Os passos de uma ocupação

Os trabalhadores da cultura estavam numa encruzilhada.

De uma trajetória de lutas ou da tentativa de garantir mínimas condições para fazer arte vinham apelando ao Estado que os financiasse, pois a maioria não cabia no mercado. Entendendo mercado como lugar onde se vende mercadorias. Nossos produtos artísticos não repunham o mínimo dinheiro para continuarmos o ofício. Neste sentido é que percebemos a falência do mercado, ao menos para nós, e apelamos ao Estado para que socorresse as linguagens e expressões culturais que compõem a diversidade simbólica e a continuidade criadora de uma sociedade.

Nesse processo, percebemos também que as idéias capitalistas estavam (e ainda estão) introjetadas em nosso imaginário como se fossem naturais. Por exemplo, a competição: dada como natural que uma expressão artística possa ser melhor que outra e, portanto, passível de reconhecimento e premiação. O curioso é o avesso desta afirmação, sua negativa, ou seja, a maioria que não vence, os perdedores, os descartáveis, os não vendáveis, os fracassados, os embrutecidos. Nesta lógica, o mamulengueiro do sertão pernambucano é o fracasso ante bonequeiros “sofisticados” com suas técnicas ilusionionistas. Mas, qual é o melhor entre eles? Bem sabemos que esta resposta é impossível se realmente buscamos poesia e, no entanto, a distinção se dá com crua nitidez na lógica capitalista. Joga uns contra os outros e assim passamos a eliminar a diversidade.

Os não vendáveis do mercado apelam ao Estado para que olhe por eles. A esperança era que o Estado bancasse seus fazeres e ainda estimulasse o surgimento de novas linguagens, síntese dos movimentos históricos atualizados.

O curioso é que o Estado opera pelas mesmas premissas do mercado, o Estado não busca possibilidades estruturantes de outra lógica. Assim, a lógica da competência, do melhor, do produto de qualidade, vendável, da auto-sustentabilidade também vigora aqui. Perpetua a sangrenta luta de todos contra todos. Não bastasse tamanha imposição de idéias e valores, surge o pior. Pior? O estrangulamento total de setores sociais do Estado, que, passa a remeter quantidades ainda maiores de verbas a setores privados e reduzir verbas das políticas de editais/competição/contenção.
O que era pouco e operado por lógicas mercantis torna-se ainda menos e nos vemos diante a trágica condição da “volta do pouco”.

Os trabalhadores da cultura estão numa encruzilhada.

Sem paciência, ocupamos a Funarte com pautas históricas e, dentre elas, a “volta do pouco”.

Nossa tragédia se convertia numa farsa, pois bem sabíamos que este órgão federal não tinha competência para solucionar as questões apresentadas. A falta de paciência também irrompia a necessidade de reflexão conjunta sobre a conjuntura que nos envolvia.

Neste sentido, frente a iminência do ridículo, criamos num prédio morto a ágora donde subvertemos a lógica e conclamamos o todos contra um.

Mas, quem era esse um?

A Funarte?

Estamos num órgão federal ligado a um ministério menor, dependente de outros ministérios, venalmente ligados a assembléias e senados e judiciários e meandros que compõem um governo social democrata de centro esquerda que detém as rédeas do aparelho estatal.

Para atender nossas exigências, se fôssemos seguir as trilhas desenhadas pela burocracia, evidentemente estaríamos no lugar errado. Este fato, de saída, garantia criticas e enxovalhos de toda ordem. Como se delírios impulsionassem os ingênuos que nem ao menos sabem onde gritar.

Daqui, em uma semana de ocupação, organizados de inédita forma, mergulhamos na intensa busca de formação política. Juntando trabalhadores da cultura, começamos a desenhar os novos rumos de nossa existência.

Primeiro, tornou-se evidente que este órgão (Funarte) é títere de jogos mais complexos e seu orçamento pífio endossa a realidade de sua inexpressão política. Sem capacidade decisória, apostamos ao menos no impacto de interditar o que agoniza. Mas sua agonia pertence a uma política de contenção de gastos e controle social coerente com as funções do Estado, sua agonia é uma escolha política de um governo que conduz o Estado mercantilizado.

