Por Rede Extremo Sul
O vídeo a seguir relata parte de um processo de luta que alunos, professores, pais e funcionários da Escola Estadual José Vieira de Moraes travaram contra uma direção autoritária, em 2009, na zona sul de São Paulo. Foi também uma oportunidade de toda comunidade escolar conhecer e discutir, a partir da prática, alguns princípios e aspectos da educação libertária.
O material que compõe o pequeno vídeo, captado principalmente por telefones celulares dos alunos da escola, encontrava-se disperso até então. Mas, por iniciativa dos próprios protagonistas da luta, foi agora reunido e editado, evitando que uma importante experiência de poder popular fosse condenada ao esquecimento.
Salve:
Acrescento à discussão proposta pelo vídeo da “Luta no Vieira”, vivida no Extremo Sul da cidade, o desabafo de outro grande companheiro, o professor Rodrigo Ciríaco, a partir da Luta que ele e um firme coletivo de alunos travam numa escola no Extremo Leste, a Escola Jornalista Francisco Mesquita.
O Ciríaco, além de professor de história do Mesquita, é poeta da Cooperifa e dos profissionais da educação mais sérios que eu conheço. Ele tem coordenado, há vários anos, um trampo muito interessante de literatura periférica, poesia, encontros literários, saraus e de teatro independente, junto com Os Mesquiteiros (grupo de alunos que desenvolve estas atividades com ele na escola e na região). Tudo de forma autônoma, boa parte do trampo fora dos horários formais de aula, e com resultados formativos, estéticos, críticos e combativos cada vez mais relevantes. Para o coletivo e para a comunidade.
Mais informações sobre esta experiência podem ser conferidas tanto no blog do Ciríaco (http://efeito-colateral.blogspot.com) como no blog d’Os Mesquiteiros (http://www.mesquiteiros.blogspot.com/).
Nesses últimos dias o Rodrigo estava desabafando, em caráter pessoal, no seu blog sobre esta Luta cotidiana. E creio que seu desabafo contribui para o debate proposto pelo vídeo (e vice-versa), apontando pra necessidade da gente se organizar mais autonomamente e ir fazendo, cada coletivo, “a sua parte” no terrível cotidiano escolar. Ao mesmo tempo, de estarmos mais sintonizados e solidários, entre nós as iniciativas autônomas, para segurar as pontas, somar e fortalecer a Luta uns dos outros. Porque a situação está pesada por todos os lados, principalmente nos extremos da cidade.
”
http://efeito-colateral.blogspot.com/2011/04/desabafo.html
Terça-feira, Abril 05, 2011
DESABAFO – A QUEM POSSA INTERESSAR
No ano passado me senti, por algumas vezes, muito humilhado no meu ambiente de trabalho: a escola. Perseguido, espezinhado. Questionado e colocado tudo a prova: minha integridade, meu caráter. Até mesmo a minha sanidade mental.
E não foi gente pequena, apenas, que mexeu comigo. Pessoas de médio e alto escalão me cutucaram. Fizeram até uma espécie de “assédio moral”. Que aguentei calado. Sofri sozinho. Eu e meu travesseiro.
Tudo isso por não me calar. Por questionar muitas coisas que não julgo certas, ou que não concordo com os rumos. Por não me render. Por não me dar por vencido. Nem a mim, nem aos meus princípios. Para muitos, isso não é nada. Para mim, é tudo o que eu tenho.
Mas, como dizem, o tempo é senhor de muitas verdades, e castelos de areia não se sustentam nem mesmo sobre brisa, por estes dias eu tive uma revelação. Na verdade ela aconteceu na sexta-feira, mas chegou-me apenas hoje. A divulgação das notas de desempenho da rede pública estadual no Saresp de 2010.
A parte de todo o questionamento que possuo sobre esta avaliação, principalmente o que se resulta a partir dela – a “valorização do professor” – ela traz algum indicativo. Ela diz alguma coisa. E apenas confirmou o que eu já sabia, desde o ano passado, e que falei e fui repreendido por isso: que minha escola ia mal, principalmente no Ensino Fundamental, Ciclo II.
Para ter idéia, no resultado da avaliação, a minha Escola aparecem em SEGUNDO LUGAR, das PIORES ESCOLAS DA CAPITAL, com um índice de 1,19 (de uma avaliação que vai de 0 a 10). Comparando com as 3.695 unidades da rede de ensino, a posição no “ranking” é de 3.688, ou seja, está entre as OITO PIORES ESCOLAS DE TODA A REDE PÚBLICA ESTADUAL, ao menos no que diz no Ensino Fundamental II.
