Discute-se a morte da canção. No Brasil, que se tornou um (re)produtor privilegiado de canções direcionadas ao complexo de indústrias fonográfica e radiofônica, os movimentos sociais apresentam-se como o lugar em que a música como política pode não ceder aos ditames da sociedade do espetáculo. Por Manoel Dourado Bastos [*]

Por dentro e por fora é uma série de artigos de debate sobre as lutas e os movimentos sociais, da iniciativa conjunta de Paulo Arantes e do coletivo Passa Palavra. Série aberta a um amplo leque de colaboradores individuais, convidados ou espontâneos, mais ou menos empenhados (ou ex-empenhados) nas lutas concretas, que ajude a aprofundar diagnósticos sobre a sociedade que vivemos, a cruzar experiências, a abrir caminhos – e cujos critérios seletivos serão apenas a relevância e a qualidade dos textos propostos.

Não podemos nos tornar muito confortáveis ou ficar satisfeitos com os efeitos musicais usuais, mas devemos aspirar a algo mais que isso, examinando e melhorando nossos métodos sempre de modo que as incríveis tarefas que a luta de classes coloca diante da música possam ser executadas. (Hanns Eisler, “Progresso no movimento musical dos trabalhadores”, 1931.)

Argumento em Prelúdio [1]

A canção é a principal forma musical com que trabalham os músicos que tomam a arte a partir de alguma finalidade política de luta ou protesto. A reunião de melodia e palavra, característica genérica da forma canção, é utilizada pelos músicos, progressistas, de esquerda, a partir do pressuposto de que essa é a maneira mais adequada e eficaz de transmissão de um conteúdo político. Até certo ponto, o interesse dos músicos que tomam a canção como o meio de exposição política recai sobre a idéia de que essa forma elimina quase todas as possibilidades de sobreposição dos recursos artísticos à mensagem a ser transmitida.

Mas, a canção não nasceu como uma forma de luta popular. Muito pelo contrário, ela consolida-se junto à experiência histórica em que se originou seu par necessário – o indivíduo burguês. É ao longo do processo contraditório das revoluções burguesas e do fazer-se das classes populares em luta – em meio à dinâmica da industrialização pautada pelo capital na Europa de fins do século 18 em diante – que a canção adquire a adjetivação de “política”. Desde sempre, portanto, trata-se de uma forma musical disputada entre as classes em litígio.

Contemporaneamente, sabemos que a canção é a forma musical hegemônica no campo da indústria fonográfica e radiofônica. Ainda assim, ela continuou sendo a forma privilegiada para o discurso musical de esquerda, estando ligada aos movimentos políticos organizados ou sendo apenas fruto da posição progressista do cancionista. Ou seja, a disputa, que se sedimentava nas contradições formais da canção, passou a ser apenas um compartilhamento. Como se sabe, esse compartilhamento não parecia um problema, a ponto da música que passou a ser entendida como mais diretamente ligada ao campo de luta das classes populares, genericamente chamada de “música engajada” ou “canção de protesto”, ter se tornado um dos principais resultados dos aparatos culturais da sociedade do espetáculo. Atualmente, os movimentos sociais continuam produzindo a partir dessa forma, mas seus músicos já passaram a desconfiar de que precisam entendê-la a fundo para não caírem ingenuamente no campo inimigo [2].

Mas, eis que um triste e melodioso cantar foi ouvido por todos. Ele chamava para o luto, mas não para a luta. Estaria ele entoando a morte de uma forma?

Réquiem para a determinação de uma forma, ou balada da morte anunciada.

Wisnik: Morte da canção?

Reportemos, então, esse canto fúnebre: não se sabe se em boa hora, mas andam anunciando que a canção morreu. Simples assim, é o que se diz aqui e alhures. Chico Buarque, ele próprio, já decretou o falecimento da forma com a qual trabalhou e ficou famoso; José Ramos Tinhorão não ficou para trás e registrou, com seu ar sarcástico, a morte de um de seus assuntos prediletos; mesmo José Miguel Wisnik, segundo ele antes de Tinhorão, foi outro que afirmou, de maneira ambivalente, que a canção passou desta para uma melhor – ou não [3]. Também em Portugal o assunto está em voga, ainda que sob outro prisma, que retomaremos adiante [4]. É certo que nem todo mundo acredita que a canção virou uma célebre defunta nos mesmos termos. A se tirar por aí, teremos dificuldade em decretar sem dúvidas a causa mortis. De qualquer modo, de morte morrida ou morte matada, e ainda se ela estiver por aí vivendo mesmo depois de morta, tais autores nos levam a crer que a canção morreu.

Por outro lado, com um conceito bastante ampliado de canção que foge ao objeto histórico que se apresenta nos lamentos acima citados, o cancionista e professor Luiz Tatit acha um disparate terem lavrado com tanta pressa tal certidão de óbito [5]. Para ele, a canção vai muito bem, obrigada e nunca viu o anjo negro com sua foice de perto. Também, pudera. Em se tratando de um semioticista, longe de ser uma forma historicamente determinada, a canção para Tatit é apenas aquela confluência de palavra e melodia que ele tão bem estudou e que, com isso, tornou-se uma categoria etérea que vale tanto para as canções de um Caetano Veloso, Tom Jobim, Noel Rosa ou mesmo do citado Chico Buarque – sobre as quais, entre outras, o professor de lingüística deu apontamentos importantes – como para os raps dos Racionais MC’s [6].

