Pelo que se viu, o “fórum alternativo” não era alternativa nenhuma, e por isso comecei a pensar: precisamos de uma alternativa à “alternativa”… Por Marcelo Lopes de Souza

Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a era da sabedoria, foi a era da insensatez, foi a época da crença, foi a época da incredulidade, foi a estação da Luz, foi a estação da Escuridão, foi a primavera da esperança, foi o inverno da desesperança, tínhamos tudo à nossa frente, nada tínhamos à nossa frente, íamos todos direto para o Céu, íamos todos direto no sentido oposto – abreviando, esse período era tão desigual ao presente que algumas das suas mais barulhentas autoridades faziam questão de serem recebidas, para o bem e para o mal, num grau superlativo de simples comparação.
(Charles Dickens, Um conto de duas cidades)

Um (brevíssimo) conto de dois fóruns urbanos

Um conto de duas cidades, um dos dois “romances históricos” de Charles Dickens, foi escrito por ele em 1859. Passa-se em Londres e em Paris antes e durante o tempo da Revolução Francesa, e mostra o contexto que contribuiu para esta revolução: pobreza de um lado, elitismo do outro, sendo a opressão e a brutalidade os elos de ligação entre os dois. Neste romance as cartas têm um papel importante. E também foi assim quando eu troquei alguns e-mails com o meu amigo e camarada Richard Pithouse (ativista urbano e filósofo, professor no Departamento de Política da Universidade Rhodes, em Grahamstown), para falarmos sobre o que estava acontecendo por esses dias de março de 2010, quando dois fóruns urbanos – o Fórum Urbano Mundial (FUM) e o Fórum Social Urbano (FSU) – tiveram lugar no Rio de Janeiro.

Esses dias de março foram sobretudo um tempo de ambiguidade e ambivalência. Um tempo de contradições, dir-se-ia. Não necessariamente “o pior dos tempos” (se bem que, se pensarmos nas estatísticas relativas aos problemas urbanos em cidades como o Rio, da falta de habitações à criminalidade…), mas seguramente também não “o melhor dos tempos”; seja como for: era, curiosamente, “a era da sabedoria”, mas ao mesmo tempo “a era da insensatez”. Terá sido “a primavera da esperança” – ou, considerando a crua realidade e a crescente (e literalmente armada) impaciência de muitos (os pobres, os espoliados), “o inverno da desesperança”?…

O relato seguinte contém apenas algumas notas pessoais (baseadas nas minhas “notas de campo”) e uma citação de um dos e-mails que Richard me enviou. Trata-se, meramente, de um convite à reflexão.

Primeiras impressões

O terceiro dia do FUM, 22 de março de 2010, foi também o primeiro dia do FSU (“o outro”), concebido para ser uma alternativa ao primeiro (considerado pelos participantes do Fórum Social Urbano como o “conservador”). Começou de forma interessante, apesar da repressão: dezenas de movimentos sociais (direta ou indiretamente envolvidos no FSU) organizaram uma manifestação; centenas de pessoas dirigiram-se ao local onde tinha lugar o FUM para protestarem – de forma pacífica e criativa, mais ou menos no estilo de um “Dia de Ação Global” (ver fotos 1 a 6). Aqui e ali ouvia-se falar inglês, e até mesmo alemão e francês, algo mais o espanhol, mas creio que pelo menos 90% dos que protestavam vinham de diferentes regiões do Brasil, e em especial do próprio Rio de Janeiro, sendo que as pessoas cantavam e gritavam palavras de ordem em português.

Nesse ínterim, Lula da Silva, o governador do estado do Rio de Janeiro (Sérgio Cabral) e o prefeito da cidade do Rio de Janeiro (Eduardo Paes) estavam dentro do edifício onde decorria o FUM. Então veio a polícia – com spray de pimenta e cassetetes, como de costume… As pessoas resistiram o que puderam e enquanto puderam, mas os participantes do FUM limitaram-se a ficar olhando, em geral sem mostras de solidariedade (antes pelo contrário). Por fim, os manifestantes decidiram dirigir-se ao recinto do FSU, provocativamente situado a apenas 300 metros do FUM, na Zona Portuária do Rio de Janeiro.

Foto 1: 22 de março de 2010: Os participantes do Fórum Social Urbano protagonizam uma marcha de protesto contra o que era por eles percebido como um espaço excludente, o Fórum Urbano Mundial. Nesta foto, vê-se o momento inicial. (Fotografia: David Ntseng)
Foto 1: 22 de março de 2010: Os participantes do Fórum Social Urbano protagonizam uma marcha de protesto contra o que era por eles percebido como um espaço excludente, o Fórum Urbano Mundial. Nesta foto, vê-se o momento inicial. (Fotografia: David Ntseng)
A marcha de protesto parte do Distrito Central de Negócios do Rio de Janeiro, rumo à Zona Portuária, onde estava tendo lugar o Fórum Urbano Mundial. (Fotografia: David Ntseng)
Foto 2: A marcha de protesto parte do Distrito Central de Negócios do Rio de Janeiro, rumo à Zona Portuária, onde estava tendo lugar o Fórum Urbano Mundial. (Fotografia: David Ntseng)
A marcha prossegue pelo Centro do Rio. (Fotografia levantefavela.wordpress.com)
Foto 3: A marcha prossegue pelo Centro do Rio. (Fotografia levantefavela.wordpress.com)
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Fotos 4 e 5: A marcha de protesto chega à Zona Portuária do Rio. (Fotografias: Gabriel Bernardo)
Um protesto criativo e pacífico em frente ao Fórum Urbano Mundial, logo reprimido pela polícia. (Fotografia: Nicola Sossass)
Foto 6: Um protesto criativo e pacífico em frente ao Fórum Urbano Mundial, logo reprimido pela polícia. (Fotografia: Nicola Sossass)

