes não vitais do corpo. Mas, nos dois casos, bem como no dia a dia da atuação policial no Brasil, principalmente (mas não somente) em favelas e comunidades pobres, o que vemos em ação é o treinamento para matar, para atirar primeiro e pensar depois.
Frances e Elizabeth Martin, mãe e tia, choraram e revoltaram-se com o veredito, mas declararam que já esperavam de certa forma por isso. “Eu não estou surpresa, mas estou decepcionada”, disse Elizabeth Martin à Associated Press. “Fomos alertadas por especialistas em direitos humanos no Brasil, que este seria o resultado mais provável.” Ambas irão continuar a acompanhar o processo no Brasil, mas já está agendada para abril uma audiência da comissão conjunta da Comissão de Direitos Humanos do Congresso dos EUA para questionar autoridades da justiça criminal brasileira sobre os abusos policiais no país. Disse ainda Elizabeth: “Eles disseram que vão colocar mais policiais na rua para as Olimpíadas, mas eu acho que, perversamente, a taxa de homicídio vai realmente subir.”
A imprensa do Rio, apesar de amplamente convocada, não compareceu ao julgamento, que foi entretanto totalmente registrado por jornalistas da Associated Press, uma das principais agências internacionais de notícias do mundo. Os jornalistas entrevistaram inclusive Edilene, tia de Thales, jovem morto provavelmente por policiais em Guadalupe no ano passado, em caso cuja investigação também está cercada de muitas dificuldades. Segue abaixo a reportagem da AP e outra sobre o caso, já publicadas em vários órgãos da imprensa internacional. Veja aqui e aqui.