Eis aí um dos pomos da discórdia. Afinal, Chico Buarque quer dar provas do passamento da canção enquanto forma exatamente sugerindo que o rap é sua sucedânea. Também Tinhorão e Wisnik disputam questões relativas ao rap, como aquelas que dizem respeito ao caráter imperialista ou popular do gênero. Tatit, por sua vez, afirma que o rap é a exata prova de que a canção, entendida como a relação entre palavra e melodia, está em pleno vigor. Ainda que Tatit tenha razão no que tange a força contemporânea da palavra cantada ao conceituá-la de maneira bastante genérica, não é certo perder de vista, por outro lado, o apontamento histórico que está no cerne da afirmação de Chico Buarque. Precisando melhor tal raciocínio crítico, é necessário reconhecer que a canção não tem mais aquela presença social que chegou a ter nos anos de 1960 e 1970. Ou seja, “a morte da canção” diz respeito à compreensão de que, em fim de contas, essa forma musical deixou de cumprir o papel histórico que lhe dava vigor crítico quando se tornou hegemônica, em seu “período heróico”.

Porém, como explicar a permanência dessa forma? Como se sabe – e Tatit e Wisnik nos alertam em boa hora –, apesar do passamento anunciado, muito bem balizado por legistas gabaritados e laudos tecnicamente fundamentados, há os cancionistas que ainda a praticam, com qualidade técnica por vezes superior àquela dos “clássicos” [7]. Os bons cancionistas e suas canções não param de surgir e aparentemente não brotaram de nenhuma catacumba mórbida e fétida, muito pelo contrário. O refinamento é uma das marcas principais dessa nova safra, ainda que existam as viúvas e carpideiras dos cancionistas de sempre. Parece desnecessário citar exemplos – uma navegada paciente pela internet ou mesmo uma audição despretensiosa de emissoras AM ou FM “qualificadas” servem como prova de que a canção continua por aí.

Mas sua (sobre)vida não se resume ao aparato técnico e industrial de (re)produção musical. No próprio Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para nos centrarmos enfim em nosso terreno específico, a canção permanece a forma musical hegemônica, tanto nos variados “momentos de luta”, quanto nos “momentos de lazer” – entendidos assim de maneira eqüidistantes [8]. Empenhados em manter as variáveis da tríplice inspiração das músicas do movimento – tradições populares regionais, música de igreja e “canção de protesto” –, os músicos do movimento continuaram encontrando na canção a forma musical privilegiada na exata hora em que outros iam fixando sua extrema-unção.

Contra isso, é preciso desvendar ainda um pouco mais os motivos da “morte da canção” – o que vale por desemaranhar a atual confusão da canção política com os critérios de mercado.

Critérios de mercado?

A presença da música produzida pelos aparatos da sociedade do espetáculo é tamanha em nossas vidas que corremos sempre o sério risco de tomar o resultado sócio-histórico do atrelamento entre música e indústria cultural como um dado “natural”. Isso é verdade também no interior dos movimentos sociais. A forma musical hegemônica da indústria cultural, que genericamente pode ser chamada de “canção comercial”, é em geral reconhecida, dentro ou fora dos movimentos sociais, como o todo da música. Mas, isso vale não só para a produção musical genérica – também a produção voltada para a luta acaba por se reconhecer nos termos da canção comercial. Uma postura política que pense na produção de uma música radical precisa reconhecer seu campo de ação em sua totalidade. E esse reconhecimento do campo parte da necessidade de entender em que termos históricos a disputa pela canção, que estava entre o entretenimento burguês e as lutas populares, se tornou, no Brasil e no mundo, o compartilhamento da forma. Quanto mais porque, nesse compartilhamento, a própria canção política se tornou um produto comercial entre outros.

Para isso, será preciso reconhecer as temporalidades da forma supostamente defunta. Vale a pena, então, observar a periodização da canção, a partir da elucidação de seu ciclo de mortes, segundo um texto escrito pelo auto-designado “Coletivo MPB” [9]. Afirmam os autores que em 40 anos a canção morreu, na verdade, duas vezes: na primeira, morreu por conta do golpe militar de 1964, que deixou a bossa nova e a canção engajada sem substância sócio-histórica. Assim, os músicos de então perceberam que a “alternativa mais promissora para a sobrevivência da canção [era] a ocupação de espaços na indústria cultural”. Sugerem os autores do “Coletivo MPB” que o momento era propício e havia uma série de brechas abertas pela invenção da TV, entre outras inovações tecnológicas. “Aquela decisão política de intervenção em um momento de rearticulação da indústria cultural brasileira [sic] [10] foi decisiva e cheia de conseqüências”. Não há dúvida de que a posição tomada pelos músicos foi política, ainda mais porque a morte da canção tinha causas exotéricas. Enfim, segundo os autores foi “justamente [a] decisão de participar do processo de moldagem da nova fase da indústria cultural brasileira [sic]” que deu lastro para aquele instigante momento em que o Brasil estava mais inteligente, ainda por cima com hegemonia cultural à esquerda, conforme o argumento de Roberto Schwarz em “Cultura e Política, 1964-1969” [11]. Os termos não deixam margem para dúvida: segundo os autores, a “ocupação de espaços na indústria cultural” tinha por finalidade a participação no “processo de moldagem da nova fase da indústria cultural brasileira [sic]”. Nem era mesmo momento de desconfiar da indústria cultural, afinal de contas o ciclo mental da consciência catastrófica do atraso não se desfazia, em geral, do projeto de consolidação de uma sociedade industrializada e com mercado interno forte, como Antonio Candido afirma ao sugerir que para os principais nomes da consciência do subdesenvolvimento bastava a remoção do imperialismo que o problema do atraso estaria sanado [12]. Enfim, indústria cultural em país periférico devia parecer, mesmo à esquerda, necessariamente progressista [13].

