Escrevia poemas, tinha pertencido ao grupo surrealista do Café Gelo, ganhava a vida como locutor de rádio, morava num apartamento nos arredores de Lisboa, quase sem móveis, numa penúria extrema, uma lente partida dos óculos espessos colada com fita adesiva. Visitámo-lo uma noite, a desoras [fora de hora], ele jantava um esparguete com molho de tomate. A televisão, num canto, sem som, mostrava imagens e, de repente, vimos uns touros. Uma raiva enorme apoderou-se dele e com toda a força lançou o prato contra uma parede, gritando «Hemingway»! O esparguete deslizou lentamente para o chão. O molho de tomate fez uma ferida vermelha no centro da sala, como nos touros de morte, descritos por Hemingway. Passa Palavra