O ponto alto dessa segunda-feira no “fórum alternativo” foi uma mesa-redonda com David Harvey e duas urbanistas brasileiras (Ermínia Maricato e Raquel Rolnik), à noite. Peter Marcuse também era aguardado como participante nesta mesa-redonda inaugural, mas só chegou ao Rio na terça-feira devido a problemas com o visto. A propósito: Harvey, Marcuse, Maricato e Rolnik também participaram no FUM. [1]

Ao fim do dia, escrevi um e-mail mais ou menos otimista a Richard Pithouse acerca do FSU. Richard estava muito interessado em seguir ambos os fóruns de perto por várias razões, mas sobretudo porque uma delegação de quatro ativistas do Abahlali baseMjondolo (o movimento de sem-teto [squatters] de que é um dos organizadores) [2] estava participando tanto no FUM como (convidados por mim e a minha equipe de colaboradores na Universidade Federal do Rio de Janeiro) no FSU. (Na verdade, o principal interesse dos ativistas do Abahlali era participar no FSU e encontrar-se conosco; a participação no FUM foi um expediente, pois assim conseguiram que lhes pagassem a viagem.)

Olhando mais de perto…

Todavia, à medida que o tempo foi passando, eu fui tendo sentimentos contraditórios – pelo menos, ou em particular, quanto ao FSU. O FUM era uma frustração para muita gente – (praticamente) desde o começo. “Governo demais (e acadêmicos e consultores), ONGs demais, e verdadeiros movimentos sociais de menos”, era uma crítica que se ouvia dos ativistas. Eu, de fato, não me sentia “frustrado”, porque simplesmente não alimentava quaisquer grandes expectativas. Mas devo confessar que fiquei bastante frustrado com o Fórum Social Urbano. Quando terminou, na sexta-feira 26 de março, o meu entusiasmo (relativo) dera lugar à decepção.

A estrutura do Fórum Social Urbano parece ter sido bastante influenciada por um grupo específico de pessoas, essencialmente composto por acadêmicos e alguns ativistas vinculados a algumas grandes ONGs ou a certos partidos políticos. As estratégias de controle são complexas, muitas vezes sutis e dissimuladas; basta notar que, à primeira vista, um número bastante grande de entidades, ao menos formalmente, “participou” da concepção e estruturação do FSU. Entretanto, qual foi a efetiva capilaridade do processo de envolvimento de todas as entidades e dos grupos sociais que, aparentemente, muitas delas “representam”? E mais (questão não menos decisiva): qual foi a capilaridade do FSU para fora desse conjunto de entidades, para envolver pelo menos uma parte expressiva da vasta população pobre e segregada da própria cidade do Rio de Janeiro?…

Houve, no FSU, muitos estudantes universitários (geralmente de classe média), e também pesquisadores acadêmicos de todos os tipos, além de técnicos de ONGs etc. Havia, ainda, vários ativistas de origem humilde, inclusive militantes da luta pela moradia, pessoas pobres que tinham vindo da periferia da cidade e até de ocupações de sem-teto. Porém, não eram essas pessoas humildes que, no frigir dos ovos, pareciam dar o tom. Mais pareciam figurantes, em alguns casos talvez coadjuvantes − cuja presença legitimadora, sabe-se, é imprescindível em qualquer “espetáculo” dessa natureza, que a classe média acadêmica (“de esquerda”) e as ONGs tão bem sabem organizar e capitalizar em seu benefício. Mas não pareciam ser propriamente protagonistas. Algo estava errado.

Em uma cidade na qual um terço da população vive em favelas, e um percentual muito maior ainda vive em espaços que podem ser considerados segregados e estigmatizados sócio-espacialmente (o que inclui, além das favelas, os loteamentos irregulares da Zona Oeste, as ocupações de sem-teto do Centro, da Zona Portuária e de outros lugares, e por aí vai), foi desapontador topar com uma iniciativa como um fórum dito Social Urbano e apresentado como uma alternativa ao Fórum Urbano Mundial, mas frequentado, no que se refere à população pobre (ou seja: tirando o enorme percentual de pesquisadores e estudantes universitários e quadros de ONGs), muito desproporcionalmente por líderes de entidades associativas e de grandes organizações vinculadas à luta pela moradia − organizações essas que, não raro, assumiram um figurino e uma dinâmica mais próximos de grandes ONGs que de genuínas organizações de movimentos sociais, e cujos dirigentes se comportam amiúde como funcionários burocratizados, especializados em negociar com governos e partidos. Especialmente chocante, contudo, foi verificar que, entre os acadêmicos, a maioria parecia não perceber ou não se incomodar com esses fatos. Assim como parecia não perceber ou não se incomodar com a perversa segregação sócio-espacial que se construiu no próprio espaço do Fórum Social Urbano, em que, imediatamente atrás do enorme e belo prédio que abrigou as mesas-redondas, oficinas e reuniões, havia um terreno no qual pessoas pobres (oriundas de ocupações de sem-teto, de favelas etc.) vendiam, de forma improvisada e precária, refrigerantes e comida − para atender aos participantes.

