o bom-senso de um revólver que espera atento / a morte que falta a um corpo. Por Sylvia Beirute [*]
e na luz inadequada se move o teu corpo como
algo por dizer,
projectante sem confundir o interior da mão
com um rosto que baixou ao subsolo do silêncio.
e imaginarás algo.
e pegarás no teu ponto. na tua vírgula.
gritarás um verso sem que as palavras individuais
o notem, o oiçam a perfurar o seu
próprio verbo.
e arremessando esse ponto, e essa vírgula, ambos
em direcção ao céu introspectivo e especulativo
das cores que lhe concretizam a profundidade, ganharás
tempo; tempo para que o verso se espalhe a partir
do seu gomo infindável,
contamine o eco difuso da mão de vidro, guarde
o bom-senso de um revólver que espera atento
a morte que falta a um corpo.
e não tarda regressarão caindo com a mesma força
que aquela que usaste para cima: o teu ponto magnífico,
a tua vírgula com material e forma de lupa,
como pregos por cima do teu verso com
formato de raio e cuidado, com laringe de flecha e erro,
com lisonjeio sobre o tempo invertebrado.
quando caírem sobre ti, sobre o teu regresso íntimo,
saberás por onde continuar, e sobretudo: onde parar.
[*] Natural de Faro, Portugal. Estuda cinema e teatro e nasceu em 1984. Escreve poesia e teatro para mudar o seu mundo e diz-se a favor do Acordo Ortográfico na versão de 1945. Tem colaborações dispersas em revistas literárias de Portugal, Espanha, Argentina e Brasil. É autora do blogue Uma casa em Beirute.
Naum Gabo, detalhe de Constructie (Construção), escultura de 1955-57, numa rua de Roterdão. Fotografia R&R.
Me lembro bem desta “constructie”, ponto de encontro com minha mãe, nas tardes das 4’s (tardes sem aulas, pelo ensino público – ainda não tinha outro – na época, anos 60), em concordância (será?) aos programas de TV, mídia engatilhando, voltados ao público juvenil. Na foto tem a fachada do “Beijencorf”, um maganize super chique que nem pensamos em pisar, num Rotterdam em vias de se reerguer da devastação da 2a guerra. Mas do lado tinha um cinema, “Cineac”, que passava filmes 24 horas a baixo custo. Depois iamos tomar um “chá”, numa rua atrás da bolsa, prédio miraculosamente salvo dos bombardeios.
Me encontrava nas tardes das 4’s com minha mãe, e só nas 4’s, em resultado, de alguma forma, da mesma devastação, já que não tinhamos pra onde ficar, ela morando no emprego dela, como auxiliar de enfermagem, eu na casa de uma tia, meu pai nos EU, tentando outra vida.
Se o leitor desejar ver a escultura de Naum Gabo no contexto que Eric evocou tão bem e com tanta emoção, este é um de vários links possíveis:
http://www.rotterdam010.nl/Geschiedenis-08/afbeeldingen/19c.jpg
Só pra complementar. A foto que passaram pelo link, pelo enquadramento por colunas, foi tirado da escadaria da bolsa, que fica de outro lado da rua (“coolsingel”), que já comentei que sobreviveu aos bombardeios.
Tem esta imagem http://sites.google.com/site/familieaartse/Centrum1946k.jpg que dá um geral do que sobrou de Rotterdam. A bolsa é o prédio modernista no centro, com, mais à esquerda, os prédios dos correios e da prefeitura.
Vcs estão de parabéns pelo rigor em escolher as imagens para acompanhar as matérias, mas às vezes prejudica, rss!
Finalizando, se esta imagem ressusitou algo em mim, que era só uma criança de dez anos, depois de algo que aconteceu que nem vivi pessoalmente, num entremeio de 20 anos, imaginem que hoje (ou daqui há vinte anos) quem está hoje com dez anos, em Gaza, ou qualquer lugar no mundo em estado de guerra, inclusive nas nossas “periferias”, haverá de contar. É foda!
Brjs, Eric
Olá! Estou escrevendo pra avisar que as inscrições de POESIAS pra 3a Mostra Luta (www.mostraluta.org) estão abertas até 20 de agosto! Também recebemos inscrições de vídeos, fotos e quadrinhos! Eric, participe desta! Abração, jeff