Mais de 500 pessoas assassinadas em 8 dias, apenas no estado de São Paulo, o quê supera o já terrível número de mort@s e desaparecid@s gerado pela ditadura civil-militar. Por Mães de Maio
Leia aqui a 1ª parte deste artigo.
“Existe um ditado que diz: vale milhões de vezes mais a vida de um único filho do que todas as propriedades do homem mais rico da terra. Com toda propriedade eu digo: se foi a maior de todas as nossas riquezas…” Flávia Gonzaga, Mãe de Abril de 2010
Os “Crimes de Maio de 2006”
Os Crimes de Maio, nesse triste contexto, certamente representam o caso mais emblemático desta Democracia das Chacinas. Juntamente com o significado histórico do Massacre do Carandiru (1992) – o maior massacre carcerário que se tem notícia na história do país, até hoje sem o devido julgamento e respectiva responsabilização; a Chacina da Candelária (1993) – dado o simbolismo e a repercussão planetária de tamanha covardia cometida contra crianças e adolescentes dormindo, já em situação de rua, na frente de uma das principais igrejas em pleno centro do Rio de Janeiro; e o Massacre de Eldorado dos Carajás (1996) – a mais violenta matança no campo desta era democrática no Brasil, matança que também segue impune, mesmo tendo vitimado brutalmente dezenas de trabalhadores rurais sem-terra que lutavam legitimamente pelos seus direitos.
Os Crimes de Maio de 2006 viriam ocorrer mais de dez anos depois destes fatídicos episódios, sem que – e justamente porque – a verdade sobre eles, bem como uma efetiva mudança de postura, de fato tivessem ocorrido. Ao contrário, a persistência da mentira e da injustiça, associadas à violência estruturante da nossa sociedade regida pelo dinheiro, pelas armas e pela mercantilização de tudo, levaria àquele novo terror praticado principalmente pelo Estado Democrático e seus agentes em São Paulo, que acabou vitimando também noss@s filh@s: mais de 500 pessoas assassinadas, e no mínimo 4 desaparecidas, em cerca de 8 dias, apenas em nosso estado, o que representa mais vítimas do que o já terrível número de mort@s e desaparecid@s produzido pela última ditadura civil-militar brasileira nas trincheiras dos resistentes a ela, no país inteiro, ao longo dos cerca de 25 anos que ela perdurou (1964-1988).
Relembrar é resistir
No período entre os dias 12 a 20 de maio de 2006, São Paulo viveu uma onda concentrada de violência. Centenas de pessoas foram assassinadas, dezenas de prisões se rebelaram simultaneamente e a maior metrópole da América Latina foi mais uma vez paralisada [1], naquilo que foi mundialmente divulgado pela imprensa corporativa como “os ataques do PCC” [abreviação de Primeiro Comando da Capital, entidade acusada de liderar presos e presas e coordenar ações criminosas]. Acontece que, mesmo depois de mais de cinco anos, ainda não sabemos de fato o quê precisamente aconteceu durante aqueles dias. Entre centenas de casos não investigados, há inclusive muitos jovens desaparecidos, com indícios de terem sido enterrad@s em valas comuns. Até hoje não há sequer um relatório oficial do Estado que tente explicar e dar uma resposta minimamente satisfatória à sociedade sobre os acontecimentos de “Maio de 2006”. Abriram mão até mesmo de qualquer formalidade, ficando simplesmente em silêncio, gozando de sua impunidade secular.