Estes problemas foram detectados, por mim e por alguns mais, logo no começo; mas foram-se tornando cada vez mais evidentes fatores de descontentamento e mesmo indignação com o passar dos dias. O resultado disto foi que um número crescente de participantes do “fórum alternativo”, na quinta e na sexta-feira, pediram a palavra para fazer algumas críticas. Pelo que se viu, o “fórum alternativo” não era alternativa nenhuma, e por isso comecei a pensar: precisamos de uma alternativa à “alternativa”…

Conforme escrevi a Richard, ao dar-lhe parte de minha decepção, é preciso compreender o que está por trás desta situação. Tentarei resumir os problemas (do meu ponto de vista), dos mais específicos para os mais gerais:

1) O Fórum Social Urbano poderia ter sido uma iniciativa realmente promissora, não fosse ele ter sido “colonizado”, desde o começo, por um pequeno grupo de acadêmicos e ativistas, muitos deles fortemente vinculados com partidos políticos e/ou com algumas grandes ONGs. Eles formam uma espécie de rede que somente à primeira vista parece ser uma autêntica alternativa a instituições tais como HABITAT (das Nações Unidas) e governos; na prática, muitos (ou a maior parte) deles têm ou teve conexões com tais instituições, em que pesem certas aparências que iludem a pensar o contrário.

2) A rede supramencionada influenciou o processo decisório sobre quem falaria, onde falaria etc. É de se perguntar: será que as prioridades e dinâmicas assim estabelecidas correspondem, de fato, às reais necessidades e expectativas dos movimentos sociais e dos ativistas de base? Minha resposta é um claro não. O grupo que constitui a referida rede (certamente não monolítica, e identificável apenas em seus nebulosos contornos gerais) não facilitou as coisas para diversas organizações de movimentos sociais, de tal modo que uma importante reunião ocorrida na quarta-feira (organizada pela “frente de organizações” chamada de [Re]Unindo Retalhos) acabou por contar com somente cerca de vinte participantes. (O que, certamente, não foi culpa apenas da organização do evento e de sua estrutura; apenas desejo chamar a atenção para a contribuição que tais fatores tiveram.)

3) Seja lá como for: como eu havia dito a Richard em dezembro (quando encontrei com ele na Alemanha, por ocasião de um simpósio) e a David Ntseng (um dos ativistas da Abahlali que visitaram o Rio de Janeiro e que foram recebidos e ciceroneados por mim e outros companheiros), por e-mail, alguns dias antes do início dos dois fóruns (e, depois, repeti isso pessoalmente, ao conhecê-lo pessoalmente no Rio), os movimentos sociais urbanos do Brasil vêm experimentando uma profunda e complexa crise nos dias que correm − e, a rigor, já há bastante tempo. Existem muitas organizações (algumas delas são importantes, ao passo que outras são pequenas ou até minúsculas); mas, por outro lado, tem sido difícil mobilizar e organizar as pessoas. Ou seja: via de regra, as bases sociais dessas organizações se acham pouco mobilizadas, o que compromete a força social das organizações e facilita o agravamento de processos de burocratização, os quais aproximam as mesmas mais e mais de políticos profissionais e partidos políticos. Entre os fatores desse quadro, os seguintes poderiam ser mencionados:

(a) O papel dos partidos políticos (inclusive ou, até mesmo, sobretudo vários ditos “de esquerda”, especializados na cooptação, na manipulação e na instrumentalização da população pobre.

(b) O papel das ONGs (que não necessariamente é, mas muito freqüentemente se deixa resumir, no que se refere à sua relação com os pobres, por meio de duas palavras: manipulação e tutela).

(c) O papel de muitos “acadêmicos progressistas” (que amiúde vão dos que se comportam como “vampiros” dos movimentos – isto é, estudando-os mas não contribuindo nada na prática – àqueles que tentam dirigir e controlar as organizações dos movimentos sociais – por vezes mais ou menos servindo os interesses de um partido político).

(d) Os efeitos da disseminação da corrupção no nosso sistema político: comportamento cético, crescente perda de interesse em tudo o que respeita à vida pública…

(e) O papel dos meios de comunicação de massa (muito importante no Brasil, para manter os pobres ocupados com o futebol, as novelas e séries de televisão e todo gênero de lixo intelectual).

(f) O papel de intimidação e desmoralização dos grupos e organizações criminosos dentro dos próprios espaços segregados.

(É interessante verificar que a realidade é, em grande parte, bem diferente quando consideramos o que está acontecendo com os movimentos sociais do campo – pense-se, para começar, na organização MST [Movimento dos Trabalhadores Sem Terra], entre outras…)

Seja como for, houve algumas oportunidades para encontrar gente interessante durante o FSU – e, para mim, os meus colaboradores e alguns ativistas brasileiros, isso consistiu sobretudo no encontro com os militantes do Abahlali baseMjondolo: David Ntseng, Louisa Motha, Mnikelo Ndabankulu e Mazwi Nzimande. Mais tarde escrevi aos companheiros sul-africanos que podia imaginar quão frustrante, em muitos aspectos, terá sido também para eles o fórum “alternativo”. Num e-mail que me enviou, David Ntseng não teve papas na língua:

“Ambiguidade e ambivalência são características do FSU e você tem razão: o FUM era claramente um espaço do governo e da HABITAT da ONU. Mas no caso do FSU é lamentável que ele não tenha sido a alternativa por que muitos de nós ansiavam.”