A segunda morte da canção, segundo os autores do “Coletivo MPB”, ocorreu 40 anos depois da primeira. Desta vez, não houve elemento externo como carrasco, como ocorrera na morte anterior, com a intervenção na esfera da política com o golpe militar. Aparentemente, afirmam os autores, ela teria morrido por si só. Vimos os elementos do debate no início do presente texto. O fundamento dessa morte natural, dizem os autores do “Coletivo MPB”, estaria num progressivo distanciamento entre a indústria cultural e aquela forma de canção que participara de sua organização. O argumento é arguto: “O que se valorizou de um certo momento em diante era a antítese do que havia até então: se veicularia principalmente canções feitas para o esquecimento. O resultado foi devastador” (ibdem). Os autores não são ingênuos a ponto de continuar empunhando a bandeira do nacional-desenvolvimentismo, ou de um reencontro das musas com as massas, mas, de qualquer modo, acham que a canção ela mesma pode continuar dando a figura da devastação. Para os autores, o ponto a ser resolvido estaria na negociação com a indústria fonográfica em torno da segmentação de mercado. Esta segmentação foi o resultado inapelável da cisão entre canção e mercado.

O que é preciso lembrar é que a consolidação da indústria cultural brasileira (sic) trouxe com ela uma segmentação do mercado que não pode ser evitada. Ainda mais, essa segmentação levou a uma segregação por parte dos setores dominantes da indústria daquela parcela da MPB comprometida com a conservação e renovação da tradição da canção.


De modo que o problema hoje não é de atestado de óbito, mas de compreender o que significa essa segmentação e como é possível encontrar, na sua lógica, as brechas para intervir. E, como em 1965, essa é uma decisão política, que exige muita conversa e organização. O melhor começo para isso talvez seja mesmo convidar os interessados para um debate. Este artigo é este convite.

Os autores do “Coletivo MPB” tomam a ascensão e queda da MPB como mais um momento na sucessão de fatos musicais que tem seu lastro óbvio na lógica de mercado da indústria cultural [14]. E que seria o bastião da luta a definição de um novo espaço para a canção no interior da indústria fonográfica e radiofônica. Sabemos que manter “vivo” dentro da indústria cultural os debates, seus resultados e fracassos, suscitados por uma politização ímpar do país não só continua possível, como agrada aos ouvidos da classe média intelectualizada, além de gerar produção acadêmica, vendas, controvérsias, publicidade, DVDs, especiais de TV. Porém, com isso perde-se o objetivo básico do projeto político em questão no início dos anos 1960 (gestados, por exemplo, nos Centros Populares de Cultura a que os autores do “Coletivo MPB” fazem referência), que originalmente não era uma revolução para dentro da indústria cultural. O interesse dos movimentos sociais, voltado para a superação da experiência da música como política no interior do mercado fonográfico e radiofônico, precisa estabelecer um critério diferente de observação, que não naturalize a “lógica de mercado” da sociedade do espetáculo como único caminho produtivo. A questão da música para os movimentos sociais, contudo, não se finda numa crítica dos mecanismos de mercado em si mesmos – é preciso reconhecer que o organismo do capital sedimenta-se também na linguagem artística.

Uma série de pessoas atendeu ao convite do “Coletivo MPB” para responder ao texto. Em uma das respostas, depois publicada pela revista eletrônica Trópico, Matheus G. Biondi [15] constrói o seguinte argumento:

Concordo com o fato de que aspectos relacionados ao atual momento político e social talvez não sejam tão propícios ao desenvolvimento da canção brasileira como foram 40 anos atrás. Mas não teria o cansaço da linguagem algo a ver com isso?

Biondi intenta fazer uma crítica à abordagem da canção que não privilegie a técnica e estética musicais, apontando no texto do “Coletivo MPB” um trabalho mais interessado em política, mídia e indústria cultural e menos na canção enquanto forma. Em seguida, Biondi apresenta uma breve hipótese sobre a crise da linguagem da canção brasileira. O problema levantado por Biondi é fundamental, se adotarmos uma visada dialética da questão, em que aspectos internos e externos à canção se apresentam como indissociáveis. Essa resposta gera uma réplica do “Coletivo MPB”, em texto chamado de “Chega de Saudade” [16].

O aspecto mais interessante das iniciativas atuais – em sua grande diversidade, é bom sempre frisar –, não consiste em requentar um repertório já consolidado (apesar da maestria dos novos intérpretes), mas, sobretudo, na consolidação de um repertório novo. A qualidade das novas autorias parece inquestionável, e são estas que merecem nossa especial atenção. Elas mostram que a forma canção não é uma linguagem desgastada que, por fim, emudeceu.

Efetivamente a atual rota da canção, essa estranha morta-viva, segue a dinâmica de desenvolvimento da maior qualidade musical, ainda que, em alguns casos, se possam questionar suas fraquezas especificamente literárias. Os instrumentistas são, de fato, cada vez melhores, os cantores mais afinados, as possibilidades técnicas de (re)produção mais avançadas, o conhecimento musical acumulado cada vez mais consistente. Tudo isso, ademais, permitiu mais ousadias na busca por aglutinar formas musicais para além da canção tal qual sedimentada no universo fonográfico e radiofônico. Mesmo no interior dos movimentos sociais, há os cancionistas que, de maneira conseqüente, primam pelo capricho das produções, na expectativa de qualificar as tradições musicais que são tomadas por repositório popular, pretendendo tornar mais belo e complexo o discurso político contundente que esperam apresentar.