Mas… Sempre há um “mas”… Desta vez decidiríamos que não passariam assim! Com base em pesquisas assumidas por coletivos autônomos da sociedade, incluindo o apoio de entidades como o Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana de São Paulo (CONDEPE-SP), a ONG Justiça Global, a Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard, o Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o Observatório de Violências Policiais de São Paulo, o Grupo Tortura Nunca Mais-SP e nós do movimento Mães de Maio, pudemos começar a entender melhor, por nós mesmas, o que aconteceu no trágico período agora conhecido como “Crimes de Maio de 2006” [2]. Passemos, pois, a alguns dos seus principais fatos…
Ações e a “reação” do Estado
Tudo indica que a onda de violência tenha começado no dia 12 de maio, véspera do Dia das Mães, e nos dois primeiros dias 43 agentes públicos foram assassinados em ataques imediatamente atribuídos ao PCC. A maioria dos homicídios colocada na conta de tal entidade não ocorreu durante tiroteios, mas foi fruto de emboscadas contra agentes públicos (a maior parte policiais de baixa patente e agentes penitenciários) que estavam em horário de folga nas ruas, restaurantes, bares e espaços públicos de São Paulo. Tais funcionários públicos, aliás, não tinham recebido qualquer alerta das autoridades que os comandavam – provavelmente em razão da alta pressão eleitoral já em curso, por mais que os planos atribuídos ao PCC, relata-se, já fossem do conhecimento de muitos comandantes semanas ou até meses antes dos ataques. Havia a imagem dos políticos-candidatos graúdos a zelar… Assim como há quem aponte indícios concretos de que diversos setores rivais da polícia teriam aproveitado o álibi do PCC para acertarem contas entre si, entre facções rivais dentro da própria polícia. De todo modo, além desses ataques, o PCC também teria organizado rebeliões em mais da metade dos presídios de São Paulo e ordenado o ateamento de fogo em diversos ônibus, além de atingido alguns bancos também, paralisando a circulação dos transportes e parte significativa da mercantil-financeira no estado para chamar atenção às suas reivindicações.
A “reação” do Estado, também chamada de “resposta”, tratou-se, supostamente, de “revidar” a onda de violência que teria sido iniciada pelo PCC. E de fato, nos dias seguintes, a polícia e agentes paramilitares ligados a ela passaram a intensificar brutalmente uma prática já verificada historicamente na sua atuação cotidiana no estado de São Paulo, ao menos desde o surgimento do Esquadrão da Morte nos anos 1960, e a prolongação de seu chumbo na conduta de muitos integrantes das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar – ROTA, dentre outros grupos policiais violentos: a “matança de suspeitos” nas periferias, com a participação de exterminadores públicos e/ou agentes particulares (alguns também ligados a empresas de “segurança privada”).
Quando o auge dos chamados “ataques do PCC” havia passado, por volta do dia 14 de maio, os comandos das polícias incentivaram e/ou aceitaram uma resposta violenta e indiscriminada, muito mais violenta que os primeiros ataques, por parte de seus subordinados, sendo assim complacentes ou mesmo incentivadores de violações dos direitos humanos em grande escala contra a população de São Paulo, em especial os moradores de áreas pobres e periféricas[3]. Além de prisões em série e execuções, verdadeiras práticas terroristas se instauraram em muitos bairros periféricos, deixando traumas até hoje. Muitas de nós mesmas vivemos na pele, na sequência dos primeiros ataques, a instauração de um brutal “toque de recolher” não-oficial: depois das 19 horas era realmente perigoso andar nas ruas. Mas, evidentemente, como muita gente não tinha opção, éramos vítimas de humilhação, ameaças, prisões, e, em alguns casos, execução. Muitos de nossos mortos foram vítimas desse cenário de guerra decretada, principalmente, contra a periferia.
Atualmente, há fartos indícios de que o alto comando da polícia – sob os aplausos de representantes das elites e, posteriormente, do próprio Ministério Público de SP [4] – decidiu “partir para cima” “sem dó nem piedade” da população de forma abusiva e indiscriminada, matando já de início mais de 100 pessoas, grande parte em circunstâncias que pouco tinham a ver com a suposta “legítima defesa” (os chamados “autos de resistência seguida de morte”, que têm dado uma verdadeira “licença para matar” às polícias de diversas regiões do país). Além disso, policiais encapuzados, integrantes de grupos de extermínio, mataram generalizadamente outras centenas de pessoas na calada das noites. Esses policiais realizaram “caças” aleatórias de homens jovens pobres, alguns em função de seus supostos antecedentes criminais ou de tatuagens (tidas como sinais de ligação com a criminalidade), e muitos outros com base em mero preconceito pela cor e aparência: racismo puro e simples. O famoso “estar no lugar errado, na hora errada”…
Segundo o relatório “São Paulo sob achaque”, publicado em maio/2011 pela ONG Justiça Global e pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard, que apresentou uma extensa pesquisa sobre os eventos de maio de 2006, ao menos 122 homicídios ocorridos entre 12 e 20 de maio daquele ano continham indícios consistentes de execuções praticadas por policiais. Neste mesmo relatório, pesquisadores também mostram muito bem comoa alta cúpula da polícia, a começar pelo então Secretário Estadual de Segurança Pública, Saulo de Castro, deu ordens explícitas para os ataques abusivos, que acabaram vitimando fatalmente centenas de trabalhadores pobres e negros.
