Por Wildcat [*]

 

Nota prévia do Passa Palavra: Este artigo foi escrito no Outono de 2009; é nesse tempo que se situa o presente do texto. Depois de o ler, ficámos convictos de que poderia ajudar-nos a perceber o que se passa no Irão actual.

Os rendimentos do petróleo

A história do “capitalismo iraniano” começa com o movimento constitucionalista de 1906 – que teve lugar em simultâneo com a revolução russa de 1905 – depois de os ingleses começarem a procurar petróleo em 1901. Com a exploração e o comércio do crude [petróleo bruto], o desenvolvimento do capitalismo no Irão foi desde o início integrado no mercado mundial. A partir dos anos 1960, e em particular a partir da “Revolução Branca” de 1963, o Irão tornou-se um país capitalista moderno, mesmo que dependente das f_irao20093exportações de petróleo. O boom do petróleo – e as subidas em flecha do seu preço em 1973 e 2005 – permitiram que os regimes em vigor nesses períodos prosseguissem uma ditadura do desenvolvimento: em termos económicos, o sector público é praticamente tão importante como o privado. [1] O desenvolvimento e o gigantesco aparelho de Estado são financiados pelos rendimentos do petróleo: através do petróleo, uma parte da mais-valia produzida pelos trabalhadores de outras regiões do mundo, em particular dos países importadores de petróleo, é canalizada para os bancos do Estado iraniano. [2] Já nos anos 1970 esta mistura da dependência da exportação de petróleo com um desenvolvimento em marcha forçada originara uma crise económica aguda, que finalmente levou à Revolução Iraniana de 1979. ESTRUTURALMENTE, o regime de Ahmadinedjad enfrenta hoje os mesmos problemas.

Crise

Entre 2005 e 2008, com o crescimento dos rendimentos do petróleo, a massa monetária triplicou e a inflação cresceu de 10,4 para 25,4. O regime tenta mitigar os efeitos da inflação facultando crédito barato e subsídios, mas apesar disso a falta de habitações e a pobreza agravam-se. A queda do preço do petróleo, dos 148 para os 40 dólares por barril no Verão de 2008, criou buracos negros no orçamento do Estado: em 2009 o défice do Estado andava nos 25 a 30.000 milhões de dólares, e foi preciso orçamentar um suplemento de 6.000 milhões para poder pagar os salários do sector público. O Irão precisa de crédito mas, por causa da crise global e de outros factores, tem dificuldade em obtê-lo. A inflação continua a crescer (os preços dos produtos alimentares aumentaram 40% desde o começo de 2009) e as indústrias encolhem. Na Primavera de 2009, havia oficialmente 2,7 milhões de desempregados, e é preciso notar que qualquer pessoa que tivesse trabalhado uma só hora nos dias que precederam o inquérito era contada como “empregada”, por isso o número real é muito superior.

A juntar ao decréscimo dos rendimentos do petróleo, o Irão enfrenta uma seca desde 2008. A quebra de produção das barragens hidro-eléctricas provoca escassez de energia e, mais grave ainda, o declínio das reservas de água causa uma drástica diminuição da produção agrícola: cerca de um terço da área cultivada do Irão é de regadio. Há apenas 4 anos atrás, o Irão tornara-se independente das importações de trigo; mas em 2008 teve de importar de novo 6 milhões de toneladas [este artigo é de 2009. NDT]. Ainda antes do rebentar da crise actual, já o Estado tivera de ir buscar 4.500 milhões de dólares ao chamado “fundo para o futuro” (um fundo de reserva para o comércio externo criado no tempo de Khatami) para pagar importações adicionais de alimentos. Não obstante as gigantescas reservas de petróleo, a crise dos combustíveis continua. No Verão de 2008 o orçamento do Estado para as importações de combustíveis foi encurtado e o governo teve de usar mais reservas de dólares EUA das exportações de petróleo para comprar combustíveis no estrangeiro, e teve de forçar esta medida contra o desejo do parlamento.