Eu respondi que, de qualquer forma, terá sido pelo menos uma ocasião para vermos a nossa realidade como ela é, e não apenas como “poderia ser”… “Se vocês perceberem as nossas fraquezas e contradições – juntamente com as nossas potencialidades”, disse-lhe, “então poderão ajudar-nos muito mais”.

A resposta de Richard

Neste ponto do relato, é interessante reproduzir o essencial dos comentários de Richard sobre os meus e-mails destes dias.

“Aí está a minha impressão de que, há muito tempo, sempre tem havido o espaço oficial (centrado no Estado) e o espaço alternativo (centrado nas ONGs e nos acadêmicos). Mas o espaço alternativo, liderado e dominado pelas ONGs e por alguns acadêmicos, também se autodefine como a voz das lutas na base [grassroots struggles], quando é claro que não o era. O Abahlali baseMjondolo (AbM), juntamente com a Campanha Anti-Expulsão (CAE) do Cabo Ocidental, retiraram-se em 2006 de um dos principais espaços “alternativos” para criarem um espaço genuinamente autônomo dos movimentos – um espaço organizado por e para os movimentos. Por causa disso, como era de esperar, foram violentamente atacados pelas ONGs e pela esquerda acadêmica – processo que ainda continua. E, claro, assim como o Estado não é capaz de conceitualizar os organismos de representação dos pobres e sempre tem de culpar alguma conspiração da classe média, do mesmo modo a classe média de esquerda só é capaz de ver na saída [dos movimentos] uma conspiração de alguma facção rival da classe média.

“Considero que a saída foi uma atitude muito corajosa da CAE e do AbM e que lançou as bases para a possibilidade de uma política independente ou autônoma dos pobres. Claro que, para um intelectual da classe média, isso representou um duplo desafio:

“1. Primeiro, escolher entre ir-se embora com os movimentos, ou ficar onde estão o dinheiro, o poder e as oportunidades de carreira da classe média de esquerda. Algumas pessoas fizeram a escolha correta, outras tomaram decisões muito decepcionantes.

“2. Como devemos considerar a situação real, quando, por um lado, o espaço “alternativo” é de fato o projeto de uma elite rival, ainda por cima recusado pelos movimentos, e, por outro lado, não sermos injustos nos textos que escrevemos?

“Eu penso que Peter Hallward aborda bem a questão no seu livro sobre o Haiti [3]. Nos meus escritos, tentei refletir com precisão esta distinção tantas vezes ignorada entre movimentos e espaços ONGs/acadêmicos – isto é, fazer uma distinção entre a “esquerda de base [grassroots left]” e a “esquerda da ‘sociedade civil’” [4]. É muito importante utilizar a terminologia correta. Mas esta não é uma mera questão de produzir os termos corretos. Muitas vezes é também uma questão política. Muitas vezes é difícil dizer estas verdades nos espaços acadêmicos e de ONGs. A esquerda autoritária (que é por vezes o principal interlocutor do poder na “sociedade civil”) serve-se de todo o gênero de ataques pessoais, e também das calúnias, como formas institucionais de autoritarismo (por exemplo, processos disciplinares, ou mesmo tentativas de censura de trabalhos acadêmicos com ameaças de processos judiciais ou ameaças de denunciar as pessoas aos patrões universitários) para levar as pessoas a terem medo de discutir esta questão e dar continuidade à ficção segundo a qual os espaços ONGs/acadêmicos são a mesma coisa que os espaços dos movimentos, o que obviamente não são.”

À maneira de um balanço

Penso que as palavras de Richard sintetizam brilhantemente os desafios mais decisivos que enfrentam os acadêmicos progressistas (com ou sem aspas). Este e-mail quase não precisa de comentários. É, todavia, conveniente sublinhar um ponto em particular.

No que diz respeito ao FUM, ao menos sabemos melhor o que esperar e o que não esperar; não há, ou não deveria haver há muito tempo, creio, lugar para ilusões – sejam quais forem os ganhos possíveis e específicos em conhecimento e em “sinergias”. (Que fique bem claro: não pretendo passar a impressão de ser leviano, inconsequente e injusto a ponto de negar a possibilidade de que falas e reuniões interessantes possam existir ou tenham de fato existido no âmbito de algo como o Fórum Urbano Mundial. Mas não se trata disso; a questão política central não é a da possibilidade ou não de algumas “falas e reuniões interessantes”, muito menos a de saber quantas das pessoas que participaram do referido Fórum o fizeram imbuídas das melhores intenções e de algum tipo de “idealismo”. A questão que importa é aquela relativa às limitações e aos vícios desse tipo de ambiente, e, ao fim e ao cabo, às ilusões permanentemente reproduzidas por ele, e que o tornam, em grande medida, antes parte do problema que da solução.) Mas o que dizer acerca de uma “alternativa” que não é alternativa nenhuma, em um sentido essencial? Que papel querem representar os acadêmicos? Tanto em termos de debate acadêmico como político acerca de alternativas e possibilidades, as discordâncias são inevitáveis, uma vez que há enormes assimetrias e interesses objetivamente (e muitas vezes subjetivamente) extremamente divergentes. Talvez estas discordâncias não nos impeçam de, por vezes, aprendermos uns com os outros, num contexto de compromisso com o diálogo mais do que com a confrontação. (Claro que a confrontação é por vezes inevitável, talvez mesmo necessária, em particular nos casos em que o aparelho de Estado responde às palavras e aos argumentos com gás, spray de pimenta e com balas.) É preciso ser sincero. Eu não gostaria de “moralizar” um debate eminentemente político, mas a sinceridade e a igualdade são premissas fundamentais, e isso significa que as organizações de pobres têm de ser levadas a sério como parceiras de todas as conversas sobre problemas, cenários e alternativas. Foi por isso que o Abahlali baseMjondolo exigiu à classe média de esquerda das universidades e das ONGs: “Falem conosco, não sobre nós” [5] Aos olhos de muitos ativistas de base, e do povo pobre em geral, tanto o pessoal das ONGs como os acadêmicos (com o seu substrato típico de classe média) foram-se tornando cada vez mais objeto de profunda desconfiança política, precisamente devido ao tipo de hipocrisia que muitos podiam sentir no FSU; uma espécie de ambiguidade, por vezes um discurso dúplice. Talvez o FUM tenha sido, em comparação, pelo menos mais “transparente”…

