A galeria-associação Zé dos Bois inaugurou uma exposição importante sobre o movimento revolucionário negro nos EUA, com a presença do seu emblemático pintor. Por José Mário Branco
Foi inaugurada em Lisboa, na sexta-feira 4 de Março, na galeria-associação Zé dos Bois, uma exposição notável – All power to the people. Então e agora – que abarca, ao mesmo tempo, dois aspectos política e historicamente relacionados: por um lado, o movimento negro radical dos EUA dos anos 60 e 70, consubstanciado no Black Panther Party (Partido dos Panteras Negras) [BPP], com a mostra de inúmeros originais e alguns facsimiles de fotografias, livros, revistas, jornais, comunicados, panfletos e até documentos internos do partido; por outro lado, o papel artístico que nele teve o então seu “ministro da Cultura”, Emory Douglas, que desde então para cá sempre continuou pintando e desenhando e já foi objecto de importantes exposições pelo mundo fora. Emory tem agora 67 anos de idade.
A equipa da galeria, com a ajuda de um grupo de estudantes das Belas-Artes, reproduziu nas paredes dos vários andares do edifício uma série de grandes pinturas murais de Emory. Pelas muitas salas podiam ver-se, em vitrinas resguardadas ou nas paredes, os materiais históricos do BPP, alguns deles relativos a campanhas internacionalistas do partido a favor dos povos do Vietname ou nas colónias portuguesas, então em guerra contra os seus ocupantes estadunidenses e portugueses.
Naquele bairro (Bairro Alto) hoje, sem trânsito de automóvel, quase inteiramente consagrado à “noite” lisboeta, muitas centenas de pessoas, jovens e não só, acorreram à inauguração da exposição, na qual esteve presente, além de Emory Douglas, o único dos “3 de Angola” já libertado, Robert King, de 69 anos, que até 2001 passou 29 anos em isolamento na prisão de alta segurança daquela cidade, numa cela de 6 por 9 metros, acusado de um crime que nunca cometeu (os outros dois continuam presos, há 38 anos, nas mesmas condições; publicaremos em breve um outro artigo sobre este caso dos “Angola 3”). Ambos se faziam acompanhar por Billy X Jennings, historiador e responsável oficial do legado do BPP, e principal animador do site itsabouttimebpp.com.
A convite de Natxo Checa, um dos animadores daquele espaço, fui conviver ao jantar com os três representantes do BPP, e depois cantar para eles e para o público presente. Uma canção esteve na origem deste convite. Em 1972, durante o meu exílio em Paris, eu tinha participado como compositor e cantor no espectáculo Libérez Angela Davis tout de suite! [Libertem Angela Davis já!], criado por uma companhia dos arredores da cidade. Desse espectáculo, que contava a perseguição, a prisão e a acusação forjada contra essa professora de filosofia e assumida militante comunista, fazia parte uma canção ilustrativa da história de George Jackson, jovem negro preso por um incidente de bairro que, na prisão, adquiriu consciência política e se tornou escritor e uma figura emblemática do BPP, depois assassinado dentro da prisão com 28 anos de idade. O essencial do espectáculo está registado num álbum de vinil com o mesmo título.
Quase 40 anos depois, disse-me Robert King ao jantar: “Eu era pouco mais novo do que Jackson, mas tinha por ele uma admiração sem limites. Era um exemplo, um caso igual ao de milhares de outros jovens negros dos bairros, que foram presos, perseguidos e assassinados e que, como ele, ganharam consciência política nas prisões. Chorei muito quando o mataram. Pouco antes, tinha-lhe escrito uma carta onde lhe dizia: ‘George, tens muitos filhos cá fora’. Foi o caso dele que me fez acordar para a luta.”
Na véspera e no dia seguinte ao nosso encontro, os três companheiros visitaram alguns dos bairros marginalizados da região, em particular a Arrentela, a Alta de Lisboa e a Cova da Moura, convidados e acolhidos por activistas e rappers.
Em paralelo com a exposição All power to the people. Então e agora, e em colaboração com a Casa de Serralves, decorreu de 3 a 6 de Março, no Espaço Nimas, uma mostra de cinema documental sobre os Panteras Negras.
Há o Filme Panteras Negras, que é fantástico. Todos devem ter e todos devem ver.