As “eleições do petróleo”

Antes das eleições, os trabalhadores tinham iniciado uma campanha contra a inflação e pela quadruplicação do salário mínimo. Acabou por haver um pequeno aumento de 20%, bem inferior à taxa f_irao20096de inflação. No 1º de Maio, 150 trabalhadores militantes e sindicalistas foram presos quando se manifestavam pelo aumento do salário mínimo. Só foram libertados sob caução. No geral, as eleições de 2009 foram muito dominadas pela crise económica. A questão de como distribuir os rendimentos do petróleo esteve no centro dos debates: quanto vai para investimentos? quanto será distribuído, e de que forma? Nos últimos anos, foi neste pano de fundo que se instalou uma crise de governo, com sucessivas demissões de ministros e remodelações do Gabinete. O ministro das Finanças, o presidente do banco central e o ministro do Emprego discutem sobre se o maior perigo vem da inflação ou do desemprego, ou se o pior mal é provocado pelo crescimento constante da massa monetária ou o aumento das taxas de juros.

Depois da subida de Khomeini ao poder em 1979, a pobreza diminuiu de facto devido às lutas e movimentos revolucionários. Salários mais altos, reintegrações de desempregados por decisão dos conselhos operários, ocupações de casas devolutas, apropriação de terrenos para construção de habitações e para cultivo dos camponeses – tudo isso levou a um considerável aumento do nível de vida. Mas quando o poder de Estado islamista se consolidou, e em particular com a guerra Irão-Iraque e a liberalização da economia por Rafsanjani, a pobreza voltou a crescer.

A propaganda da redistribuição de Ahmadinedjad visava inverter esta tendência. Em meados de 2006, por exemplo, ele prometeu: “Dentro de três ou quatro anos já não teremos o problema do desemprego”. O que era suposto ser conseguido com um pacote de “projectos de execução rápida”, tais como créditos às pequenas empresas ou subsídios ao arranque de empresas novas de trabalhadores por conta própria. À cabeça do acesso a esse crédito barato estavam os pensionistas, os lavradores, os estudantes, os recém-casados e os compradores de casa própria. As premissas económicas pareceram ser benéficas pois, durante os seus primeiros quatro anos de governação, os rendimentos do petróleo aumentaram para 266.000 milhões, o que correspondia aproximadamente ao total dos 16 anos anteriores (baseado em números da OPEP).

Graças a este surto favorável, o regime foi capaz de responder ao crescente isolamento político dessa altura e ao começo das sanções económicas incrementando as políticas económicas do Estado. Mas, segundo um estudo parlamentar, só 38% dos 19.000 milhões gastos nos “programas de execução rápida” realmente criaram novos empregos, o resto foi desviado para diferentes canais, sobretudo para a especulação imobiliária. Devido à alta inflação, os estratos sociais excluídos do acesso a esses subsídios ficaram mais empobrecidos. A bolha do imobiliário rebentou na Primavera de 2008 quando o governo proibiu todo o sistema bancário de conceder novos empréstimos imobiliários. Daí resultou um drástico declínio da procura de casas novas – com a consequência de que, não só os negociantes do imobiliário, mas também instituições públicas e o Estado ficaram a braços com uma massa gigantesca de créditos mal parados. Os bancos acumularam 27.000 milhões de dívidas pendentes que não lhes eram pagas, e eles próprios não pagam as suas ao banco central. As dívidas do banco central, e por isso as do Estado, cresceram 106% no período entre Setembro de 2007 a Setembro de 2008. Isso levou a que o Estado deixasse de pagar – ou só paga com prazos – os salários da função pública e as facturas das empresas contratadas pelo Estado. Além disso os bancos concedem muito menos crédito às empresas: essa quebra do crédito reduz a procura de bens de consumo e de investimento, e agrava a crise.

f_irao20091Nas próprias estatísticas do banco central de Ahmadinedjad, o número de pessoas pobres aumentou com este governo: logo nos dois primeiros anos no poder, subiu de 18 para 19% (14 milhões). Em termos quantitativos, a pobreza é maior nos campos do que nas cidades e afecta particularmente as camadas jovens. Podemos considerar que, actualmente, mais de 15 milhões de pessoas vivem abaixo do nível da pobreza, sobretudo mulheres não casadas, desempregados urbanos etc.