Isso não é motivo de orgulho. Nem vou cantar vitória por ter dito isso, já desde o ano passado. Já desde muitos anos antes. Mas é apenas para ressaltar que, quando um profissional da educação, como eu, faz uma crítica ao sistema de ensino, seja da sua escola, seja de uma política de governo, ele precisa ser ouvido, não censurado. Ele precisa de apoio, diálogo, não de repressão.
De todas estas notícias nada boas para minha quebrada, minha escola, eu ainda tenho orgulho e cabeça levantada pra seguir em frente. Afinal, aos trancos e barrancos, eu procuro dar o meu melhor. Pois, me diga: qual, de todas estas escolas aí, tem um projeto de literatura e teatro funcionando há mais de cinco anos, realizando Saraus, Encontros Literários com escritores, Oficinas de teatro e literatura, produção de Fanzines e, este ano, publicação de Livro? Qual?
Garanto que muitos que enfrentasse o perrengue que eu passo, já teriam desistido. Não vou mentir: eu mesmo já pensei várias vezes. Mas quando lembro da molecada que conta comigo, que caminha comigo lado a lado, eu prossigo. Porque neles, eu acredito.
Talvez não tenha feito a diferença para a escola. Mas, para alguns estudantes sim. A minha parte, estou fazendo.
Rodrigo Ciríaco”
Enquanto se opera a “luta” e o processo pseudo-revolucionário nas escolas, as mesmas despencam pelas tabelas e rankings oficiais de avaliação, e os alunos permanecem sujeitos do mesmo sistema de ensino; geralmente a ação dura um ou dois anos, e após isso, tudo retorna ao estado inicial; aliás, mesmo durante esse um ou dois anos, a grande parcela dos alunos nem sequer conhece os pressupostos e embasamentos político-ideológicos da ação, que é tocada por uma meia dúzia pseudo politizada e mobilizada; é efetivamente um fracasso.
Queria que alguém aqui me apresentasse uma vantagem efetiva de tais ações “revolucionárias”, a não ser a liberação de energia e raiva social de alguns alunos e professores; um desencargo de consciência moral me parece; ou ainda, alguns podem dizer uma iniciação à ação política, para treinar futuros militantes de carreira.
Nada mais patético do que se falar em autoritarismo nas escolas; se temos algum problema de ordem educacional, garanto que não se trata do autoritarismo e da opressão. Autoritarismo da parte de quem? Uma das condições escolares é a disciplina, e isso é diferente de autoritarismo; evidentemente que existem excessos, porem é também evidente que existem mecanismos internos para evitá-lo ou ao menos contorná-lo, através do diálogo e de uma relação diária e cotidiana entre os sujeitos da vida escolar; a escola deve ser um ambiente de confiança e relacionamentos propiciadores de consciência pessoal e grupal, garantindo ao jovem uma experiência de ordem conciliadora e fraterna; a resolução dos conflitos tem total condição de efetuar-se no plano interno, propiciando um ambiente saudável;
Evidentemente que existem casos extremos, nos quais é válida uma reivindicação mais acentuada, sobretudo perante o Estado, no sentido de exigências relativas a melhores condições materiais, ou coisa do gênero, mas efetivamente não é o que se verifica nos casos em questão.
Se o ambiente das escolas brasileiras é péssimo, e propicia a formação de jovens de personalidade e de concepções distorcidas e alienantes, é efetivamente um problema; assim como o é a baixíssima quantidade de recursos destinados à educação em nosso país, o que é infelizmente normal, tendo em vista o plano orçamentário governamental e o seu modo de aplicação (isso já é outra história); contudo, a resolução destes grandes problemas não se opera através da “revolução” escolar, nos termos simplista e limitado em que ela se dá.
Carlos, estudei no Vieira no ano em que ocorreram os protestos e concordo com você que normalmente as ações duram no máximo um ou dois anos e depois tudo volta ao estado inicial, foi basicamente o que aconteceu lá na escola e é o que acontece com qualquer luta que se faça. Concordo também que a solução dos grandes problemas da educação não se operam nos limites de uma escola.
Porém, discordo totalmente quando você diz que o autoritarismo e a opressão não são problemas para a educação. É claro que a disciplina é fundamental no processo de ensino-aprendizagem, visto que crianças e jovens não são ainda completamente livres e responsáveis para tomar todas as decisões que lhes importam. Mas da disciplina para o autoritarismo há uma diferença gigantesca. Enquanto a disciplina nos prepara para a autonomia, o autoritarismo bloqueia tudo o que possa representar um pensamento crítico, e portanto autônomo. (E a autonomia é outro eixo indispensável no processo educativo, devendo andar de mãos dadas com a disciplina, pois sem autonomia o ensino vira doutrinação).
