Por Loren Goldner

Os ataques contra o sistema de saúde e as pensões

Desde 2007-2008, a luta de classes explícita deslocou-se em grande parte do local de trabalho para a confrontação com a bancarrota do Estado, a todos os níveis (federal, estadual e municipal). Mas essa mudança foi preparada pela anterior derrota dos trabalhadores em praticamente todo o sector industrial operário, principalmente o sector automóvel. Os trabalhadores do sector público e seus serviços, após décadas de propaganda acerca da bondade das privatizações, eram agora satanizados como sendo uns privilegiados, uns parasitas demasiado bem pagos que ainda por cima usufruíam de empregos e regalias relativamente seguros.

classeeua2_1Uma dimensão quase omnipresente desta confrontação diz respeito aos custos da saúde pública, dado o retrógrado “sistema” de saúde privado dos EUA. Ainda a crise não tinha rebentado abertamente, já muitas das greves ocorridas eram focadas na saúde pública [10]. (Para muita gente, em especial os que têm famílias, o plano de saúde privado ligado ao emprego é tão importante, por vezes mais importante, do que o próprio salário). Como a crise reduziu drasticamente as receitas fiscais dos estados e das cidades, estes tiveram cada mais dificuldade em pagar os cuidados de saúde e as pensões aos funcionários públicos aposentados. A todos os níveis, os políticos, os demagogos e os think tanks deploram “a subida em espiral dos custos da saúde” mas silenciam qualquer discussão séria sobre os seus verdadeiros motivos, o controlo dos cuidados de saúde pelas seguradoras privadas e os preços exagerados cobrados pelas grandes empresas farmacêuticas. (Há alguns meses, um homem da Florida tentou assaltar um banco, com o fito de ser preso e poder finalmente receber assistência médica na prisão). A tendência a longo prazo para a diminuição dos impostos dos 10% a 1% mais ricos da população, mais uma vez promovida por quase todos os políticos do sistema, também levou à bancarrota muitos estados e cidades.

A crise do serviço público de saúde vai de par com a crise das pensões tanto no sector privado como no público. A partir dos anos 1990, um número crescente de patrões foi trocando o pagamento de pensões completas de “rendimento definido” pelo pagamento das chamadas “401 k”, uma modalidade em que patrão e empregado descontam ambos para um fundo que é investido… na bolsa, naturalmente com taxas para os corretores. Há estudos que mostram que, com as “401 k”, os trabalhadores que se reformam [aposentam] ficam apenas com 10% a 33% daquilo que teriam no velho sistema de pensões de “rendimento definido” (as quais, no seu pico, só cobriam um terço da força de trabalho). Esta tendência, junto com os ataques previstos no Congresso contra o Medicare [sistema de saúde pública dos EUA] e a Segurança Social, anuncia uma aceleração do empobrecimento dos idosos. A crise emagrece os orçamentos dos governos estaduais e locais, deixando-os sem capacidade para pagarem as pensões dos funcionários públicos aposentados. (Em Novembro de 2009, por exemplo, os trabalhadores do trânsito de Filadélfia fizeram uma greve de seis dias para conseguirem um aumento das reformas).

A última “fortaleza operária”: o colapso da United Auto Workers

Uma vitória decisiva no ataque de décadas contra a classe trabalhadora dos EUA – de certo modo o fim de uma era – foi a aceitação, em 2007, pela United Auto Workers [grande sindicato do sector automóvel], de um contrato “a duas velocidades” nos “Três Grandes” construtores de automóveis (General Motors, Ford e Chrysler), um contrato que foi aprovado à pressa apesar da oposição generalizada das bases. Em consequência, os novos contratados nos “Três Grandes” começavam a ganhar 14 dólares por hora, contra os 27 dólares dos trabalhadores mais antigos. Desde a Segunda Guerra Mundial, o contrato da UAW era acordo de referência para muitos outros sectores industriais, e nos três anos seguintes o número de contratos “a duas velocidades” nos EUA passou de 2% para 12%.

classeeua2_4Em 2009, em pleno desastre financeiro, a GM e a Chrysler declararam ambas falência e foram resgatadas pelo governo dos EUA. A falência foi apenas uma estratégia para reestruturar as suas dívidas e compromissos, antes de tudo quanto aos operários reformados do sector. Quando as duas empresas emergiram da falência semanas mais tarde, a UAW tornou-se, em ambas, um dos principais accionistas. Através do processo de falência as empresas tinham-se livrado de 50 mil milhões [bilhões] de dólares de dívida ao fundo de saúde dos trabalhadores reformados. Um novo fundo, chamado VEBA (Voluntary Employee Beneficiary Association, Associação Voluntária dos Empregados Beneficiários), será administrado pela UAW e será baseado exclusivamente no valor de mercado das acções da GM e da Chrysler. Um colapso das acções, ou outra falência de qualquer destas empresas, deixará dois milhões de reformados e seus dependentes sem cuidados de saúde, e as suas pensões serão cortadas ou assumidas, num montante menor, pelo governo dos EUA.

Ataques contra os funcionários públicos: o Wisconsin

Uma vez neutralizado o sindicato que definira o padrão para os acordos salariais na indústria estadunidense durante sessenta anos (o emprego total nas fábricas dos “Três Grandes” nos EUA vinha declinando há décadas, apesar de empresas construtoras estrangeiras terem feito grandes investimentos em unidades fabris sem sindicatos no sul do país), o capital intensificou a sua ofensiva em 2011, com ataques aos funcionários e serviços públicos, como no estado do Wisconsin, mas com repercussões semelhantes nos estados do Ohio, do Indiana, do Illinois, da Califórnia, do Connecticut, do New Jersey, de Nova Iorque (estado) e cidade de Nova Iorque. No Wisconsin, um governador republicano recém-eleito, Scott Walker, tentou abolir a negociação colectiva, provocando a maior (e mais tenaz) mobilização de trabalhadores desde 2008.