O governo de Ahmadinedjad também fracassou noutra frente importante, a da reforma das despesas e dos subsídios do Estado. O Irão importa perto de 40% dos combustíveis de que necessita, aos preços do mercado mundial. Tem falta de refinarias e de oleodutos. Os cortes dos subsídios aos produtos petrolíferos, à energia e à água vêm sendo discutidos há anos. Em Junho de 2007, uma tentativa de racionamento de 100 litros de combustível por autocarro [ônibus] e de aumento do preço de 0,08 para 0,10 dólares desencadeou a chamada “revolta dos combustíveis”. O Irão para-os a cerca de 0,40 dólares por litro. [3]

O orçamento do Estado para 2009 visava fazer cortes nos subsídios à gasolina, ao gasóleo e à energia e, em vez deles, pagar uma parte da soma (cerca de 20.000 milhões de dólares) directamente às famílias com baixos rendimentos – e às empresas afectadas! Cerca de 8.500 milhões seriam desviados para “estimular a economia”. Após acesos debates no parlamento, este projecto foi suspenso pouco tempo antes das eleições, devido ao temor do governo de que uma nova subida da inflação podia acender uma nova onda de descontentamento em largos sectores da sociedade, em particular entre os jovens.

O regime de Ahmadinedjad fracassou nos domínios mais importantes da política económica e social. Para conseguir alguma folga no embargo económico, o regime em crise foi obrigado a – ao contrário da sua própria propaganda – harmonizar as suas relações com os EUA, ou seja, a dar apoio logístico aos Estados Unidos na guerra do Afeganistão. Como a reeleição do regime é considerada como segura, a dinâmica dos acontecimentos durante a campanha eleitoral apanhou muita gente de surpresa. Havia duas razões principais para se pensar que o governo seria seguramente reinvestido.

A primeira razão tem influência em qualquer processo eleitoral, e não apenas no Irão: a distribuição de dinheiro. Antes da eleição, as pensões foram aumentadas significativamente, cerca de 2.000 trabalhadores da indústria de automóvel obtiveram contratos permanentes, e foram pagos dividendos – cerca de € 80 – das chamadas “acções da justiça”…

A segunda razão prende-se com o próprio Ahmadinedjad: ele está solidamente ancorado no sistema do poder, referimo-nos aos Pasdaran e aos Basij. Diz-se que há, nas fábricas, administrações, comunidades urbanas, aldeias, etc., 36.000 bases (Payghah) da força paramilitar Basij. Em 2008, o seu orçamento foi aumentado 200%. Até certo ponto, estas estruturas dão ao regime um “controlo directo” sobre as eleições.

Não é fácil acabar com um vazio de repressão

Em plena crise, supunha-se que as eleições iriam relegitimar o regime. Ahmadinedjad apresentou-se na sua campanha como representante dos pobres contra a elite rica, e a princípio as forças de segurança toleraram as assembleias de protesto dos jovens. Houve mesmo debates eleitorais na televisão entre candidatos opostos. Mas a partir do começo de Junho esses debates ficaram verbalmente fora do controle e as assembleias nas ruas tornaram-se enormes manifestações de protesto. Ficou claro que se estava a preparar um voto de protesto. As pessoas começaram, cada vez mais, a aproveitar a campanha eleitoral e os espaços públicos emergentes para colocar as suas próprias questões. E juntou-se-lhes gente que não tencionava participar nas eleições e das camadas mais pobres da sociedade. O povo debatia em público, lançavam-se palavras de ordem e os apoiantes dos candidatos contrários injuriavam-se uns aos outros. Mas quando, da multidão circundante, alguém gritou: “Gente, vamos discutir as coisas como deve ser, só nos restam estas duas semanas!”, foi aplaudido por ambos os lados – era óbvio que toda a gente partilhava desta opinião. Assim se abriu um vazio de repressão temporário que seria fechado de novo após as eleições, ganhasse quem ganhasse.

Mas aconteceu que os protestos cresceram a um tal nível de massas que não seria fácil pará-los depois das eleições. Os protestos foram-se centrando progressivamente nas queixas económicas e sociais, como a inflação, e acabaram por questionar a própria existência do regime.

f_irao20095Encorajado pela subida do preço do petróleo e pela melhoria das relações com os EUA, o regime atacou as manifestações com mão pesada. Mesmo assim o Estado não conseguiu barrar-lhes o caminho nem disfarçar as fendas que se abriam no regime: bem pelo contrário! Mesmo depois da advertência ostensiva de Khamenei durante a sexta-feira de oração (“As eleições foram decididas nas urnas, não serão decididas nas ruas”, e daí em diante as reacções foram mais duras), os protestos tornaram-se mais fortes e mais radicais. A natureza dos protestos mudou – e muitos começaram a compará-los com a revolução de 1979. O que se percebe dado o carácter ditatorial do regime e dada a longa crise governamental, com um pano de fundo de grave recessão económica. Mas a sociedade iraniana mudou muito desde 1979: Teerão cresceu de 5 para 12 milhões de habitantes; a classe média já não é dominada pelos tradicionais comerciantes dos bazares e sim pelas profissões modernas (lojistas, juristas, professores, …); o número de trabalhadores cresceu consideravelmente durante a última década.