Tais dados e análise só reforçam questões que já tinham sido levantadas e denunciadas pelas diversas entidades que participaram do relatório-livro“Crimes de Maio” (organizado por Rose Nogueira, publicado pelo CONDEPE-SP no final de 2006). Uma publicação que foi um pontapé inicial extremamente importante para nós Mães no sentido da luta pela memória, por verdade e por justiça relacionada ao trágico episódio. Em especial devido aos extensos e bem feitos relatórios qualitativos sintetizados pela Comissão Independente formada à época junto ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP), comissão que chegou ao primeiro número oficial de 492 mortes na matança. Foi só a partir da leitura deste livro que muitas de nós acordamos e começamos a entender um pouco melhor o quê tinha acontecido com nossos filhos, e que éramos muitas famílias na mesma situação.
Tanto este estudo do CONDEPE-SP, como posteriormente uma outra pesquisa publicada pela ONG Conectas em 2009 (“Análise dos impactos dos ataques do PCC em maio de 2006”), coordenada pelo professor Ignácio Cano do LAV-UERJ, ainda que esta última tenha uma abordagem complicada – por tratar a matança generalizada como simples “represália”, ambos confirmaram a ocorrência massiva de execuções sumárias cometidas contra jovens, em posição de (in)defesa – e não de ataque como sempre se alega! – com trajetórias balísticas de cima para baixo, à curta distância, com centenas de tiros na nuca, em partes vitais e perfurações nas palmas das mãos estendidas para proteção, palmas na maioria das vezes sem qualquer vestígio de pólvora. Evidências contundentes, portanto, de casos onde não houve o alegado “confronto seguido de morte”. Além de terem confirmado também a adulteração de muitas cenas de crimes e outras interferências em laudos periciais por parte da polícia, que chegou a retirar dezenas de corpos dos locais onde de fato foram vitimados, não pára socorrê-los, mas para acabar de matá-los junto com os vestígios de seus assassinos.
Tal pesquisa mais recente, coordenada por Ignácio Cano, conseguiu verificar no total o número de 564 casos de mortes por arma de fogo em São Paulo, no período de 12 a 21 de Maio de 2006, sendo que destes ao menos 505 eram civis, a imensa maioria de jovens pobres do gênero masculino (de 15 a 25 anos), assassinados de madrugada (entre 22hs e 03hs da manhã). E ainda outros 110 feridos, sendo que destes 97 eram civis.
Crimes cometidos por Grupos de Extermínio
Como já dissemos, grande parte das mortes ocorridas em maio de 2006 foram cometidas por Grupos de Extermínio, que agiam (e continuam agindo!) de formas muito semelhantes: pessoas encapuzadas em motos ou em carros escuros, com vidro fumê, atirando contra jovens nas ruas ou em bares localizados em bairros pobres, e “limpando” na sequência toda a cena dos crimes: recolhendo cápsulas, retirando os corpos do local, apagando gravações do sistema de rádio policial e/ou eventuais câmeras próximas, etc.. Há muitos indícios de que esses Grupos de Extermínio são formados por policias ou ex-policiais e, em diversos casos, observou-se o mesmo modus operandi em todo o estado: na periferia da capital, em Guarulhos e em diversos bairros populares do litoral em torno de Santos. Dentre os grupos de exterminadores mais bárbaros, destaque para os “Highlanders” atuantes na periferia da Zona Sul de São Paulo, e “Os Ninjas” da Baixada Santista.