Notas

[1] Tanto Ermínia Maricato como Raquel Rolnik são importantes planejadoras urbanas, historicamente ligadas ao Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula. Ambas trabalharam no Ministério das Cidades criado logo no início do primeiro mandato de Lula (Maricato foi Secretária Executiva [2003-2006], e Rolnik foi Secretária Especial de Programas Urbanos [2003-2007]). Raquel Rolnik é presentemente relatora especial das Nações Unidas para a habitação adequada. É interessante ainda registrar que Peter Marcuse, em seu “blog”, escreveu após os fóruns um artigo sob o título “Dois fóruns urbanos mundiais, dois mundos separados” (“Two world urban forums, two worlds apart”), no qual ele faz afirmações tais como “os fóruns eram extremamente diferentes, quase como se existissem em dois mundos distintos, mas se toleraram reciprocamente” (“The forums were extremely different, almost existing in two different worlds, but they tolerated each other”) e “cada fórum era aberto relativamente ao outro, e aceitava a existência e a legitimidade do outro, com as discordâncias sendo antes civilizadas que confrontativas” (“Each forum was overtly tolerant of the other, and accepted the existence and legitimacy of the other, with disagreements civilized rather than confrontational”). É de se perguntar como tais afirmações puderam ser feitas com aparente convicção, já que ele não esteve presente, conforme já dito, no primeiro dia do Fórum Social Urbano, e por conseguinte perdeu a marcha de protesto (cuja existência, provavelmente, nem sequer lhe foi noticiada); ademais, uma vez que não fala português, ele permaneceu totalmente dependente da tradução das falas (cuja cobertura não foi completa, inclusive porque muitas discussões ocorriam “nos bastidores” do evento, quase sempre em português). De toda maneira, uma coisa é praticamente certa: se tivesse dependido de uma parcela dos organizadores do FSU, provavelmente o protesto nem teria ocorrido, muito menos a tentativa de resistir ao assédio da polícia. Nesse sentido, considerando que a insatisfação para com a estrutura do FSU e os rumos que este acabou tomando era fundamentalmente visível entre os ativistas de base, aos quais Peter Marcuse não poderia ter tido acesso direto e sem mediações, sua interpretação não deixa de ser, para além de sintomática de alguns problemas, expressão de um fato: a ambiguidade essencial do FSU.

[2] O Abahlali baseMjondolo não é, a rigor, um movimento de favelados. Morfologicamente, os assentamentos da Abahlali são muitíssimo semelhantes a favelas [bairros de lata]; no entanto, trata-se de algo tão politizado e organizado (sem contar outras peculiaridades, por exemplo no tocante à gênese), que eles são, na verdade, antes comparáveis ao movimento dos sem-teto brasileiro (“sem-teto”, no Brasil, ou no sentido desse movimento, NÃO é “população de rua”, “homeless” [em Portugal, os sem-abrigo], mendigo/pedinte: são os equivalentes urbanos dos sem-terra, que ocupam terrenos e prédios nas cidades).

[3] V. Hallward, 2008.

[4]V. por exemplo Pithouse, 2007a e 2007b. V. também Esteves, Motta e Cox, 2009, e Souza, 2006 e 2010.

[5] Em inglês: “Talk to us, not about us”. V. Pithouse, 2007b, Ndabankulu, Nsibande e Ntseng, 2009. Uma variante mais completa é: “Talk to us, not about us, not for us”.

Referências

Dickens, C. (2007 [1859]): A Tale of Two Cities. Londres: Penguin Popular Classics.

Esteves, A. M., Motta, S. e Cox, L. (2009): ‘Issue two editorial: “Civil society” versus social movements’, Interface: a journal for and about social movements, 1(2), pp. 1-21. http://interface-articles.googlegroups.com/web/editorial2.pdf.

Hallward, P. (2008): Damming the Flood: Haiti, Aristide, and the Politics of Containment. Londres: Verso.

Ndabankulu, M., Nsibande, Z. and Ntseng, D. (2009): ‘Abahlali baseMjondolo: Reclaiming our dignity and voices’ [Entrevista conduzida por Sokari Ekine], on-line: http://www.pambazuka.org/en/category/features/58979, 8 de julho de 2010.