Em muitos aspectos, o movimento actual é diferente do movimento dos fins dos anos 1970: as mulheres têm um papel muito mais activo; os apelos noturnos “Allah Akhbar” nem sempre são a expressão de esperança religiosa, mas são antes de mais uma forma de provocar o regime, e gritam-se muitos outros slogans, como “Abaixo o ditador”. Um número crescente de operários e empregados vem participando nas manifestações e nos combates de rua, mas só aparecem à noite, no fim do trabalho. Para os trabalhadores é difícil imaginar que se possa acabar com o regime por meio de greves generalizadas. Só o sindicato dos motoristas de autocarros – que já anteriormente boicotara eleições – denunciou publicamente qualquer forma de repressão.

Acerca do carácter do movimento

Quando se trata de avaliar o movimento, a esquerda iraniana exilada entra infalivelmente em contradição consigo própria. O debate é dominado por duas facções distintas. Cada uma dessas facções centra-se numa determinada característica do movimento e declara-a como a essência do próprio movimento.

Uma das facções percebe o movimento como uma mobilização reaccionária dos estratos mais altos da sociedade contra as classes inferiores. Algumas pessoas, com um ponto de vista “anti-imperialista” que vão ao ponto de adoptar a posição de Hugo Chávez denunciando o movimento como uma “onda verde”, no sentido das “revoluções coloridas”. [4] Já que se fala em termos de cores, podemos verificar que não foram os apoiantes de Moussavi que escolheram a cor verde; ela foi-lhes destinada pela comissão eleitoral oficial. Os protestos não foram instigados por forças estrangeiras, e não é verdade que só os apoiantes de Moussavi estavam a ocupar as ruas.

A outra facção entende as manifestações como um movimento revolucionário iminente, o que é tomar o desejo por realidade. É verdade que o movimento se baseou nos quatro sectores da sociedade mais atingidos pela actual crise – os trabalhadores, a juventude, as mulheres e os estudantes – mas (pelo menos até agora) nenhum deles articulou com os outros a respectiva situação social. A repressão mais uma vez levou a melhor. As fábricas estão situadas fora dos centros urbanos, e os trabalhadores estão sujeitos ao controle dos seguranças no local de trabalho. Aquele que abandone o trabalho para ir participar em manifestações arrisca-se a ser despedido no dia seguinte. Para os já referidos 148 activistas presos no 1º de Maio e depois soltos, foi muito perigoso serem vistos em manifestações. E os grupos políticos não podem actuar às claras: isso também seria muito perigoso.

No entanto, durante o Verão, viram-se muitas maneiras diferentes de tomar conta das ruas. Depois das ameaças de Khamenei na sexta-feira de oração, Moussavi disse aos seus apoiantes que ficassem em casa. Mas no dia seguinte o Irão foi abalado pelos maiores protestos em massa desde a Revolução Iraniana. Os manifestantes travaram combates de rua com as forças especiais da polícia, os Pasdaran (“Guardas Revolucionários”) e as milícias Basij. Os bancos foram vandalizados. Nesse dia foram mortas mais de dez pessoas. Um operário militante reparou que os autocarros públicos, em vez de fazerem o percurso de regresso às áreas residenciais dos trabalhadores, dirigiam-se ao centro da cidade, onde estavam as manifestações.

Os jovens

Durante o governo de Moussavi (1981-1989) com Chamenei na presidência, cerca de 5.000 presos políticos que já tinham sido sentenciados com penas de prisão foram executados em três meses em 1988 (conhecem-se hoje os nomes de 4.486). Quando as execuções em massa foram referidas numa conferência de imprensa do então ministro dos Negócios Estrangeiros, de visita a Bona, ele comparou cinicamente a alta taxa de natalidade do Irão aos poucos milhares de executados: “Nós temos mais dois milhões de pessoas a cada ano que passa”. Esses poucos milhares já não estão presentes mas os milhões de adolescentes e jovens que hoje constituem um terço da população estão nas ruas – e são uma bomba-relógio para o regime.