Baixada Santista
A onda de violência, portanto, não ficou restrita à capital – como muitos ainda hoje pensam. Na Baixada Santista verificou-se que ao menos 11 jovens foram assassinados por encapuzados, provavelmente com a participação de policiais exterminadores, entre os dias 14 e 18 de maio de 2006. Durante todo o período dos Crimes de Maio, calcula-se mais de 70 mortes na Baixada! As investigações desses casos foram falhas e praticamente todos casos arquivados. Tanque que, com base em novas provas colhidas pelos familiares de algumas das vítimas que indicam a participação de policiais militares nas mortes, foi elaborado um pedido de incidência de deslocamento de competência para que os casos fossem reabertos e passassem a ser investigados pelo Governo Federal [5], até para que o estado de São Paulo assuma todas as suas responsabilidades no episódio [6]. Aquilo que é uma das principais bandeiras hoje de nosso movimento Mães de Maio: o desarquivamento e a federalização das investigações dos crimes de maio de 2006 e dos crimes de abril de 2010.
Desde maio de 2006, a Baixada Santista tem registrado muitos casos de violência policial, que já resultaram em mais mortes do que as ocorridas naquele período, com vários indícios da participação dos mesmos Grupos de Extermínio. Aliás, as cidades da Baixada constam há algum tempo entre as mais violentas do estado. Foi o que voltou a se confirmar, por exemplo, durante os Crimes de Abril de 2010 – cuja história e o testemunho de familiares podem ser também conferidos em nosso livro “Mães de Maio – do Luto à Luta” (Nós por Nós, São Paulo, 2011).
Falta de investigação, arquivamentos e seletividade
As investigações policiais sobre as execuções que sucederam aos chamados “ataques do PCC” foram quase uniformemente arquivadas sem os devidos esclarecimentos, salvo nos casos envolvendo a morte de um agente público, policial. Sobre as mortes praticadas por agentes em supostos confrontos, os policiais só foram indiciados em relação a seis das 51 vítimas em que havia algum indício de execução. Ou seja, na maioria dos casos de mortes cometidas por policiais não se avaliou sequer a ilicitude ou não da conduta do agente estatal. Condutas cotidianas absurdas como, por exemplo, a execução de um jovem rapaz na calada da noite de um cemitério, depois registrada como “resistência seguida de morte”, que fora testemunhada e narrada pelo telefone por uma brava senhora este ano, ou a postura de outro policial que aparece no vídeo falando para um novo rapaz baleado “estrebuchar” até morrer, e na sequência registraria também o seu falecimento como “RSM”…
Em maio de 2006, quanto aos casos de execuções por possíveis Grupos de Extermínio compostos por policiais, enquanto a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), departamento de elite de investigação de homicídios no Brasil, esclareceu mais de 85% dos homicídios que investigou em que agentes públicos figuram como vítima (12 de 14), o órgão só elucidou parcialmente a autoria de apenas 13% (4 de 34) dos homicídios com suspeita de participação de policiais. E enquanto o DHPP normalmente esclarecia mais de 90% das chacinas sob sua competência antes de 2006, com relação a maio de 2006 o departamento esclareceu parcialmente somente uma de quatro chacinas (25%) em que havia suspeitas de envolvimento de policiais membros de grupos de extermínio.
O(s) motivo(s) por trás dos crimes
A explicação mais comum que se deu para o início da chamada “onda de ataques do PCC” foi a transferência de 765 ditos líderes desta entidade para isolá-los do resto do sistema penitenciário, muitos no temível Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Ocorre que esta explicação parece estar, no mínimo, incompleta. Como demonstrado publicamente no relatório “São Paulo sob Achaque”, há fortes indícios de que os ataques também teriam sidos motivados em grande medida pelos achaques [extorsões] praticados por policiais aos familiares de supostos líderes do PCC.