Pithouse, R. (2007a [2006]): ‘Rethinking public participation from below’, on-line: http://abahlali.org/node/585, 8 de julho de 2010 (originalmente publicado em Critical Dialogue; versão PDF completa: http://abahlali.org/file/Critical%20Dialogue%20ABM.pdf).

Pithouse, R. (2007b): ‘The university of Abahlali baseMjondolo’, http://abahlali.org/node/2814

Souza, M. L. de (2006): ‘Together with the state, despite the state, against the state: social movements as “critical urban planning” agents’, City 10(3), pp. 327–342. (Para os leitores de Portugal e Brasil, registre-se que o conteúdo desse artigo está também presente, e muito mais desenvolvido, em um livro meu, A prisão e a ágora, publicado em 2006 pela editora Bertrand Brasil, do Rio de Janeiro.)

Souza, M. L. de (2010): ‘Which right to which city? In defence of political-strategic clarity’, Interface: a journal for and about social movements, 2(1), pp. 315-333. On-line: http://interface-articles.googlegroups.com/web/3Souza.pdf, 8 de julho de 2010.

Origem do texto e agradecimentos

Este artigo tem por base a tradução, feita pelo coletivo Passa Palavra em português de Portugal, de meu artigo “A (very short) tale of two urban forums”, que está para sair publicado na Inglaterra. À competente tradução do Passa Palavra − pelo que muito lhe agradeço − acrescentei diversas passagens ausentes do texto original em inglês, e procedi também a várias modificações menores. E tantos foram os acréscimos e tantas as alterações que terminei por adaptar a sua versão ao português do Brasil. Por fim, gostaria de expressar a minha gratidão igualmente às pessoas a quem agradeço também no texto original: Richard Pithouse, David Ntseng e Anna Richter, por seus comentários críticos e suas sugestões (e, no caso de David, também por duas fotos aqui usadas; as outras foram-me indicadas pelo Passa Palavra).

Marcelo Lopes de Souza é professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde coordena um grupo de pesquisas cujo foco principal são os vínculos entre as relações sociais e o espaço, e particularmente a espacialidade das mudanças sociais.

6 COMENTÁRIOS

  1. Olá Marcelo e leitores,

    Excelente artigo e reflexões – que evidenciam justamente o impasse atual em que vivem os movimentos sociais. A academia, as direções e os governos são questões extremamente vivas no interior dos debates e práticas das organizações sociais.

    De fato, ou combatemos essas práticas ou então silenciamos sobre sua manutenção – contribuindo assim para a reprodução desse quadro.

    Mais reflexões são possíveis sobre essa questão – já que a cidade e seus sentidos são cada vez mais sequestrados por especialistas.

    Abraços.

  2. A reflexão é muito boa, apesar do texto apontar poucas alternativas.

    E paradoxalmente, o autor do texto também é um “intelectual”, preso em suas contradições de analisar o problema sem propor soluções que evitem esse aparelhamento dos partidos: a maioria o são, mesmo os mais a esquerda dos partidos políticos.

    Talvez seja a hora dos intelectuais e a classe média integrarem os movimentos sociais não como iluminados, nem vampiros, como bem indica o autor do texto, mas como partícipes e companheiros ombro a ombro de jornada.

    Sobrará tempo para fartas análises acadêmicas? Ou o tempo estará comprometido em lutar contra os vampiros dos movimentos?

  3. Caro “Geógrafo Libertário”, apenas algumas perguntinhas:

    1) Quanto ao autor do texto ser ou não um “intelectual”, dificilmente eu contestaria (obviamente, isso sempre dependerá do que se queira entender por “intelectual”). No entanto… de onde você tirou que o autor não participa de nenhum movimento social? (Não estará você PREJULGANDO, como, infelizmente, é tão comum, mesmo entre os que se dizem lutar por tolerância etc. etc.?…)

    2) Você se assina “Geógrafo Libertário”. É válido presumir que você tenha estudado ou esteja estudando Geografia? (Em todo o caso, assumindo que o “intelectual” – diferentemente do mero pesquisador – é aquele que pensa criticamente e assume posições publicamente para defender suas ideias, é interessante notar que os geógrafos anarquistas Kropotkin e Reclus foram, na verdade, muito mais intelectuais que a esmagadora maioria dos portadores de diploma universitário em Geografia. É possível ser intelectual sem ser portador de qualquer diploma, assim como a maioria dos pesquisadores universitários não é, só por isso, automaticamente, “intelectual”, muito embora alguns possam sê-lo. Sobre esse assunto, aliás, publiquei, aqui no PassaPalavra, semanas atrás, um outro artigo.)

    3) O objetivo deste pequeno texto foi, de maneira pessoal, passar algumas impressões sobre o que foram dois eventos. Nada mais. Você se deu ao trabalho de buscar os trabalhos (livros, artigos… – puxa, coisa de intelectual, que droga!) onde eu discuto, exatamente, possíveis caminhos? (Várias dessas discussões se deram e têm se dado, aliás, no âmbito de seminários e encontros organizados pelo movimento dos sem-teto, em São Paulo e, principalmente, no Rio de Janeiro, onde atuo mais. Na página do NuPeD, na Internet, é possível acessar alguns desses materiais, e de quebra colher informações sobre o colóquio que ocorrerá em outubro, onde você poderá expor livremente todos os seus pontos de vista – isto é, se não tiver ojeriza a “intelectuais”, mesmo quando engajados e colaborando com movimentos sociais.)