Nos últimos 30 anos a população quase duplicou, dos 37 para os 73 milhões. Hoje há nas escolas 14 milhões de crianças (em 1979 eram cerca de 5 milhões), e cerca de 700.000 jovens por ano tentam entrar no mercado de trabalho, com perspectivas muito desfavoráveis: na Primavera de 2009 a taxa oficial de desemprego era de 11,2%, o desemprego jovem de 17,8 por cento e entre as mulheres jovens 29%. Entre a juventude urbana era de 23,7%. Muitos tentavam sobreviver trabalhando em dois ou três empregos.

f_irao20094Segundo as estatísticas oficiais da ONU, cerca de 2,8% da população do Irão consome opiáceos. É a maior percentagem de adictos de drogas em todo o mundo e dez vezes maior do que a da Inglaterra – que tem mais ou menos a mesma população. Mas o consumo de drogas não se confina aos jovens. Segundo um estudo, 20.000 dos 60.000 trabalhadores dos maiores campos gasíferos do mundo consomem drogas. Em 2002 o Estado teve de mudar a sua estratégia para com os adictos e uma fatwa [decreto religioso] aprovou programas de metadona [medicamento opióide usado para combater a adição].

Nos protestos, o descontentamento dos jovens ganha força – seja porque são estudantes sem perspectivas que serão diplomados sem emprego, seja porque são proletários cujas condições de trabalho e de vida continuam a deteriorar-se com os “reformistas” tanto como antes com os “conservadores”. Não veem novas perspectivas e não vão legitimar o sistema: não confiam nas instituições a todos os níveis e recusam a influência das autoridades religiosas na sociedade.

Os trabalhadores

A percentagem de trabalhadores no conjunto da população manteve-se constante desde 1979, isto é, o seu número duplicou em cerca de 30 anos; hoje há cerca de um milhão de operários em empresas com mais de 10 trabalhadores. Grosso modo, podem ser arrumados em três categorias: têxteis e processamento de produtos agrícolas; indústria petrolífera; novas indústrias, sobretudo a automóvel. A importância da primeira categoria, tradicional, está a diminuir. Os trabalhadores do petróleo tiveram um papel decisivo na revolução de 1979 com a sua greve. O seu número manteve-se mais ou menos o mesmo desde então mas a estrutura da indústria petrolífera mudou muito com as privatizações parciais e o outsourcing [recurso a subempresas de mão-de-obra]. Por isso a capacidade organizativa dos trabalhadores dos petróleos foi-se esvaindo. Costumavam trabalhar em unidades compactas, transmitindo a sua experiência aos novos trabalhadores. Os mais qualificados que vieram para as novas refinarias vieram todos da mais antiga delas, em Abadan. Estabeleceram laços entre todas as refinarias envolvidas na greve de 1978-79. Durante a guerra Irão-Iraque a refinaria de Abadan foi destruída, muitos operários tornaram-se refugiados de guerra, e aqueles que eram politicamente activos quase todos deixaram o país. Os que restaram estão agora reformados [aposentados] (ou reformaram-se antecipadamente).

A indústria de produtos eléctricos e para o lar está a ganhar importância. Mas a indústria-chave, agora, é a indústria de automóvel. Emprega 118.000 operários, isto é, quatro vezes o número de 1979. Também aqui verificamos a maior dinâmica dos últimos dez anos: em 1996 produziram-se 203.000 veículos no Irão, em 2006 já eram 917.000 e em 2008 1,2 milhões. O Estado tem uma participação na maior produtora de automóveis do Médio-Oriente, a Iran Khodro (o seu principal concorrente é, de longe, a Saipa que tem 35% do mercado iraniano). A Iran Khodro tem má fama devido às condições de trabalho stressantes, aos longos horários e à sua poderosa polícia de fábrica. Grande parte dos seus trabalhadores são temporários. A Iran Khodro também foi atingida pela crise e teve perdas de 120 milhões durante o último ano económico. Mas já antes da crise a venda de automóveis tinha de ser generosamente subsidiada com créditos de favor.

f_irao20092Em 2 de Maio de 2009 houve uma greve na Iran Khodro. Os trabalhadores tinham recebido um prémio recorde de 1.000 dólares em 2006, que foi reduzido para 300 dólares em 2007 e 2008, e que não seria concedido em 2009. Os trabalhadores protestaram e deram-lhes um prémio de 150 dólares. Só depois da referida greve é que a administração subiu o prémio para os 300 dólares dos anos anteriores.

Perspectiva de futuro?