Segundo apurações, também já publicizadas, da Polícia Civil e do Ministério Público, “o investigador Augusto Peña e José Roberto de Araújo que, em 2005, trabalhavam na cidade satélite de Suzano teriam montado um ‘setor de inteligência’, para o trabalho de investigações com escutas telefônicas obtidas com autorização judicial, com o objetivo declarado de investigar grandes traficantes da região e supostos integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC)”[7]. Como parte das suas atividades, porém, teriam usado as gravações incriminadoras para extorquir os tais supostos líderes da entidade. Em uma dessas ocasiões, os policiais civis Peña e Araújo teriam sequestrado Rodrigo Olivatto de Morais, enteado de Marcola [acusado de ser um dos líderes do PCC], enteado por quem, segundo informações, o dito líder “nutria profundo sentimento” [8]. Em depoimentos prestados por Marcola, logo depois do início dos ataques, declarações hoje acessíveis ao público em diversas fontes, ele teria mencionado que o sequestro de Rodrigo foi um dos motivos para a “revanche”. A delegacia de Suzano fora atacada duas vezes durante a onda de violência em maio de 2006. Tudo isto está nos relatórios on-line acima citados.
Nesse contexto, vários agentes públicos têm assumido posturas contraditórias à versão oficial da polícia de “combate ao PCC”, exercendo papéis de colaboradores, competidores, negociadores e/ou cobradores de propinas [luvas]. Sem generalizar em relação a todos os policiais e demais agentes públicos, é preciso no entanto dizer que o Estado, em suma, e muitos de seus agentes, revelam estar situados eles próprios no coração do que os seus agentes costumam chamar, e a grande imprensa corporativa ecoar, de “crime organizado” – como se fosse algo externo a eles, “contra” o qual estariam atuando. Conforme estamos provando neste relatório sobre os Crimes de Maio de 2006 e esta Democracia das Chacinas, as coisas realmente não são assim como eles dizem. Muito pelo contrário.
NOTAS
[1] Sobre estes dois episódios históricos conferir o artigo “Duas vezes pânico na cidade”, de Paulo Arantes (http://www.ovp-sp.org/artg_pauloarantes.pdf)
[2] Uma das primeiras e mais importantes lutas de todos movimentos envolvidos na busca pela verdade e por justiça no episódio foi, justamente, passar a chamar a matança de maio de 2006, praticada sobretudo pelo estado, por um nome mais apropriado do que aquele escolhido pela grande imprensa corporativa e pela polícia, com o objetivo de desviar a atenção de suas responsabilidades. Daí esta disputa política e historiográfica, que permanece em curso cotidianamente, a respeito de como nomear os acontecimentos: “Ataques do PCC”, como eles insistem em chamar; ou “Crimes de Maio”, como nós preferimos.
[3] Sobre este tema, conferir a dissertação “Barbárie e Direitos Humanos: As Execuções Sumárias e Desaparecimentos Forçados de Maio de 2006 em São Paulo”, defendida em Out/2011 na PUC-SP por Francilene Gomes Fernandes, irmã de Paulo Alexandre Gomes, um dos desaparecidos de Maio de 2006.
[4] Conforme comprova Ofício do MP de São Paulo, carimbado por dezenas de promotores em 25 de Maio de 2006, reconhecendo e saudando “a eficiência da resposta da Polícia Militar”, na página 239 de “São Paulo sob achaque”, relatório publicado em Maio/2011 pela ONG Justiça Global e pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard
[5] O pedido de IDC foi feito com base na sistematização de provas realizadas pelo Movimento Mães de Maio, o Núcleo Especializado de Direitos Humanos e Cidadania da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Justiça Global e a Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (ACAT-Brasil).
[6] Responsabilidade civil e criminal do Estado que, aliás, a própria Justiça de São Paulo começa a reconhecer, a partir de ações judiciais entradas por algumas das Mães de Maio, junto com a Defensoria Pública de São Paulo (na pessoa do Defensor Antônio Mafezzoli), e cuja primeira decisão favorável à mãe de Edson Rogério da Silva, Débora Maria da Silva, acaba de ser anunciada agora em outubro de 2011, no Processo nº 0019146-44.2010.8.26.0562. Ainda há, no entanto, sete outras ações em julgamento, e tantas outras por serem julgadas, sobre as quais não aceitaremos resultados distintos.