Essa sofisticação musical, contudo, é socialmente determinada. Não é uma sofisticação qualquer, mas o resultado do desenvolvimento próprio da indústria cultural. Ao contrário da idéia de que a sofisticação diz respeito a um afastamento da lógica de mercado, a música apurada já é uma definição em torno de nichos comerciais. Qualidade técnica renovada, de um lado, e diferentes “dinâmicas musicais” adicionadas à forma-canção, de outro, são características decisivas da “morte da canção” nos termos de um novo papel para ela nos aparatos da indústria. Tais características se apresentam como culminância de um processo que, no momento de ascensão delas, perdeu seu chão social. Esse processo pode ser descrito, de maneira sumária, como os vários desdobramentos e disputas de um projeto estético centrado na forma-canção, e que em dado momento foi disputado no seio da indústria fonográfica e radiofônica no Brasil nos anos 1960. Esses desdobramentos e disputas, cada qual com suas filiações específicas, estavam em busca de um salto de qualidade musical capaz de se apresentar, ao mesmo tempo, como meio de conhecimento e entretenimento da sociedade brasileira. Tal salto de qualidade, enfim, ganhou o nome comercial de MPB (Música Popular Brasileira) que, assumindo o status de conceito, passou a ser confundido com as variadas experiências artísticas que, antes como agora, ainda cabem confusamente no nome “música popular brasileira” (agora com minúsculas). Mesmo com todas as avaliações críticas que precisamos e devemos fazer desse projeto, sua força política foi incontestável. Mas, suas soluções específicas talvez não nos caibam mais – e isso implica em superar o compromisso com o mercado e a forma musical daí advinda. A “morte da canção”, portanto, tem a ver com o instante em que a sofisticação e refinamento estético se sobrepuseram ao cerne político ou, o que dá no mesmo, quando aquele Brasil de que a canção era uma figura deixou de existir. Todos ficamos com a imagem da canção, segundo sua determinação fonográfica e radiofônica, como sendo a forma da música como política por excelência. As variantes e possibilidades musicais, mesmo no que diz respeito à própria canção, perderam seu gume político quando se deixaram desdobrar pelos ditames dos aparatos da sociedade do espetáculo – quer dizer, essa canção, cujo lastro social é da ordem absoluta da indústria cultural, é contemporânea da definição da democracia representativa brasileira gestada por 21 anos de ditadura militar.

E aqui estamos nós, com uma forma musical cujos principais resultados do ponto de vista de uma política progressista, de esquerda, já não têm mais chão histórico, mas que se mantém viva, refinada e sofisticada, na indústria fonográfica e radiofônica. Os autores do “Coletivo MPB” estão corretos ao afirmar que o cerne da questão está em “compreender as condições (…) da produção da música brasileira”, em que a linguagem cancional joga papel dos mais relevantes. Também é importante “entender como a indústria fonográfica brasileira (sic) está estruturada”. Porém, para o que nos interessa não é possível repensar por dentro do mercado a sobrevida da canção. Nosso intento aqui é diferente – pensar por fora do mercado (sem deixar de reconhecê-lo como um momento que também é interno aos movimentos sociais), naquele exato instante que a experiência de compartilhamento entre dinâmicas políticas populares e desenvolvimento das estruturas industriais mostraram-se um barco furado. Ou seja, o compromisso político agora é outro, as condições são diversas, e não cabe mais acordo com o mercado.

Então, qual é o som? Desafios militantes na música como política.

Desde que se entendem como tal, os movimentos sociais não pararam de produzir arte, aí incluída a música. Nos melhores casos, não cederam àquele jogo liberal, correlato ao da indústria cultural, de inclusão dos esbulhados pelas franjas, como ornamentos da massa, na valoração tradicionalista da produção cultural tendo em vista a pluralidade vazia de radicalidade. Desejosos que estão de continuar afiando o gume de sua música como política, hoje diversos militantes dos movimentos sociais que continuam a produzir segundo a canção já descobriram que é preciso entender criticamente sua determinação histórica. Passaram a estudar a experiência acumulada até ali e reconheceram os gigantes em cujos ombros era necessário subir, reconhecendo também o que precisavam superar das contradições objetivas de que não haviam escapado até ali. Mais do que isso, já sacaram que só mesmo no interior dos movimentos sociais se torna possível fugir aos preceitos do espetáculo que invadiram até mesmo a canção política – só neles há espaço para a compreensão crítica da história da canção enquanto forma da música como política, seu caráter hegemônico da indústria cultural, sua vida à esquerda; mas, principalmente, neles está a possibilidade da produção artística que lute pela emancipação. Ao contrário dos prognósticos usuais, que reconhecem genericamente nas organizações políticas o cerceamento das possibilidades criativas, o reino da mercadoria não é o reino da liberdade – só a luta organizada permite ir além.

Mas, obviamente, a liberdade artística na luta não é um presente caído do céu. Ela demanda a reunião imponderável da paciência do conceito e do trabalho estético com a urgência da vida. Certos de que é preciso tomar alguns atalhos perigosos, passamos a sugerir alguns pontos que nos soam produtivos para a música como política no seio dos movimentos sociais.

O primeiro e principal deles é assumir a música em termos diretamente ligados às linhas políticas dos movimentos. O saudável temor da “burocratização” e engessamento dos movimentos sociais, regredindo ao fantasma da forma partido, não pode se tornar um entrave liberal no debate sobre arte e política. Ou seja, nesse caso, a liberdade estética se conquista a partir de uma compreensão das diretrizes políticas. A arte em geral e a música em particular pode e deve ser um termômetro das contradições vividas pelas organizações políticas, mesmo e principalmente quando feitas no seio das próprias organizações. Mas, isso é diferente de falsamente ver no artista o indivíduo livre e sem peias. A medida exata entre o condicionamento violento da criação artística desde uma diretriz política fechada e a falsa liberdade do artista genial está na compreensão de que a arte cumpre diferentes funções em diferentes situações.

