Ocorreu nos dias 09 e 10 de abril de 2010 o II Ato Político-Cultural Campo-Cidade em Campinas, organizado pelo MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] e pelo MTD [Movimento dos Trabalhadores Desempregados] da região, sob o lema LUTAR NÃO É CRIME. Por Passa Palavra
Durante estes dois dias membros destes e de outros movimentos, como o MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Tecto] e da fábrica ocupada Flaskô, de sindicatos e coletivos de comunicadores e de educação popular, se reuniram para refletir sobre a onda de repressão que recai sobre os que lutam por uma sociedade mais justa.
No dia 09, uma grande roda com mais de 60 pessoas marcou o debate entre estes movimentos, grupos, coletivos e indivíduos. Falou-se sobre a criminalização não só dos movimentos sociais, mas da pobreza de forma geral e de todos aqueles que ousam lutar e se mobilizar por direitos sociais e melhores condições de vida. Esta criminalização pode se dar na forma mais direta de violência física ou através da judicialização da luta, com diversos militantes políticos sendo processados e decretadas suas prisões (em contraste com a impunidade de que gozam os assassinos de lutadores sociais e as grandes corporações e capitalistas que se “apropriam indebitamente de recursos públicos”, um eufemismo para roubos milionários), passando pela construção midiática dessa criminalização pelas grandes corporações comunicacionais – impressas, televisivas e radiofônicas.
Em contraponto, foi destacada a necessidade das organizações de esquerda possuírem os seus próprios instrumentos de organização e comunicação, para sair do espectro da imprensa corporativa e, principalmente, revelar os discursos que são silenciados por essas empresas capitalistas, que defendem vorazmente este sistema e os seus lucros. Nesse sentido, a perspectiva de uma imprensa democrática e “neutra” é uma ilusão em que recaíram e recaem, ainda hoje, diversos setores de esquerda.
Uma das questões mais ressaltadas foi a da necessidade de unidade das organizações de esquerda que cultivam o sonho de construir um outro mundo – unindo os trabalhadores do campo e da cidade que, paradoxalmente, têm na criminalização que sofrem um ponto concreto para se unirem. Se a “unidade na diversidade” das organizações de esquerda não é algo propriamente novo, por outro lado destacou-se a necessidade de estarem presentes nas periferias, onde a criminalização da pobreza é mais cruel e aflige os trabalhadores que estão a fazer barricadas e mobilizações por posto de saúde, por transporte, por escola, e exatamente ali, a maior parte da esquerda não se faz presente. Sendo a fragmentação e o isolamento da esquerda a grande arma da direita, se faz necessário que a classe trabalhadora retire da união a sua força, o que, segundo vários dirigentes dos movimentos presentes, apesar de difícil é imprescindível. Exatamente por não se tratar somente de lutar, mas de vencer, deve-se ampliar as ocupações, as conquistas, bem como fortalecer outras formas de relações e valores, para criarmos o nosso mundo, diferente deste.
Uma série de atividades realizada por diversos movimentos e organizações distintas de esquerda – no dia 10, no Parque Oziel Pereira [1], na maior ocupação urbana da América Latina – foi uma bela demonstração da real possibilidade de tecer a unidade entre tais movimentos. Na escola pública Oziel Pereira se reuniram diversos militantes e grupos culturais e políticos, de manhã até à noite, revezando oficinas, apresentações culturais, entre a feira com os produtos da reforma agrária e da luta destes movimentos. Se este ato não teve o impacto midiático por não ter paralisado o trânsito de uma grande avenida, com um enorme carro de som à frente a repetir discursos para uma massa ambulante, ele teve o grande mérito de ter sido feito na periferia de Campinas, numa área de ocupação, e onde os militantes lá presentes puderam conversar uns com os outros, “olho-no-olho”, conhecer suas lutas, suas dificuldades, suas resistências e conquistas; estreitar os laços, ampliar os horizontes, numa troca constante entre as organizações e movimentos presentes, bem como com a comunidade que lá apareceu.
Ainda assim, uma pergunta não calava: por que uma onda de repressão e criminalização dos movimentos sociais, num momento em que, como foi consensual nas falas das lideranças, vive-se uma situação de descenso das lutas?
Poema ao Oziel, feito pelo Zé Pinto do MST
Oziel está presente
Aquele menino era filho do vento
Por isso voava como as andorinhas
Aquele menino trilhou horizontes
Que nem um corisco talvez ousaria
Levava no rosto semblante de paz
E um riso de flores pro amanhecer
sol da estrada brilhou sua guerra
Mirou o seu povo com olhar de justiça
Pois tinha na alma um cheiro de terra
Tantas primaveras tinha pra viver
Pois tão poucas eras te viram nascer
Beijou a serpente da fome e do medo
Mas fez da coragem seu grande segredo,
Ergueu a bandeira vermelha encarnada
Riscou na reforma um “a” de agrária
E assim prosseguiu.
Seguiu cada passo com uma fé ardente
A voz ecoando na linha de frente
Em tom de magia numa melodia de estar presente
E a marcha seguia, seguiam os homens,
Mulheres seguiam, crianças também caminhavam
Mas lá onde a curva fazia um “S”
Que não se soletra com sonho ou com sorte
Pras bandas do norte o velho demônio
Mostrou seu poder.
Ali o dragão urrou, o pelotão apontou,
As armas cuspiram fogo, e dezenove
Sem terra, a morte fria abraçou.
Mas tremeu o inimigo com a dignidade do menino
Inda quase adolescente, pele morena, franzino
Sob coices de coturno, de carabina e fuzil
Gritou amor ao Brasil, num viva ao seu movimento,
E morreu!
Morreu pra quem não percebe
Tanto broto renascendo
Debaixo das lonas pretas, nos cursos de formação
Ou já nos assentamentos,
quando se canta uma canção,
ou num instante de silêncio
Oziel está presente,
Porque a gente até sente,
Pulsar o seu coração.
Notas:
[*] Parafraseando a justificativa de um juiz para intervenção na fábrica ocupada pelos trabalhadores da Flaskô.
[1] Oziel Pereira, um dos líderes camponeses assassinados no dia 17 de abril de 1996, tinha apenas 17 anos quando foi assassinado em Eldorado dos Carajás. Foi retirado com vida do local do tiroteio. Depois de ser algemado e surrado por um grupo de policiais, foi eliminado com um tiro na cabeça, após ser obrigado a gritar “Viva o MST!”
Mais uma cobertura do ato, pelo Coletivo de Comunicadores Populares de Campinas:
http://camaracom.com.br/coletivo/?p=1572