[7] Denúncia, Autos 495/08, 1a Vara Criminal da Comarca de Suzano – SP, Grupo de Atuação Especial Regional de Combate ao Crime Organizado (GAERCO) – Guarulhos, Ministério Público do Estado de São Paulo, 26 de maio de 2008.
[8] Termo de Declarações de Regina Célia Lemes de Carvalho, ex-esposa do policial civil Augusto Peña, Inquérito Policial 30/2008, Corregedoria Geral, Polícia Civil do Estado de São Paulo, 5 de maio de 2008.
Nota do Passa Palavra: Chamamos atenção à bibliografia contida ao final da primeira parte deste artigo sob o título ESTUDOS, LIVROS E OUTROS ARTIGOS DE REFERÊNCIA. Lá o leitor poderá encontrar vasto material a respeito do assunto.
Eram dados como estes que os estudantes que ocuparam a Reitoria da USP tinham que ter na PONTA DA LÍNGUA ao serem questionados sobre o porquê de se posicionarem contrários à presença policial. Deviam ter aproveitado o tempo de ocupação para discutir e difundir coisas como essas, ao invés de ficarem fazendo desenhinhos rupestres nas paredes do prédio, e se defenderem dizendo que o Convênio ameaçaria a “autonomia” da Universidade. Quem sabe teriam apoio da grande parte da população que pede hoje suas cabeças.
companheira,
falar do que se ´´deveria fazer´´ nesses termos parece muito facil, nao acha? eu nao fiz parte do movimento da usp, mas nada como colocar nosso corpo e a resitencia se dá como se pode… se luta pelo impossivel dentro das possibilidades que existem. assim que recuperar esses dados para continuar, continuar, eu tb tenho uma ´´lista do que poderiam ter feito´´ mas a luta é delxs e se puder dar uma voltinha nas assembleias e se posicionar ajudaria muito, né? mais que essa ´´mala vibra´´! salud y rebeldía!
Agora qualquer observação crítica sobre qualquer processo político, antes de ser ouvida e/ou discutida, é repelida a priori com variações do argumento “vocês não podem falar nada pois não estão com a mão na massa”.
Como se as pessoas que estão escrevendo não estivessem participando de mais nada – além do umbigo de quem não quer ouvir críticas…
Como se as atividades protagonizadas pelos avessos às críticas fossem o “início, o fim e o meio” de tudo que está acontecendo de relevante…
A seguir nessa toada, o movimento estudantil da USP e esses outros processos – geralmente levados a cabo por uma classe-média-centro-do-mundo, tenderão a seguir na mesma: encerrados no seu ensimesmamento alienado.
Pra ficar no assunto desse relatório das Mães de Maio: por que as chacinas cotidianas nas periferias não mobilizam um centésimo desta energia de engajamento político, nem mesmo de reflexão, da parte do meio acadêmico? E como será daqui em diante? Os professores, demais trabalhadores e estudantes universitários passarão a tratar desse assunto mais amplo (militarização da vida cotidiana), ou se fecharão ainda mais em torno das questões internas sobre mais ou menos “segurança (policial) no campus” versus uma suposta “autonomia” universitária?
Duvido que se houvessem novos Crimes de Maio em São Paulo, não atingindo a ilha uspiana, 90% desta comunidade universitária estaria mexendo uma palha sequer pra denunciar, refletir ou se mobilizar por qualquer mudança…
Pois é, Pé na Jaca, o seu comentário me fez lembrar a excelente composição de Max Gonzaga, Classe Média
http://www.youtube.com/watch?v=KfTovA3qGCs
O personagem que o compositor satiriza situa-se politicamente no centro ou no centro-direita, mas repare na hierarquia de preocupações que ele exprime. Haverá tanta diferença assim relativamente ao movimento estudantil naquilo que você tão bem denomina «ilha uspiana»? Por que motivo a reportagem que o Passa Palavra publicou sobre a desocupação da Reitoria da Usp teve incomparavelmente mais acessos do que o artigo Os Crimes de Maio e a Democracia das Chacinas? Ou, para permanecermos dentro do meio universitário, incomparavelmente mais acessos do que o artigo e vídeos Repressão à greve com ocupação na Universidade Federal de Rondônia? A composição de Max Gonzaga contribui para explicar muita coisa mesmo no que se denomina esquerda e até extrema-esquerda.