Em geral, nos movimentos sociais a música costumava cumprir, entre outros, o papel de animadora de militantes, passatempo entre discussões sérias, entretenimento para relaxar os ânimos. Essa era uma de suas principais funções. Efetivamente, essa função tem seus efeitos práticos importantes de coesão em torno das situações apresentadas. Porém, ela pode gerar alguns problemas: a) a aceitação fácil da função de entretenimento como o único papel da música nos movimentos sociais, que determina uma separação entre momento de lazer e momento de trabalho (ou reflexão), em tudo semelhante aos estratagemas capitalistas; b) a assunção dos músicos à posição de astros desses momentos de lazer, cada vez mais esperados; c) a reação contrária, exigindo sofisticação e escuta atenta à produção musical, a ponto de se perder nos desdobramentos elegantes dos aspectos estritamente musicais.

Outra função assumida pela música nos movimentos é a de agitadora. Ela está presente em ocupações, nas frentes de massa, nas marchas, nas manifestações em geral. Essa função é das mais importantes da música, mas sempre correu o risco de se ver sobrepujada pelos aspectos estabelecidos pela função animadora. Isso se dá, via de regra, por aquela idéia de falsa liberdade criativa e mesmo pela apropriação equivocada do trabalho de reforço das linhas políticas. De um lado, a falsa liberdade criativa responde aos anseios de mimetização da forma hegemônica do mercado – um desejo pelo novo que é, contudo, uma variação do esquema geral das canções da indústria cultural. Por outro lado, ocorre uma confusão entre agitação e animação, na medida em que um caso chama pela consciência política, enquanto o outro chama pela distração. A música como agitação deve saber mesclar – por vezes num tempo e espaço precário, curto, insatisfatório – a velocidade exigida pelas condições com um apelo à reflexão política. Portanto, sendo um momento de lazer ou de trabalho, de animação ou de agitação, em qualquer situação é preciso que a música se articule enquanto espaço de reflexão.

Outra função é a da música como formação. Ela foi uma função menos desenvolvida, possivelmente porque as condições pediam mais animação e agitação. Por isso, a música como forma de conhecimento, que exige tanta atenção quanto ler um texto denso, acabou sendo pouco desdobrada. Alguns músicos exigiram para si e para sua música uma escuta atenta, mas, em geral, como reação à hegemonia da função de animação. Nesses casos, ao invés de determinarem sua produção por uma articulação esteticamente radical das posições políticas importantes nos debates dos movimentos sociais, os músicos que exigiam atenção para si organizavam sua música segundo uma sofisticação estilística cada vez maior. A causa da “música por ela mesma” se tornou mais relevante do que reconhecer a função da música como conhecimento das contradições e antagonismos sociais. Nos movimentos com mais tempo e organização, a música certamente pode cumprir esse papel de formação, quanto mais porque tem em seus quadros militantes capacitados para tal. A música tem um caráter formativo amplo [17], também no campo pedagógico. As experiências com oficinas de música [18] também são apontamentos nesta direção e podem muito bem ir além do que já foi feito.

Tudo isso nos remete à questão da propriedade dos meios de produção. Como vimos, o pensamento, mesmo o progressista, sobre música estabeleceu um vínculo absoluto entre a produção musical e os aparatos industriais fonográficos e radiofônicos. Uma resposta geral para isso, de um ponto de vista dos movimentos sociais, seria simplesmente negar a necessidade de produção nos termos do aparato industrial – em outras palavras, não gravar CDs, não organizar rádios etc. Essa resposta é claramente insuficiente, pois toma as possibilidades coletivas estabelecidas com as técnicas de (re)produção pela forma adquirida por estas de aparato industrial capitaneado pela lógica da mercadoria e produção de mais-valia. Isso implica numa apropriação dos meios de produção (suas técnicas entendidas como forças produtivas, portanto) e numa mudança de função deles, o que significa repensar as formas já estabelecidas. Ou seja, remetendo a toda problemática apresentada no início do texto, trata-se de reformular, também e principalmente nesse campo da (re)produção técnica, as diretrizes hegemônicas – o que, na prática, estará, por exemplo, na maneira como decidimos o arranjo das músicas (devemos manter essa parte da produção à cargo de um profissional contratado ou devemos repensar o papel do arranjo na produção musical, mudando sua função ao tomá-lo para si?). Agora, certamente temos que estar conscientes que gravar CDs e organizar rádios não esgota as possibilidades técnicas da música em meio aos movimentos sociais.

Um dos pontos de ataque nos movimentos sociais está na crítica ao “lixo cultural”. Tornou-se pacífico que o “lixo cultural” atua contra os interesses políticos dos movimentos, mas não se sabe bem ao certo o que ele vem a ser. Muitos militantes se vêem tomados por canções que facilmente caberiam sob a categoria de “lixo cultural”, estando eles desprevenidos ou mesmo com uma consciência dúbia da situação. A confusão em torno daquilo que Theodor Adorno avaliou criticamente como a “decadência do gosto”, em meio ao seu ensaio sobre o fetichismo na música e a regressão da audição, só se desfaz se a compreensão do que se quer criticar sob a categoria de “lixo cultural” estiver balizada por uma diretriz política que não assuma exatamente a posição elitista da sofisticação. Enquanto a música for feita para nichos comerciais e os movimentos emularem as categorias do aparato capitalista de produção musical, não teremos um bom parâmetro para questionar o “lixo cultural”. Os termos de determinação da indústria cultural estão presentes em diversos momentos no interior dos próprios movimentos, que não tornam imediatamente seus militantes menos infensos aos desígnios da sociedade do espetáculo. Música para o pé, cabeça e coração [19], ela deve ser pautada pela posição política que não separa diversão, reflexão e paixão. Enfim, é preciso vencer os aparatos da sociedade do espetáculo estabelecidos nos próprios movimentos para que a crítica ao “lixo cultural” seja efetiva.

