Por José Chaplin

Fui conhecer esses dias a Ocupa Salvador/BA, na Praça da Ondina, e participei de uma assembléia, que sempre acontece à noite, por volta das 20h. Devo voltar lá em outro momento com mais tempo para ter uma idéia mais clara do processo, mas a primeira impressão que tive foi: é uma galera bem heterogênea em termos de perfis sociais, cheia de energia e vontade de se engajar numa luta anticapitalista não-partidária, mas com pouca ou nenhuma experiência de mobilização política, e ainda estão totalmente perdidos.

Depois das chuvas fortes da semana passada houve uma desmobilização e eles estão passando por problemas sérios de quantidade de gente para manter o acampamento. No final da assembléia devia ter umas vinte pessoas mais ou menos, mas como eles se organizam em esquema de rodízio, a quantidade de pessoas varia muito a depender do horário, e principalmente à noite tem dormido pouca gente e eles têm tido problemas de segurança. A polícia, que começou com uma postura “diplomática”, já está engrossando e ameaçando, e eles estão ficando muito preocupados com a questão da segurança mesmo. Isso tem feito que as energias deles nos últimos dias tenham se voltado totalmente para a dinâmica da manutenção física do acampamento, o que tem gerado um desgaste individual e de relações muito grande. O clima da assembléia em que participei não estava nada bom, eles pareciam “frustrados” uns com os outros e rolou uma espécie de lavagem de roupa suja.

Diante desse cenário, a discussão se concentrou na viabilidade e conveniência de se manter o acampamento. Muitos acham que seria mais efetivo acampar só nos finais de semana em lugares diferentes e ter a semana livre para organizar as coisas. No formato em que está, acho que o acampamento não resiste muito tempo.

O tempo que fiquei lá foi muito pouco para fazer uma avaliação melhor, mas via nas discussões uma imaturidade política muito grande, coisa de “marinheiros de primeira viagem” mesmo. Eles mal sabem pelo que ou contra o que estão lutando, o que não acho que seja de todo mal, porque é interessante que isso seja construído durante o processo, mas não percebi que estivessem preocupados em construir isso, tão preocupados que estavam com os problemas concretos da manutenção do acampamento, esquecendo que acampar não é um fim em si mesmo.

Como eu disse, o perfil social é bem variado, vai desde adolescentes secundaristas a uma professora universitária, um senhor chileno, tem um cara do Congo, universitários, desempregados, brancos classe média, negros da periferia (poucos), há um documentarista, outro é especializado nessas ondas tecnológicas, etc.

A idéia “brilhante” de acampar em Ondina – e não em uma praça do Centro da Cidade – foi justificada de forma pouco convincente: “aqui é perto ao mesmo tempo da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e do Palácio de Ondina (a residência oficial do governador da Bahia desde 1967)”. Neste dia também pude notar diversos questionamentos a respeito desta decisão e da postura de uma das lideranças, o que deixou todo mundo com os nervos à flor da pele.

Também percebi um tom emocional muito forte em grande parte dos discursos, em especial nos “marinheiros de primeira viagem”, sobre a importância enorme que esses poucos dias de ocupação já representam em suas vidas, o quanto cresceram, a importância de terem encontrado enfim um “espaço” e a vontade de continuar lutando… Para mim foi por um lado uma coisa bonita e contagiante ver a energia “ingênua” dessas pessoas, e ao mesmo tempo angustiante perceber que se urgentemente as coisas não tomarem algum rumo mais concreto, toda essa energia se transformará em frustração e pessoas com grande potencial se converterão em céticos conformados.

Enfim, minha opinião é que essa mobilização que está rolando aqui é algo que pode vir a ser muita coisa, inclusive nada. Acho que mesmo não querendo ou podendo participar, é importante que a galera mais experiente ao menos passe lá para trocar idéias com a galera, fazer um intercâmbio de experiências, discutir, questionar, criticar, propor…

Pelo que tenho ouvido e lido, a situação daqui é bem diferente de outras cidades como Rio e São Paulo, onde tem bem mais gente mobilizada. Nesse aspecto inclusive rolou uma discussão bem emblemática enquanto eu estava lá.