Por que eles não estão nem ai com o povo. Em Campinas, fazem até marcha das Putas. Ai o sujeito olha e diz: há um foco radical na UNICAMP e etc. No entanto, a cidade não fornece meia passagem para estudantes nem para professores e isso sequer é citado. Quer dizer, demandas populares ficam ao largo.
A UNESP teve durante mais de década um longo ciclo de lutas estudantís radicais, com efeitos vários e nunca era notícia. Há posses, há quebras de trens, há ocupações, há muitas coisas. Mas quem quer saber de Franco da Rocha, campeã de homicídios em São Paulo? Quem quer saber do grajaú? Quem quer saber do Savério?
Veja o caso das feministas, toda uma agenda que foi roubada pela classe média, membros da elite e até socialites. As feministas gostam de ir debater na universidade, ninguém quer saber das cortadoras de cana. Falam de Beauvoir, ninguém sabe quem foi Dina Di. Falam de escritoras gringas, ninguém sabe quem foi Margarida Alves e, por que não?, a própria Débora das Mães de Maio ou a Leni do Sintuspi. A lei estabelece menos direitos para as dométicas, mas disto nenhuma feminista se queixa, provalvemente porque não lavam as próprias roupas: libertam-se terceirizando a limpeza da casa para as mulheres pobres.
Todo mundo quer estar na universidade. Assim, quem sabe hoje um grupo de estudos, amanhã uma bolsa, depois uma consultoria, um banco num conselho e, por fim, até mesmo uma secretaria. Esses grupos universitários são verdadeiras incubadoras de gestores.
São informações muito relevantes e de fato tem que haver uma mobilização em torno disso. Mas que mobilização poderia ser feita?
Pé na jaca e João Bernardo,
Pra mim ficou claro durante esse processo todo da USP uma evolução do discurso de “fora PM do campus” para “fora PM do mundo”. Na verdade, desde o início, vários indícios mostraram que as pessoas que participavam de toda aquela movimentação não se limitavam ao contexto do campus de forma alguma e, inclusive, uma das coisas mais bonitas que fizeram foi queimar as bandeiras de sp e do brasil. Agora, evidentemente, o que os unia era o fato de estarem vivenciando algo em comum dentro do campus, por isso a pauta principal tinha que ser relativa à universidade, eu não vejo problema nenhum nisso.
Acho uma “forçação” de barra ingênua achar que esse artigo deveria ter mais visualizações. Esse artigo é um artigo, o artigo da USP é uma efervescência política vivenciada por milhares de pessoas naquele momento e que, por sinal, não é uma efervescência menos legítima por estar na universidade.
A maldição de fazer parte da classe média que deslegitima qualquer ação no sentido de transformar o mundo me parece um caminho fácil, uma crítica besta usada porque muito bem aceita.
A classe social é importante, nosso habitus ligado a ela delineia significativamente (mas não determina) nosso engajamento com o mundo. Mas o caso da USP não pode ser analisado nesse sentido de forma alguma. Ao deslegitimar os estudantes por estarem na classe média perdemos de reconhecer coisas lindas que alguns deles nos presentearam nessas últimas semanas.
O fato do movimento ter sido autônomo, independente de partidos, passando pra uma radicalização no discurso e nas ações plenamente incompatíveis com a esquerda partidária (e especialmente com a classe média) foi lindo – processo cada vez mais comum em todo o brasil. O fato da questão da polícia ter sido uma das pautas principais mostra maturidade, criatividade e uma abertura de novos horizontes no M.E e, principalmente, na luta anti-autoritária/capitalista (ou como querem chamar). Não é mais a já burocrática pauta do ENADE ou de REUNI (no caso das federais).