No espírito de superar a forma da canção tal qual instituída, os músicos dos movimentos sociais devem continuar tentando manter relações cada vez mais estreitas com frentes ou brigadas que trabalhem com outras linguagens artísticas, como o teatro ou o audiovisual. Com isso, espera-se um desvencilhamento da forma fixada, no espírito de garantir possibilidades mais complexas para o trato musical. Não se trata de reduzir a música a uma auxiliar ilustrativa para as produções teatrais ou audiovisuais, mas a tentativa de potencializar as características de comentário crítico que uma linguagem pode exercer junto à outra. Isso gera também a possibilidade de experiências com a articulação entre música e jornal, com o que as notícias se tornam motes para a produção musical [20]. A canção não é abandonada, mas pode cumprir aí uma função, se ela se mostrar a forma mais adequada para a situação.

Outro aspecto relevante diz respeito às tradições musicais estabelecidas em cada região e seu uso na canção política. Sempre há o risco de se entender essas tradições musicais com condescendência populista, transformando-as unilateralmente em suporte político por sua suposta origem popular, desconsiderando as contradições próprias delas. Assim, perde-se exatamente a riqueza radical que pode estar contida em tais tradições. Por outro lado, há também aquele risco correlato de entendê-las como um suporte vazio para conteúdos políticos que não podem emanar delas. O esvaziamento dessas tradições, em favor de um conteúdo supostamente mais revolucionário, também deixa para trás a complexidade delas. É preciso estabelecer uma nova concepção das tradições musicais, com a necessidade de reconhecer nelas não a imagem fechada de algo belo e fixo, com essência inerentemente popular, mas o impulso aberto e radical para a luta que emana delas mesmas. Isso significa também superar essa clássica justaposição de letras supostamente revolucionárias com estruturas musicais populares que cumprem o triste papel de suporte. A capacidade de atualizar as tradições musicais com novos conteúdos políticos não pode simplesmente usá-las como algo vazio, mas reconhecer nelas os elementos radicais. Isso vai implicar, obviamente, em reconsiderações sobre a força política radical de questões que fogem ao escopo original das classes como mero critério financeiro – ou seja, a confusão de classe com estrato social. Repensar as tradições musicais é repensar o próprio contexto da luta de classes no Brasil, em que racismo, patriarcado e outras formas de exploração são elos fundamentais da dinâmica do capital.

Enfim, ao invés de simplesmente continuarmos funcionando a reboque de uma forma fixada, quanto mais porque essa forma está inapelavelmente atrelada aos aparatos da sociedade do espetáculo, trata-se agora de uma tomada de consciência sobre a experiência musical. Compreendendo as diferentes funções da música, não se proíbe tal ou qual forma, estilo, gênero – apenas se reconhece a necessidade de consciência no trato com eles, por meio da reflexão de sua posição estética e social. Esse é, enfim, o caminho da liberdade, quando o músico encontra sentido para sua produção e intenta refletir e produzir ao mesmo tempo.

Imagino que, no fim das contas, também sairá dessa perspectiva política da música um novo critério para a compreensão da experiência musical brasileira. Esse critério não se reduzirá aos fundamentos de mercado da indústria fonográfica e radiofônica, sem, contudo, deixar de estudá-los. Trata-se de, enfim, reconduzir o pensamento crítico a um patamar que não seja refém dos resultados tidos por naturais da experiência musical brasileira. Será, enfim, uma forma de reconduzir a práxis musical ao debate político não mais como mera trilha sonora, mas como um elemento importante das disposições táticas e da estratégia no enfrentamento anti-sistêmico.

Notas

[*] Militante do Coletivo de Cultura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Professor Voluntário da Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC), parceria da Faculdade de Planaltina da Universidade de Brasília (FUP-UnB) e do Instituto Técnico para a Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra). Professor substituto de Sociologia da Arte no Departamento de Artes Visuais da Universidade Estadual de Santa Catarina. Pós-doutorando no Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina.

[1] O que segue nesse texto é a organização de materiais e procedimentos alcançados nos debates sobre música e política promovidos em diferentes momentos e instâncias da militância. Partindo do debate sobre a centralidade da canção como forma musical hegemônica, os elementos constitutivos da indústria cultural e seus resultados avassaladores, bem como as questões colocadas pela posição da música na luta dos movimentos sociais do campo, apresentamos diversos pontos de escuta que podem servir como ferramenta de compreensão da música como política. A alguns, pode parecer excessivo um debate sobre caminhos e descaminhos do que comercialmente se instituiu como MPB, levando em conta que o interesse é debater a música nos movimentos sociais. Mas, como por dentro e por fora dos movimentos políticos organizados, a sombra da MPB e sua forma musical hegemônica ainda são uma constante avassaladora, parece oportuna a discussão dialética de forças produtivas e relações de produção no que diz respeito à música, para a sugestão de novos pontos produtivos para a música como política.

[2] Um exemplo, entre outros possíveis, pode ser visto o contundente texto de Tiago Sottilli, militante do MST/RS. Ver aqui. Nesse texto, o debate sobre o “lixo cultural” e sua incidência no interior do movimento encaminha para a necessidade produtiva que supere a forma musical hegemônica.

[3] Ver os seguintes textos, onde estão os obituários da canção: “A canção, o rap, Tom e Cuba, segundo Chico”, trecho de entrevista publicada na Folha de S. Paulo em 26/12/2004, disponível aqui ; “O homem que saiu do frio”; entrevista com José Ramos Tinhorão, Folha de S. Paulo, 29/08/2004; José Miguel Wisnik. “Global e mundial”. Em: Sem receita. São Paulo, 2004 (Ver especialmente o posfácio “Eu, você, nós dois”, em que Wisnik comenta sua relação com Tinhorão).

