Mesmo sabendo da imprevisibilidade das coisas, inexplicavelmente existe uma certeza de que estamos trilhando o caminho correto, apesar da jornada ainda ser muito longa e difícil. Por Victor Khaled
Faltam-me palavras para descrever o que aconteceu nesta semana. A vida e as lutas são mesmo pouquíssimo previsíveis, e não há como não se emocionar frente ao turbilhão de coisas que sistematicamente chega para nos surpreender.
Eu, que esperava um semestre muito mais calmo, de reflexão, planejamento e atividades menores, que vão mantendo acesa a chama, já não sei mais o que esperar…
Na segunda-feira, às 22h da noite, recebi uma ligação muito preocupada, alertando que a lei que autoriza uma nova concessão do transporte público para as empresas, por 20 ou 35 anos, seria votada na noite seguinte. A partir dali, toda conjuntura se alterou, e o que parecia ser um desastre para a gente pode vir a ser um elemento fundamental para que a luta do primeiro semestre do ano não se perca.
Foram poucas horas e muito trabalho e improviso para convocar uma reunião e acertar os detalhes do ato na Câmara de Vereadores. Mas, apesar da lei ter sido aprovada, o ato foi um tremendo sucesso: enchemos o plenário, fizemos variadas e criativas intervenções, tivemos uma grande repercussão e fortalecemos nossos ânimos. Éramos cerca de 200 pessoas. Apesar de pouca gente, não é fácil mobilizar assim de um dia para o outro.
Mas o mais impressionante aconteceu na quinta-feira. A estréia do documentário Impasse (veja aqui) reuniu na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) cerca de 600 pessoas. O auditório estava completamente lotado [apinhado], com muitas pessoas sentadas no chão, ou mesmo de pé, acompanhando o filme. Do lado de fora, no saguão do prédio da Reitoria, um telão exibia o documentário para as centenas de pessoas que não couberam no auditório. E o filme é simplesmente fantástico! Engraçado, muito informativo, sério, bem feito e empolgante. O nosso reencontro, a felicidade em rever as manifestações, relembrar e suscitar a memória do movimento, enfim, tudo parecia mágico e muito emocionante.
Depois da exibição, sem que houvesse qualquer preparação ou planejamento, aquilo que estava na cabeça de todos foi posto em prática. Conversei com algumas pessoas. Alguém tomou a iniciativa de pegar o megafone e organizar uma assembléia na frente do prédio da Reitoria, utilizando o famoso jogral. Eu estava muito nervoso, emocionado, suava e tremia, mas bastante confiante. Após o informe da aprovação da lei e da importância da continuidade da luta e de sua rearticulação, convocando para uma reunião neste sábado, às 14h30, no DCE da UFSC, que pretende dar o primeiro passo para a organização de uma campanha popular em torno do transporte, saímos cerca de 200 pessoas para fazer um pequeno ato, parando a rotatória [rotunda] em frente à Universidade.
A idéia era fazer algo simbólico, parar o trânsito por alguns minutos, elevar os ânimos e marcar presença. Mas, como costuma acontecer nesses casos, ninguém consegue prever nada do que vai acontecer. Aos gritos algumas pessoas chamavam “Beira-Mar! Beira-Mar!”, o que para alguns de nós parecia uma loucura. Mas as pessoas seguiram rumo à Beira-Mar, a principal via da cidade!
Pegando a polícia de surpresa, conseguimos tomar quatro pistas da avenida, parando o trânsito completamente em um de seus sentidos. Foi inacreditável e completamente surpreendente!
Seguindo pela Beira-Mar, apesar de alguns pequenos momentos de tensão, ocupamos o Terminal da Trindade, num clima ótimo, de euforia coletiva. Após uma pequena assembléia, retornamos pela Lauro Linhares para a UFSC, e embora tenham ocorrido alguns choques com a polícia, que mais uma vez invadiu a Universidade, tudo acabou bem.
Esses foram dois dos melhores atos que fizemos neste ano. Confesso que com todo peso, depois de todo sofrimento que passei, estava com saudades disso tudo. E quem não estava?
Eu sei que pode não parecer grande coisa o que estamos fazendo aqui. Não é nada assim tão grandioso, mas sinto um orgulho e felicidade enormes de participar disso tudo. E mesmo sabendo da imprevisibilidade das coisas, inexplicavelmente existe uma certeza de que estamos trilhando o caminho correto, apesar da jornada ainda ser muito longa e difícil.
Mas o mais importante é o quanto isso tudo é incrível!
Fotografias: Yuri Gama
Olá,
Parabéns pela iniciativa e relato empolgante sobre o momento atual dessa importante luta em Florianópolis.
Sabemos das dificuldades e obstáculos que se colocam diante de qualquer movimentação coletiva nos dias de hoje.
Com efeito, seu testemunho – caro Khaled – reforça a convicção já expressa pelo importante poeta Mário Quintana: “Há um grande silêncio que está sempre à escuta…”.
Por esse motivo, a luta continua – mesmo que com alguns momentos de explosão e outros de calmaria.
Grande abraço.
Baixar o Documentário Impasse – http://twixar.com/YbELYqyiifnZ