A percepção do termo Estado mercantil advém de suas práticas, dos dutos e mecanismos que despejam dinheiro público nas empresas, bancos e corporações (camuflados em institutos, espaços e centros culturais).
Ele (Estado) e o mercado são faces da mesma moeda, e constatamos igualmente pela simplicidade da observação que estão a serviço de uma classe.

A classe dos proprietários, dos donos das coisas todas, que construíram a capacidade de generalizar seu pensamento e métodos como universais. Esse aparato de reprodução econômica, política e ideológica é gerenciado e garantido pelo Estado, face política do capital.

Encruzilhada:

Exigir a estruturação de um Estado mais eficiente, capaz de manter a lógica destrutiva segregadora e apaziguar nossos anseios transformadores ou construir um pensamento que aponte para outra sociedade. A tarefa da luta contra o simbólico instalado em nós e, portanto, a viceral luta pelo desvelamento do tempo histórico que atravessa a todos.

Não há aparentemente condições históricas para tamanha mudança. Nosso imaginário está impregnado das naturalizações mercantis e sempre que nos levantamos para a construção do novo, o velho arraigado em cada peito se apresenta e repõe sua parcela de retrocessos e tradições.

Assim mesmo, em posse destas constatações não mais podemos ignorar a responsabilidade de produzir as condições da mudança profunda rumo a outra sociabilidade.

A Tarefa de construir o imaginário simbólico da classe trabalhadora (percebendo classe trabalhadora como junção de todos que trabalham, tod@s que criam) exigirá empenho conjunto dos trabalhadores da cultura a fim de tatearmos caminhos mais próximos do acerto.

Para tanto, a criação de um Programa de lutas conjuntas desvinculado das antigas pautas do Estado surge como necessidade urgente rumo à ruptura de nossa própria alienação política. Evidente que mais um passo foi dado nos dias de clausura política na Funarte, mas facilmente se apaga a chama.

Não seguiremos mais a lógica desumanizadora de eliminação do outro, da competição e do tratamento de gente como mercadoria. A opção é pela construção de outra lógica que nos irmane e possa apontar a superação da sociedade do capital.

Ao passo que políticas públicas estruturantes de novas formas de organização, produção e distribuição de recursos públicos viabilizaria a existência de grupamentos artísticos empenhados nas mudanças radicais.

Dupla possibilidade apresentada, reforma ou revolução, manutenção ou mudança. Esta oposição entre os caminhos nos paralisa e, ao mesmo tempo, aponta uma delicada possibilidade: atacar ambas as frentes.

A frente reformista tem forte inclinação à acomodação quando supre as necessidades dos que lutam premidos por urgências materias. Assim mesmo, o risco apresentado deve seguir como plano tático com vistas a uma estratégia que só pode ser revolucionária.

A busca da autonomia dos trabalhadores da cultura passa pela busca da autonomia de toda a classe trabalhadora, passa pela construção de outra relação com o tempo e espaço onde vislumbremos a supressão do controle/medida destes como mercadoria.

A ocupação da Funarte nos permitiu, ainda que temporariamente, a tentativa da suspensão das determinações base do capitalismo e, portadores de outros processos e relações, construímos reflexões político/estéticas, grávidas de possibilidades revolucionárias e de porvires humanizados.

Eis o objeto das próximas análises para vindouros ataques poéticos: Atacar esteticamente as corporações e grandes latifúndios da cultura, questionando a concentração de recursos e simultaneamente desvelando os processos de ocultação da realidade e Apresentar as mesmas empresas como as verdadeiras sedes das tomadas de decisões políticas, colocando em cheque as instituições da representação da farsa democrática. Intensificar o embate com governos, questionando a função do Estado, exigindo o cumprimento de nossa pauta.

Deixamos nossa ocupação permanente e partimos para a mobilização permanente, uma nova fase na luta se inscreve aos trabalhadores da cultura.

São Paulo, 1º de agosto, 2011.
Movimento de Trabalhadores da Cultura – MTC

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