[4] Veja-se, por exemplo, recente artigo (29/08/2010) com o sugestivo nome “A cantiga já não é uma arma”, originalmente publicado no Diário de Notícias, de Portugal, por Rui Pedro Antunes. Disponível aqui. Acessado em 30/08/2010. Voltaremos à incidência política da forma de canção mais adiante. Vale lembrar que aqui mesmo neste espaço crítico e de combate que é o Passa Palavra, contamos com uma série de artigos do cancionista português José Mario Branco, apontando uma série de questões relevantes para o debate que pretendemos desdobrar. Ver os artigos aqui, aqui, aquiaqui.

[5] Os argumentos de Tatit podem ser encontrados em “Cancionistas Invisíveis”. In: Todos entoam. São Paulo: Publifolha, 2007. Recentemente, em favor de um debate sobre o último CD de Chico Buarque, o jornalista Fernando de Barros e Silva (da Folha de S. Paulo, autor de um livro intitulado Folha Explica Chico Buarque. São Paulo: Publifolha, 2004.), publicou um artigo em que traz alguns dos lances do cortejo fúnebre da canção. Ver em “O fim da canção (em torno do último Chico)”. Em: serrote. São Paulo: Instituto Moreira Salles, n° 03, novembro de 2009.

[6] Sobre os Racionais MC’s, vale conferir dois textos de Walter Garcia, estudioso da canção brasileira e parceiro dos movimentos sociais. “Ouvindo Racionais MC’s”. Em: Ensaios sobre Arte e Cultura na Formação. São Paulo: Anca/Coletivo Nacional de Cultura do MST, 2006; e “‘Diário de um detento’: uma interpretação”. Em: Arthur Nestrovski (org.). Lendo música. São Paulo: Publifolha2007.

[7] Ver, para essa maneira de compreender o problema, textos como o de Eucanaã Ferraz sobre João Bosco (aqui, acessado dia 13/04/2010), ou ainda a instigante entrevista de Pedro Luís (da banda Pedro Luís e A Parede e do Monobloco) sobre a música brasileira dos anos 1990 (aqui, acessado dia 13/04/2010) – aliás, os motivos apresentados por Pedro Luís a fim de descartar “a morte da canção” são exatamente aqueles que permitem falar dela.

[8] A distinção entre esses momentos está sendo promovida pelo trabalho de conclusão de curso de Abrão Godóis, militante do MST/RS e educando da Licenciatura em Educação do Campo, parceria entre a Universidade de Brasília (UnB) e o Instituto Técnico em Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra).

[9] Conferir o texto aqui. À época, o “Coletivo MPB” assim se caracterizava: “É um ajuntamento para ver no que vai dar. Atualmente, é composto por José Roberto Zan (professor de sociologia da música industrializada na Unicamp), Marcos Nobre (professor de filosofia na Unicamp), Henry Burnett (compositor e pós-doutorando na USP) e Rúrion Soares Melo (músico, compositor e doutorando em filosofia na USP).”

[10] Não vai dar para desenvolver aqui o argumento, mas é preciso ter absoluta consciência de que não existe uma indústria cultural brasileira. O qualificativo nacional está absolutamente deslocado.

[11] Ver Roberto Schwarz. “Cultura e política, 1964-1969: alguns esquemas”. Em: Cultura e política. 3ª. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

[12] Ver Antonio Candido. “Literatura e subdesenvolvimento”. Em: A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.

[13] O melhor trabalho sobre as relações entre engajamento, música e indústria cultural é o de Marcos Napolitano. Ver, entre outros textos do autor, o livro Seguindo a canção. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2001.

[14] Outro importante texto sobre o assunto é o de Carlos Sandroni, intitulado “Adeus à MPB”. Em: B. Cavalcante, H. Starling e J. Eisenberg (orgs.). Decantando a República. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004, p. 23-35.

[15] Ver os comentários de Biondi aqui.

[16] Ver o texto aqui.

[17] Ver, aqui mesmo no Passa Palavra, texto sobre a Unidos da Lona Preta. Rosana Santos, militante do MST/SP, também está preparando pesquisa sobre o assunto.

[18] Ver a sistematização de Pedro Munhoz sobre o assunto. A elevação da consciência nas oficinas de música no IEJC – Instituto de Educação Josué de Castro/Veranópolis-RS. Veranópolis/RS, 2009. (Monografia de fim de curso).

[19] Walter Garcia apresenta breve e instigante crítica a essa separação genérica das músicas segundo os preceitos da indústria fonográfica. Ver no texto “Ouvindo Racionais MC’s”, acima citado.

[20] Recentemente, o Jornal do MST publicou uma matéria contando uma experiência de música e jornal. Ver aqui.

4 COMENTÁRIOS

  1. (quem fez samba não morreu de banzo)
    Morreu de tanto sucesso,
    e com isso já não servia mais pra andar
    queria viver nas nuvens
    e se arrastando foi pro lado de lá

    como os pesquisadores da academia,
    como os revolucionários nos partidos,
    como os bohemios sem rebeldia,
    os músicos também estão pra lá de bagdá.

    O reencontro precisa de um ponto,
    nossa luta não é só de rua,
    um espaço para tramar os fios
    da nossa presente urdidura.

    Salve Salve meus queridos,
    fico feliz de por aqui andar
    batendo minha cabeça dura
    abrindo fendas na muralha crua
    com meus olhos ancorados no agora
    e o coração no que há pra conquistar.

    De tão simples o remédio
    mais de um século demorou a curar
    perceber que a luta começa consigo
    e não se sabe onde vai parar.