    4) Para finalizar: não estaria mais do que na hora de pararmos um pouquinho de julgar sem conhecer, de atacar a partir de suposições e de desqualificar antecipadamente – coisa que só fortalece o campo conservador, além de ser INCOERENTE com uma postura libertária?…

  4. Excelente artigo! Talvez aqueles que participaram da organização do FSU (alguns que conheço) fiquem chateados com o artigo que faz um duro balanço crítico dos dois Fóruns. Afinal, muitos daqueles que dormiram pouco e trabalharam muito para o FSU acontecer, o fizeram com o objetivo de se contrapor ao FUM e constituir um espaço alternativo no qual militantes de esquerda em geral (sejam de partidos, ONGs ou movimentos sociais) pudessem se reunir para pensar a cidade. Contudo, mesmo deixando de lado possíveis motivações obscuras de interesse específico (próprios da razão instrumental tão característica da lógica partidária), peço aos companheiros que acreditaram na proposta do FSU que reflitam sobre o que se passou realmente. Afinal, qual era o objetivo? Estabelecer um diálogo fraterno com os grandes empresários e governantes no âmbito do FUM ou marcar uma posição claramente contrária a estes e contribuir para a articulação daqueles que se opõem às políticas segregacionistas do Estado capitalista? Penso que essa diferença (e ambigüidade) tenha ficado clara na manifestação que abriu o FSU, como bem foi observado no artigo. Toda a imprensa internacional estava lá, assistindo a manifestação enquanto ela passava na frente do FUM. Talvez fosse o momento certo para pressionar a polícia, gerar um fato político e desmascarar os governos autoritários e assassinos do Sérgio Cabral e do Eduardo Paes. E foi só o trânsito começar a ficar congestionado que a polícia truculenta já veio empurrando os manifestantes para a calçada com spray de pimenta. Nesse momento pude reconhecer diversos companheiros que atuam efetivamente em movimentos sociais (e não somente em partidos políticos e ONGs) puxando um grito de: “Vem, vem, vem pra rua vem!”. Contudo, a maioria dos manifestantes se recusou em tomar a rua e fechar o trânsito em um claro sinal de submissão, medo e conformismo. Não se tratava de tensionar à toa, mas de utilizar uma oportunidade oferecida pela conjuntura para fazer um pouco mais do que desfilar na frente dos empresários enquanto eles planejavam o despejo de milhões de pessoas em prol da especulação imobiliária e do valor de troca da cidade. Mesmo assim, a decisão predominante foi a de passar pacificamente em frente ao FUM, cantar um pouco e, obedientemente, se retirar para que este pudesse continuar sem distúrbios e distrações. Ou bem o FSU se constitui como um espaço verdadeiramente alternativo e, mais do isso, subversivo – com um formato organizativo voltado para os movimentos sociais, com ações e ideias que entrem em confronto de forma explícita e declarada com os posicionamentos hegemônicos do FUM e com propostas que partam desses mesmos protagonistas –, ou bem decidimos que não vale a pena construir um espaço alternativo e nos basta participar coniventemente do Fórum do Estado capitalista e suas ONGs!