Nas eleições de Novembro de 2010, Scott Walker e o Partido Republicano tomaram conta do governo estadual do Wisconsin no contexto da avalanche republicana generalizada. (Veio a saber-se mais tarde que Walker tinha relações estreitas com os multimilionários de extrema-direita, os irmãos Koch, para quem o Wisconsin ia evidentemente servir de experiência para estratégias e tácticas a usar noutros lugares). Chegados ao poder, eles concederam grandes reduções de impostos aos ricos e às empresas, e logo anunciaram um orçamento estadual deficitário, grandemente agravado por essas reduções fiscais. Walker avançou propostas de lei para fazer cortes massivos nos serviços sociais, permitir ao governo estadual privatizar à vontade e abolir o direito dos funcionários públicos à negociação colectiva [11]. A reacção imediata foi uma série de greves em escolas por todo o estado e a apresentação maciça de atestados de doença pelos professores, no que equivaleu a uma greve selvagem. A sede do governo estadual em Madison foi ocupada durante semanas por milhares de pessoas, e foram organizadas manifestações de massas todas as semanas culminando a 12 de Março, quando 125.000 trabalhadores se juntaram em comício. (Cartazes e palavras de ordem do movimento faziam referência explícita à Praça Tahrir do Cairo, mas ao contrário do Egipto o movimento do Wisconsin não conseguiu correr com Walker).

O problema básico mostrado pelo movimento do Wisconsin foi a capacidade que tiveram o Partido Democrático e os sindicatos para o controlarem e para desmobilizarem a vontade, que era real, de uma greve geral no estado. Esse mesmo padrão repetiu-se vezes sem conta noutros estados, se bem que em nenhum deles a resistência aos cortes tenha atingido a profundidade do que aconteceu no Wisconsin. Os democratas e os sindicatos estão estreitamente ligados porque estes últimos são os mais importantes doadores para os fundos de campanha do partido, a partir das cotizações dos seus filiados. Por isso na Califórnia, no estado de Nova Iorque, no Minnesota e no Connecticut os governadores democratas eleitos com forte apoio financeiro dos sindicatos avançaram com cortes sobre os funcionários públicos semelhantes aos de Walker, mas preservando a aparência da negociação colectiva. Noutros estados controlados pelos republicanos os resultados foram variados e, nalguns casos, os governos evitaram a confrontação aberta devido ao impacto da confrontação ocorrida no Wisconsin.

No próprio Wisconsin, depois do momento alto da mobilização de massa, a 12 de Março, os democratas e os sindicatos conduziram o movimento para as vias eleitorais, tentando correr com vários políticos republicanos e eleger democratas, mas ocultando por completo o facto de que os democratas que perderam o poder em Novembro de 2010 já tinham eles próprios imposto fortes medidas de austeridade e planeavam outras [12].

Resumindo, enquanto controladores sociais da resistência a estes ataques, os democratas e os sindicatos fizeram bem o seu trabalho em todo o país [13].

Notas

[10] Uma explicação das disfunções do sistema de saúde dos Estados Unidos precisaria de um artigo só para isso. Os EUA são o único país capitalista “avançado” que não tem um serviço universal de saúde. Em 2009, 50 milhões de pessoas estavam sem seguro de saúde. As despesas de saúde elevam-se a 15% do “PIB” e prevê-se que subam para 20% em 2020. O Canadá, que tem um sistema de saúde universal, gasta 10%. Calcula-se que a supressão das seguradoras privadas de saúde (HMO, ou Health Management Organizations) e dos seus “custos administrativos” eliminaria entre 20 e 30% dos custos de saúde. Os custos são agravados pela relação de proximidade entre as grandes empresas farmacêuticas (as “Big Pharma”) e a classe politica. (As leis federais, por exemplo, proíbem os estados de comprarem medicamentos genéricos mais baratos no Canadá). A maioria dos estadunidenses é a favor do sistema de saúde “single payer” (sistema universal), mas os partidos e os médias [mídia] dominantes impuseram um tabu virtual à discussão dessa alternativa. David Himmelstein et al., em Bleeding the Patient. The Consequences of Corporate Health Care, dá uma boa imagem da situação tal como estava em 2000; na década seguinte a situação só piorou.

[11] Para os pormenores da luta, em Fevereiro e Março deste ano, ver os meus dois artigos sobre Madison no site Break Their Haughty Power e a carta “Mais acerca de Madison” em Insurgent Notes nº 4 (Agosto de 2011).

[12] No começo de Agosto, estas campanhas de “impugnação” não conseguiram acabar com a maioria republicana na câmara alta do Wisconsin, apesar do grande investimento e mobilização.

[13] Os sindicatos estadunidenses contribuíram com 450 milhões de dólares para a campanha de Obama em 2008. Era suposto que uma das grandes recompensas por este apoio seria a Lei da Livre Escolha do Empregado, que iria remover alguns dos muitos obstáculos à sindicalização consagrados nas leis desde os anos 1970. Embora Obama se tivesse declarado a favor dessa lei, ela foi esquecida poucos meses após a sua eleição.

[Fim da 2ª das 3 partes do artigo]

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