Desde o Verão [o autor escreve no Outuno de 2009, NDT], a crise económica agravou-se. Após uma queda de 60% na construção civil, a crise atinge agora outros sectores. 600 fábricas estão ameaçadas de insolvência. As medidas de criação de emprego de Ahmadinedjad falharam.

O Wildcat [o site alemão www.wildcat-www.de que escreve o presente artigo, NDT] publicou diversas notícias sobre protestos de trabalhadores no Irão durante os últimos anos. Apesar da repressão e da proibição de se organizarem, continua a haver greves e outras acções dos trabalhadores. As greves dos professores e sobretudo as dos motoristas de autocarros foram um salto qualitativo. Houve um levantamento na fábrica de açúcar Hafttappeh em 2008. Se, numa abordagem tipo “cenoura e cacete”, só subsiste o cacete, se os protestos diários dos trabalhadores continuam a ser reprimidos, como aconteceu há poucas semanas com a greve de 5 dias da Wagon Pars [5], que até então foi a maior construtora do Médio-Oriente de carruagens de combóios [trens], então é de esperar que os protestos dos trabalhadores se tornem cada vez mais fortes.

Apesar de os protestos se terem defrontado com uma repressão massiva e de os acontecimentos em torno das disputas de poder entre as duas facções terem tomado um rumo diferente, quem for conhecedor da economia iraniana estará agora perguntando-se se “depois da onda verde, uma outra onda de fatos-macaco azuis não estará a caminho” – e, além disso, bem mais dura de roer.

Notas

[1] As estatísticas oficiais iranianas indicam uma população activa de 20,47 milhões, incluindo 5,58 milhões de empregados no sector privado, 5 milhões de empregados no sector público, 1,53 milhões de “empregadores” e 7,36 milhões de trabalhadores por conta própria. O sector público vai das milícias do Estado (os Pasdaran [Guardas Revolucionários]) aos empregados das indústrias automóveis do Estado. A população total é de 73 milhões.

[2] O Irão é o quarto maior produtor de petróleo do mundo e tem as terceiras maiores reservas de petróleo bruto (entre 10 e 11% de todas as reservas conhecidas). O Irão produz cerca de 4 milhões de barris por dia, dos quais 1,42 milhões são para uso doméstico (a procura interna triplicou desde 1980); o resto é exportado. Devido à insuficiência das suas refinarias, o Irão tem de importar cerca de 170.000 barris de petróleo refinado por dia, o que custou ao governo 4.000 milhões de dólares em 2006. Os subsídios estatais aos combustíveis elevam-se a 12% do PIB. O Irão é o sétimo maior produtor de gás no mundo, e possui as segundas maiores reservas de gás, embora actualmente o Irão ainda importe mais gás do que exporta.

[3] Fotos da revolta dos combustíveis aqui.

[4] O termo “revoluções coloridas” refere-se aos movimentos sociais muitas vezes apoiados pelos EUA que pretenderam enfraquecer ou derrubar um governo indesejado. Por exemplo, a “revolução laranja” na Ucrânia.

[5] A Wagon Pars, que no passado empregava 1.700 trabalhadores, viu-se a braços com problemas financeiros durante a sua privatização. Depois de ter despedido trabalhadores sem contrato, a empresa pretendeu mandar os outros trabalhadores para uma reforma [aposentadoria] antecipada em más condições, e há meses que não vinha pagando os salários. Os trabalhadores partiram janelas em protesto, e destruíram o refeitório da empresa. Em 25 de Agosto começaram um protesto com piquete à porta da fábrica. Devido à situação tensa (duas outras fábricas nas proximidades estavam em vias de entrar em falência), os Pasdaran e unidades da polícia anti-motins posicionaram-se junto da Wagon Pars, para impedir que os trabalhadores desfilassem até à cidade. Ao fim de cinco dias, a greve terminou por efeito combinado do pagamento parcial dos salários em atraso, da repressão dos seguranças da empresa e da propaganda do núcleo dos Basij dentro da fábrica.

[*] O Wildcat é um site cuja redacção central se encontra em Colónia (Alemanha). Publica regularmente artigos sobre as lutas, e em várias línguas: alemão, inglês, italiano, castelhano, russo, húngaro e persa.

Artigo original (versão em inglês) aqui. Tradução do Passa Palavra.

Ilustrações: fotos das manifestações pré e pós-eleitorais no Irão, em 2009.

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