Aconteceu um curioso diálogo entre um dos ocupantes e um militante do PT, que passava pelo local e parou sua atividade física para bater um papo. Enquanto o ocupante defendia a estratégia de ocupar “aquela” praça com base na suposta “revolta da população local contra a construção do espaço” (que é fruto de uma recente parceria público-privada entre a Prefeitura de Salvador e uma empresa que ergue camarotes para serem usados durante o carnaval), o militante petista apontava para a praça e enfatizava que ela estava cheia de gente jogando futebol, passeando e correndo e, em contraste, somente umas poucas barracas da ocupação. Então lançou o questionamento: “onde é que você está vendo gente revoltada aqui? Aqui não tem ninguém indignado, as pessoas estão curtindo a praça nova!”.

E o pior é que ele estava certo, não tinha como mobilizar aquelas pessoas porque elas não estavam revoltadas… Ao menos não naquele momento, não naquele lugar. Essa observação me fez enxergar aquele acampamento como algo quase “extraterrestre”, feito por pessoas que não percebiam que estavam falando apenas para e por si mesmas, enquanto aqueles por quem elas supostamente lutavam estavam curtindo a praça nova “de boa”.

É algo que traz outra questão de fundo, como e por que lutar para mudar uma sociedade quando a maioria parece estar satisfeita com os rumos atuais? Óbvio que cada um tem o direito de se sentir oprimido e lutar contra a opressão, mas o discurso de estar lutando pela coletividade se complica quando a maioria dessa coletividade se mostra satisfeita, ainda que essa satisfação seja fruto de migalhas anestesiantes… Enfim, são questões que faço como autocrítica mesmo, sobre a necessidade de amadurecer meu discurso, minha consciência e minha prática política. Apesar de sentir e saber da necessidade da luta me sinto cada vez menos confortável para defender essa luta em nome de uma maioria explorada e oprimida que, no cenário dos governos “de esquerda” latinos, e a Bahia é um bom exemplo, se mostra satisfeita.

Perguntaram-me esses dias por que ocupamos a reitoria da UFBA, contra o REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), no ano de 2007. Apesar de saber que lutávamos por uma educação pública melhor, me senti deslegitimado ante o contra-argumento óbvio de que, apesar de todos os problemas, aqueles que defendíamos estavam na verdade felizes com a ampliação do acesso à universidade… Para toda essa galera que entrou na universidade graças ao REUNI, os retrógrados éramos nós, e como é que vamos convencê-los do contrário?

Ilustrações de Edward Hopper

5 COMENTÁRIOS

  1. Valeu Brother! Quando convocarmos você para a Revolta do Carnaval, esperamos que você apareça por lá. Ou não, pode ficar na reitoria enquanto a universidade se ‘amplia’ ou diminui. Afinal, festa lá ou festa cá estamos caminhando! pela universidade pela comunidade pela cidade.

  2. Não se preocupe com ” marinheiros de primeira viagem ” e sim com o Titanic.

  3. Me pergunto seriamente se o Wagner Pyter participa realmente do acampamento, porque parece que o mesmo dispõe de um bom tempo na internet pra acompanhar toda discussão sobre o mesmo. Sabendo que os comentários aqui no PP são moderados, recomendo aos moderações mais cuidado com a ação de trolls. Apesar de não ter grandes expectativas, pretendo passar alguns dias no acampamento pra ver eté onde minha impressões se confirmam, quem sabe possa contribuir minimamente com algo lá, pelo menos para que o fim não seja tão trágico como costuma ser.

  4. Eu leio no celular. E se você não sabe no acampamento tem internet wi-fi, eletricidade, notebooks, netbooks, tablets, etc. Concordo que não deviam aceitar todo tipo de comentários, inclusive o teu, claramente sem embasamento. (:

  5. gente

    sem entrar no mérito utilitarista de prá que serve as “ocupas globais” incorporando a esquizo-análise necessária do cotidiano não podemos esquecer que são “revoluções 2.0” desde facebook

    claro existe a politização nas ruas, mas não há de fato revolução possível sem base – que no caso do brasil significa os 70% sem net

    creio que é um pequeno passo, uma mudinha que há que se regar com crítica, consciência mas tb carinho e paciência

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