  5. Prezado Marcelo, me parece de quem seguiu o andamento dos foruns que têm acontecido pelo mundo inteiro há mais ou menos uma década para cá, esperaria tão pouco ou muito de um fórum alternativo quanto o autor do artigo esperou do FUM. Qualquer lugar que tenha um Fórum pela primeira vez vemos os mesmos mecânismos e assim o FSU com as seus limitações era mais ou menos o que era para se esperar. O próprio modelo forum é um modelo para pessoas que têm tempo durante dias da semana, que têm dinheiro para viajar e para estar presentes para discutir e ouvir em vez de trabalhar por dinheiro, e para os quais esse tipo de encontro faz de alguma maneira parte de se organisar. Esse tipo de Fórum é uma ferramenta de organização que sempre vai favorecer e atrair muito mais segmentos da classe média do que das classes populares. Nesse sentido vejo um fórum alternativo como a possibilidade daquelas pessoas se encontrarem que em algum lugar fazem trabalho de base sem que toda essa base chegue ou possa chegar até o Centro do Rio. Quem trabalha principalmente na base e convive e atua nos espaços periféricos da cidade do Rio nenhum desses dois encontros poderia trazer a grande mudança ou esperança que você projetou nele. O trabalho de base está no dia-a-dia nas favelas e nas periferias e falta muito até que tenhamos a capacidade e recursos de criar um espaço no qual muitos militantes integrantes de movimentos de base possam estar juntos com tempo e energia para colaborar e trocar experiências e debater durante vários dias. Se o meu desejo seria que tenhamos um amplo movimento libertário e de base a realidade é completamente outra, e trabalhando na base temos que trabalhar com aquilo que temos e com quem está disposto a trabalhar. E os movimentos do campo realmente estão muito mais avançados nesse sentido, por que eles militam em favor de formas de produção e reprodução autónomos enquanto que estamos longe disso nas cidades. Na cidade reagimos contra mortos pela polícia, contra muros e não temos nem tempo de respirar até que acontece a próxima grande sacanagem oprimindo e matando os moradores nas periferias. Necessitamos de utopia urbana popular que alimente as nossas lutas e vá além da mera defesa, e que enxerga o quanto que se vive resistência diariamente nos espaços populares. Para chegar num nível de militância necessitamos formas de sustento a base de autogestão em grande escala – quem por exemplo dos tão ditos militantes das universidades está disposto a criar e colaborar em algo nesse sentido sem a segurança do salaŕio mensal acadêmico?
    Quem está nas periferias e junto aos poucos movimentos presentes regularmente acho que não teria esse tipo de esperança de conseguir esse Fórum puro e sem contradições que você desejou. O Fórum foi um espelho de qual força e formas de trabalho temos disponíveis na classe média politizada carioca, uma tentativa válida. E assim a leitura deve ser mais diferenciada: Teve uma noite que a APA Funk tocou e integrantes desse movimento fizeram falas, quase ninguém do estudantinhos ficou por que a noite é perigoso no centro…parecia assim. A culpa daqueles que organisaram o Fórum? Mas quando tocou o orchestra voadora, 100% “esquerda” festiva da Zona Sul, para apoiar a campanha “O petróĺeo é nosso”, com o qual certamente têm pouco a ver diretamente, de repente bombou a festa.
    Enquanto isso a base está onde ela vive e ahí que temos que estar para fazer encontros que são nossos de militância de base. Assim devemos ver aquilo que apesar dessas condições tivemos nesse FSU de fato: Integrantes que organisam a resistência na Vila Autódromo fizeram um encontro, integrantes de movimentos e coletivos da periferia participaram das mesas, você mesmo menciona alguns encontros válidos que se realisaram.
    Resumindo: A sua grande decepcão vem de um desejo de que o lugar da onde milita (uma Universidade Federal) seja mais transformador, seja realmente uma ferramenta para mudanças, o que não é o caso. Para mudarmos as coisas nas periferias é aonde devemos estar, trabahlar e conviver e construir a base que um dia tenhamos uma organização popular urbana tão forte que podemos fazer os nosso encontros quando e onde queremos. Até que esteja assim um FSU deve ser visto como uma tentativa válida dentro da realidade que temos. Quem vem da, vive na e milita nas favelas, nas ocupações, e não foram muitos que chegaram até o FSU, não se surpreendeu com esse Fórum e acho que soube usá-lo da melhor forma. E acredito eu quem o organisou por grande parte certamente desejou algo mais popular sem saber o poder como conseguí-lo.
    Nisso as críticas duras não deixam de tocar em pontos certos, mas fica tambem a sensaçao de que aqui o fórum serviu para que você possa mostrar de quanto mais crítico e puro você pensa do que a grande maioria dos outros que trabalham sob as mesmas condições quanto você: Acadêmicos que tem como ponto de partida e como fio condutor a universidade na qual não se faz movimento popular e por isso desejem que esses cheguem em massas até os espaços aonde estão. E, por último, tambem é muito claramente uma crítica de quem não viveu as contradições durante o processo organisador, por que dele não participou de nenhuma maneira. Assim dizendo, críticas são importantes e válidas, mas respeito para companheiros e companheiras que trabalharam bastante para realisar o possível é importante tambem. E como último uma pergunta: Na universidade onde trabalha a comida que come e as bebidas que bebe e as equipes que mantêm e que limpam as salas onde dá aula são servidos por cooperativas que trabalham em autogestão que num próximo fórum podem ser chamados? E as relações de trabalho e pesquisa que mantém são tão igualitário quanto o exige aqui do Fórum, salários iguais para todos por exemplo?

  6. Mais uma vez, tenta-se criticar uma argumentação atacando-se ao autor, e não a ideia. E, mais uma vez, ataca-se ao autor sem conhecê-lo, sem saber qual é a sua trajetória biográfica e quais são as suas relações com os movimentos. Finalmente, não vejo por qual razão seria necessário, para criticar os resultados de um evento – que, ademais, é político e público – fazer parte da sua organização. Ademais, há um sério problema de interpretação textual por parte do autor do comentário “reflexões”. Ora, em nenhum momento o autor disse que a alternativa ao FSU seria a realização de um outro fórum, ou de um espaço onde os “da universidade” possam acolher os movimentos. O que o autor diz é: “Pelo que se viu, o ‘fórum alternativo’ não era alternativa nenhuma, e por isso comecei a pensar: precisamos de uma alternativa à ‘alternativa’…” Depois, o autor diagnostica como sendo um dos elementos de origem dos problemas do FSU a sua “colonização” por um pequeno grupo de acadêmicos e militantes vinculados a partidos ou ONGs, e, mais a frente, indica outras realidades em que os movimentos sociais conseguem dar as rédeas dos seus próprios espaços de reflexão, como no caso do MST.

    Eu não quero, com o meu comentário, tentar invalidar as análises feitas pelo companheiro anônimo – mesmo porque considero algumas delas pertinentes. Apenas quero chamar a atenção para certos comentários que se valem de argumentos de autoridade e outras falácias argumentativas, como tentar combater uma ideia atacando ao seu autor, ou achar que é preciso ser “do lugar” para poder falar sobre ele. Francamente, em um momento tão difícil da história, temos que evitar, a todo custo, esse tipo de artifício, o qual provoca apenas divisionismos e me parecem, na melhor das hipóteses, fruto de ressentimentos, ou, na pior delas, de (más)intenções deliberadas.

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