Essa abertura (trazer a pauta da polícia) dá até uma impressão de ter sido seguida pelo passa palavra ao postar esse artigo das mães de maio, que contribui BASTANTE com o que o pessoal da USP ta fazendo. Mas, repito, contribui, no sentido de se complementarem e não figura como uma luz que deve ser seguida pelos estudantes como se tivessem que abandonar uma luta já bem desenvolvida e frutífera para agora embarcar nessa.
e, finalmente, Le Miserable, depois de tudo isso acho que precisamos globalizar uma luta anti-polícia, produzir um discurso/prática que deslegitimasse essa corporação cada vez mais e mais. espero que essas últimas semanas tenha sido só um começo.
“O fato do movimento ter sido autônomo, independente de partidos, passando pra uma radicalização no discurso e nas ações plenamente incompatíveis com a esquerda partidária (e especialmente com a classe média) foi lindo ”
Pode ser ignorância minha ou falta de informação – ou as duas coisas – mas não vejo independência de partidos nessa movimentação que houve na usp. Pelo contrário vi a participação direta no movimento de ao menos três instituições que se não tem a palavra partido em suas siglas, atuam de forma semelhante a qualquer outro partido de esquerda. E não foi uma simples participação, estavam dirigindo os rumos das ações. E estão buscando utilizar o ocorrido como mote de disputa pela direção do ME na usp, contra outros dois partidos.
E também não sei se extrapolaram tanto assim as cercas da “ilha da excelência acadêmica”. Mesmo no âmbito universitário não vi nenhuma ação de solidariedade à ocupação que está ocorrendo na Unir, por exemplo.
Não parece tão belo assim esse movimento.
O tempo vai nos dizer, Frederico, sobre os desdobramentos desta nova “efervescência política” vivida na USP. Daqui a poucas semanas passam as eleições do DCE, termina o período letivo, e começam as férias de verão…
Afora o pessoal do Crusp, que permanece vivendo as pressões no campus – e nas suas comunidades de origem -, parte dos “funcionários”, e outra meia-dúzia de estudantes e professores mais sérios e comprometidos com transformações profundas, vamos ver quanto dessa espuma uspiana toda se traduzirá em lutas efetivas noutras situações e contextos… Ou, no mínimo, em teorização séria sobre o crescente monitoramento, criminalização e militarização contra os trabalhadores de forma geral (e não apenas centrada na situação do campus).
A criminalização e a militarização contra as camadas mais pobres da sociedade, conforme aponta este texto das Mães de Maio, seguem firmes e fortes. Já na universidade, esta não foi a primeira vez que a polícia a invadiu violentamente. Para não falar de tempos mais remotos, durante a greve uspiana de 2009 a polícia já tinha reprimido e prendido manifestantes com um aparato pesado no campus do Butantã, assim como em 2007 tinha despejado violentamente movimentos sociais do Largo São Francisco (sob a direção do mesmo Rodas)… Passada a “efervescência política” de cada episódio e, sobretudo, as “conveniências políticas” da parte deste ou daquele grupo, a tendência tem sido o assunto e a mobilização arrefecerem até a água bater na (própria) bunda novamente… Ou, simplesmente, até a próxima conveniência política, não se traduzindo em nada mais do que isso.
Sem grandes esperanças, torço pra que desta vez seja diferente.
Bem, pode ser que eu esteja sendo ingênuo, é só uma impressão na verdade, não coloco minha mão no fogo pela USP. Estou muito longe de São Paulo e só acompanhei tudo por internet. Mas eu tenho nutrido um otimismo ultimamente que aponta pra uma certa efervescência no brasil de uma forma mais generalizada e, com ela, uma radicalização e autonomia mais clara nos movimentos sociais. E por isso tenho acompanhado com entusiasmo essa movimentação recente da USP.
Espero que meu desejo de ver isso não esteja ofuscando o verdadeiro processo.
Julinha, do primeiro comentario,
essas questoes estavam e estao na ponta da lingua de boa parte dos estudantes contra a PM no campus. A propria autonomia universitaria envolve a producao de analises sobre esses dados e, conforme os resultados, podem sim estar em risco com tamanha presenca dessa policia por la. O problema, e voces devem saber disso, e que parte do discurso e prioridade da midia. Aos poucos a verdade transparece aqui e acola, sobretudo na midia alternativa. Informacao e coisa de garimpo!
Texto meio duvidoso.