E dizer que esses problemas podem ser resolvidos no plano interno pacificamente é outra mentira, porque quando nos pusemos em luta contra a direção, foi exatamente porque não havia possibilidade de diálogo dentro da escola. Só pra você ter uma noção mais clara: a direção passava por cima de qualquer decisão do Conselho Escolar; impedia toda tentativa dos alunos de se organizarem em Gremio; não aceitava nem mesmo negociar com representates do sindicato que foram acionados pelos professores para mediar o conflito. Enfim, não havia espaço para resolução dos problemas de forma “civilizada” e aberta.
E quanto a dizer que nos casos onde ocorre esse tipo de luta a grande maioria dos alunos não têm consciência daquilo que se está operando e que só uma meia dúzia “pseudo politizada” se mobiliza, nada mais falso, pois quando houve os protestos, eles não foram incitados por nenhuma “minoria pseudo revolucionária”, foi um ato espontâneo por parte dos alunos que, cansados com os desmandos da direção, chegaram a uma situação limite e desencadearam toda a onda de protestos.
É claro que muitos não tinham nenhuma forma de ideologia política, mas todos tinham consciência do porque estavam lutando e não eram simples massa de manobra de “políticos profissionais”.
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A luta dentro de cada escola contra o autoritarismo e a opressão nas relações inter-pessoais pode não ser “a revolução” na educação; mas, com certeza, esta não se realizará enquanto o autoritarismo for regra dentro das escolas brasileiras.
As considerações do Emerson a respeito deste acontecimento no âmbito escolar são a prova viva de que o processo resultou em alguma coisa muito mais importante do que podem fornecer os conteúdos formais de sala de aula.
Teria ele essas reflexões (ainda que se possa discordar delas) se não tivesse protagonizado um processo de participação política direta?
Rankings de avaliação?
Ah, esses, para os nossos objetivos, não medem nada.
Muito interessante essa experiência ocorrida em SP. Fiquei bastante sensibilizado e motivado com o que vi.
Trabalho como educador (Geografia-ensino fundamental) em escolas públicas municipais da Região Metropolitana de Porto Alegre, nos municípios de Cachoeirinha e Gravataí. Nas duas escolas em que trabalho o autoritarismo por parte das direções é evidente. Estudantes e colegas de trabalho são vítimas desse autoritarismo e do assédio moral. Enquanto forma de resistência em ambos os casos, temos fomentado a criação de Grêmios Estudantis, vinculando as demandas dos estudantes através da Rádio Comunitária e mobilizando os trabalhadores na pauta sindical contra o assédio moral nos locais de trabalho.
De forma geral, vivemos no ambiente de trabalho um retrocesso no que se refere a Gestão Democrática da Escola Pública. Penso que esse descompasso entre os direitos conquistados e a prática cotidiana são fruto de uma série de coisas: de um lado circula uma mentalidade cada vez mais conservadora em relação à educação que conforma um autoritarismo cada vez mais presente nas relações dentro da escola; do outro lado há também uma acomodação e medo por parte de muitos educadores; outra crítica pertinente é que a luta sindical não tem vinculado as suas pautas com as da comunidade e a questão pedagógica em muitos casos está abandonada.
Creio que para mudar este quadro iniciativas como essa são importantes exemplos de resistência cotidiana que podem dar resultados bastante significativos a médio e longo prazo. O importante é que as nossas iniciativas não estejam isoladas e sejam conectadas com uma luta mais ampla em prol de uma educação libertadora.
Estamos solidários e desde o sul do Brasil compartilhamos experiências de educação popular e libertária através da luta sindical, estudantil e comunitária pela Resistência Popular.
Não tá morto quem peleia!
Guilherme, concordo plenamente com o que você disse. Eu mesmo faço sempre a crítica da forma como os sindicatos atuam, reivindicando uma pauta meramente técnica, como aumento salarial, menos alunos por turma, mais investimentos na educação, etc. É claro que isso é muito importante, mas os sindicatos como que esquecem o outro lado da moeda: o que se passa no âmbito da escola, da sala de aula. Não se discute metodologia de ensino nos sindicatos, e isso acaba distanciando o sindicato da comunidade escolar, na medida em que essa se preocupa, principalmente, com a qualidade do ensino. E digo isto porque só salário não resolve o problema da qualidade.
Quanto a questão de que as lutas não devem ser isoladas, mas se conectar numa luta mais ampla, posso te dizer que lá na escola isso foi tentado, por exemplo, quando participamos de um ato unificado com várias escolas contra a provinha do Saresp e o sistema de bonificação que o governo tem utilizado tanto pra dividir os professores, como pra agravar ainda mais a desigualdade entre as escolas mais centrais e as da periferia, que não possuem nenhuma estrutura para dar um ensino bom. Mas confesso que não é nada fácil essa unificação. Principalmente porque o movimento estudantil hoje em dia está totalmente desorganizado e disperso.
Mas o importante é tentar e praticar a solidariedade com todas as lutas por uma educação melhor.