    Deixai as nuvens no canto delas
    que no fim servirão pra chorar
    a derrota das elites
    que tanto custaram a se integrar

    E então é por isso que digo
    precisamos nos coçar
    organizando por nós mesmos
    o agora é nossa hora de lutar.

  2. A MPB não morreu e tampouco se encontra em estado de hibernação. Mudaram apenas os motivos para fazê-la, o que é bom, e a qualidade cultural de quem ainda tenta alguma coisa com ela, o que é ruim.

    Toda Música que esteja voltada somente a um conceito de luta, idealística ou não, deixa de ser Música Popular e vira um hino.

    Há muita confusão conceitual sobre a dita MPB dos anos dourados, cujo auge ocorreu nos anos 60 e 70 do século passado,onde se destacaram partes das obras de Chico Buarque e Geraldo Vandré, como música de protesto contra militar, engajamentos vários e rótulos outros.

    Qualquer texto se baseia em algo observado pelo redator que, subjetivamente, descreve o observado em prosa ou, no caso dos dois, em versos.

    Dois fotógrafos do nosso comportamento social viram, de repente, suas músicas virarem hinos de boiadas, engajadas pela imprensa, que propagava tais associações no entendimento popular, mesmo tendo tentado, como Vandré o fez em Disparada, alertar-nos dessas possíveis manipulações.

    Ambos sabiam que aquela “Troca de Tutores”, ocorrida na década de 50, quando sairam os europeus do D. Pedro I e entraram os americanos do JK; era extremamente maléfica para as nossas raízes culturais, já que os anteriores eram apenas agiotas, mas os novos já chegaram entusiasmados com o Machado atuando na nossa Árvore Cultural.

    Chico até tentou, em 1968, dar-nos uma idéia do que acontecia com ele nos bastidores da fama, com a peça Roda Viva, mas o Vandré, preferindo ficar na dele, apenas usou o final da peça, onde Chico nos ofereceu “flores, flores e flores”, para dar um recado ao colega: “Prá Não Dizer Que Não Falei Das Flores”.

    Os novos Anjos e Capetas do Chico Silver mandaram-no para a Europa, no que foi apelidado de auto exílio na Itália, previsto, inclusive, na própria peça, onde pôde oficializar a troca de patrões: Largava a RGE do marinho americano e voltava ao seio europeu ancestral da Philips holandesa.

    O Machado continuou agindo, de forma cada vez mais eficaz na Idiotização Dirigida, até chegarmos à MPB atual, que continua sendo música, popular e brasileira; já que apresenta alguns acordes melódicos.

    Todavia, aquela troca de gravadoras, serviu como uma espécie de referencial histórico para a MPB, pois coincidiu com a vontade dos europeus recuperarem o Brasil como “praça comercial”, ou Kahal; fica ao gosto do usuário.

    O histórico de tal recuperação é cheio de lances românticos, como o ressurgimento de um partido dos trabalhadores, iniciado nos anos 40 pelo pai do Chico, na figura de um metalúrgico do ABC nos anos 80.

    Tal romance durou até que, finalmente, os figurinistas europeus conseguiram vestir e revestir uma camisa de sua grife no Cabide Brasília, que, pelo visto, e para a sorte da nossa cultura, continuará seguindo as tendências da moda européia.

    Tenho um site onde tento, de alguma forma, além de manter acesa a chama histórica da MPB, mostrar as bases da Ciência Poética, que a idiotização dirigida subtraíu dos conteúdos escolares da disciplina Língua Portuguesa.

    A grande procura dos jovens me permite dormir tranquilo. O bastante para sonhar que, em algum lugar do Futuro, a MPB bem escrita renasça pelos mesmos, já compositores.

    Basta que cada um faça a sua parte. E o MPB Sapiens agradece por não falar sozinho, já que esta porta escancarou honestamente. Não a fechem.

    Dalton.

  3. Olá,

    Como uma possível contribuição concreta ao debate, divulgo aqui que alguns coletivos autônomos da Argentina irão promover a seguinte iniciativa:

    “Que la música no pareCategoría:

    Con la excusa de festejar el Día de la Música, organizamos una jornada abierta para el próximo lunes 22 de noviembre en la cual nos proponemos encontrar respuestas a varios interrogantes relacionados con la idea de ser un músico independiente. ¿De qué depende ser independiente en el contexto actual? ¿Independiente de qué? ¿De las grandes compañías discográficas, de un manager inescrupuloso, de las distribuidoras, de no caer en la lógica del mercado? ¿Es ficción incompatible o un escenario posible si se obtienen las herramientas necesarias? ¿Qué cambia con la nueva ley de la música? ¿Por qué se persigue a los músicos que tocan en la calle? ¿Cuál es la política de estado en relación a la música y la cultura? ¿Se fomentan las expresiones que no son masivas desde los espacios públicos?”

    Vale a pena entrar no sítio que divulga esse evento – http://lavaca.org/notas/que-la-musica-no-pare/ – e escutar o aúdio de diferentes artistas e músicos sobre as questões colocadas acima. No mais, essas intervenções dialogam – e muito – com as questões desenvolvidas no texto acima publicado. Com efeito, são contribuições específicas da realidade argentina contemporânea.

    Abraços.

  4. Não tenho condições de discutir com propriedade o conteúdo do artigo, mas gostaria de parabenizar o autor e principalmente o Passa Palavra pelo excelente trabalho, até onde sei único na Internet brasileira. Quem dera nossas “esquerdas” (e suas fracas ferramentas de comunicação) tivessem a mesma preocupação de pensar e atuar sobre o cotidiano de forma tão aberta, séria, profunda e não dogmática quanto este sítio.

    Sigo lendo,
    e admirando

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