Por Revocultura
O céu do Recife amanheceu nublado, anunciando o golpe que os empresários e políticos tramavam dar no bolso da população. Estudantes e trabalhadores se organizavam para defender os seus direitos básicos de sobrevivência em uma cidade construída historicamente pelas elites da oligarquia rural e pelo empresariado subalterno aos interesses internacionais.
Naquela mesma manhã, os primeiros raios de sol refletiam as múltiplas cores do povo em resistência, se concentrando na frente do ginásio pernambucano no bairro da Boa Vista. Apesar de a população, em sua maioria, ainda desconhecer os planos do Consórcio Grande Recife para tolher ainda mais o direito de ir e vir, já saldava com palmas e papel picado a ação dos indignados na Avenida Conde da Boa Vista.
Era clara a proposta daqueles que protestavam na manhã da última sexta-feira: denunciar a estrutura antidemocrática do Consórcio Grande Recife e dialogar com o conjunto da população. No entanto, a brutalidade do batalhão de choque da Polícia Militar os interrompeu numa tocaia na Avenida Martins de Barros. Mesmo com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, alguns poucos ousaram resistir com pedras, mas a maioria acabou dispersa, talvez devido à própria inexperiência da juventude em confrontos desse tipo. Afinal, não existe uma cultura de protesto de rua na capital de Pernambuco.
A pele fervia, os olhos ardiam e os ouvidos zuniam nas margens do rio Capibaribe, palco de tantas lutas populares. Alguns tinham as costas ou os braços feridos pelas balas de borracha atiradas arbitrariamente pelo batalhão de choque, infelizmente sem qualquer iniciativa mais agressiva por parte dos que compunham o protesto. Pequenos grupos dispersos corriam pelas ruas magras da Boa Vista, a fim de se reunir em um local mais seguro, ironicamente longe daqueles que, em tese, deveriam nos proteger — o que só nos confirma que segurança nada tem a ver com polícia.
Depois de desencontros, todos voltam a se encontrar na Faculdade de Direito do Recife (FDR), onde o batalhão de choque não poderia entrar, visto que é um espaço sob jurisdição federal. Decidiu-se que fecharíamos a Rua Princesa Isabel e usaríamos a Faculdade como ponto de apoio, caso a polícia voltasse a nos atacar. Então voltamos às ruas com nossos batuques, gritos, corpos e rostos, cobertos ou não. Um menino de rua que cheirava cola gritava “R$ 2,15 é um assalto, meu nome é Zé Pequeno, porra!”, e, com o rosto coberto, fazia agora questão de ser anônimo. Alguns estudantes permaneceram o ignorando, mas alguns o olhavam com admiração, como se a máscara lhe desse uma identidade ou importância.
Em certo momento, todos ajoelharam com as mãos para cima diante de policiais com escudos e cassetetes. Havia medo e apelo para que o batalhão de choque não voltasse a agredir os manifestantes. Logo veio o aviso de que, caso a rua continuasse sendo fechada, a polícia iria agir, pois era essa a ordem de cima: defender os interesses da população recifense, evitando, a todo custo, qualquer transtorno no trânsito. Discurso frágil, se pensarmos no que realmente interfere, diariamente, no direito de ir e vir das pessoas: o preço das passagens de ônibus.
Ordem dada e não atendida, o batalhão de choque encurralou os manifestantes e, encarnando o governador Eduardo Campos (PSB), atirou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha dentro da FDR com o claro objetivo de intimidar a população que ali estava acuada. Os manifestantes procuraram, na FDR, o mínimo de proteção possível, acreditando que uma universidade federal tinha autonomia o suficiente para não ser alvo da repressão estatal. No entanto, o que vimos e ainda vemos é a Faculdade ser alvo da repressão truculenta do batalhão de choque, tendo sua diretoria ou a própria reitoria sequer dado qualquer depoimento a respeito disso.
Novamente, algumas pessoas se feriram e outras foram presas. Um policial alegou que uma manifestante estava sendo detida por usar uma máscara e fazer parte de um suposto grupo de infiltrados. Que Estado democrático é esse que não tolera o anonimato enquanto autodefesa e resistência, mas o promove diariamente ao despersonalizar as pessoas e tratá-las como meros consumidores sem desejos, identidade ou convicções próprias? Foi preciso que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e uma representante do Ministério Público chegassem à FDR para garantir a integridade física dos manifestantes e a retirada dos mesmos do local sem que fossem detidos.
Diante de todo esse contexto indignante, é preciso frisar que a polícia, por mais que pareça e seja naturalmente violenta, segue ordens, e essas são dadas pelo governador do estado com o apoio de sua Base Aliada (partidos que fazem parte do governo). Foi a ordem vinda do governo e dos partidos, que dizem representar as pessoas, que levou a pânico os manifestantes: estavam sitiados! Muitos jovens puderam experimentar uma aula viva sobre a ditatura militar, realidade essa, até o momento, pouco compreendida por meio de livros de História.
Eduardo Campos, cego por sua esplendorosa aprovação enquanto governador, não contém esforços para garantir o “progresso” do estado, que para ele se traduz no avanço econômico, criação de riquezas e acúmulo de capital, estando tudo isso à frente do bem estar de todos os indivíduos. Para garantir um crescimento econômico, além de sugar ao máximo as sofridas gotas de suor de cada sujeito, o governador cobre um Estado totalitário com o manto do progresso, reprimindo qualquer fagulha de um desejo individual que se mostre por uma coletividade. Assim, reprime violentamente greves que atravancam a produtividade e não economiza forças para suprimir qualquer manifestação de insatisfação. Sujeitos apáticos e que sirvam de mercadoria: é isso que se quer não só para o governo de Eduardo Campos, mas para todo e qualquer Estado falsamente democrático. Os indignados devem ser exterminados.
Para isso, o Estado se utiliza não apenas da violência policial, mas também de uma força simbólica, tendo sua ordem apoiada pela mídia corporativa, a qual, infelizmente, ainda forma a opinião de grande parcela da população. Nas matérias da TV Tribuna e da Globo sobre os protestos fica clara a idéia de que o batalhão de choque precisou usar de uma força a mais para conter o tumulto e os excessos dos estudantes. Um dos vídeos indicados abaixo é de um momento pouco antes de todos correrem para dentro da Faculdade e o batalhão de choque ter lançado bombas de “efeito moral”, atirado com balas de borracha e lançando gás lacrimogêneo e spray de pimenta nos manifestantes; tudo isso num espaço federal e que, em tese, não pode ser ocupado pela “força” estadual.
Se o Estado — representado pela polícia — reage violentamente a momentos como esse no vídeo que segue; e a mídia, de certa forma, apóia a repressão, considerando-a uma mera reação aos estudantes-vândalos, não é legítimo questionar essa mídia, essa polícia, esse Estado, essa conjuntura e, principalmente, essa estrutura que estamos inseridos? E como questionar tudo isso? Apertando um botão e votando numa direita ou “esquerda” tradicional cujo único interesse é ter poder? Desfilando nas ruas até cansar, voltar para casa e esperar que as pessoas se desmobilizem? Fechando a rua e sendo reprimido, de maneira desproporcional, com bala de borracha, spray de pimenta e gás lacrimogêneo?
O Estado não nos permite sequer ocupar as ruas, o Estado não é pacífico e não tem nada a ver com bem estar. O Estado bateu de frente, de maneira violenta e covarde, com aqueles que diz representar. E agora? Não está na hora de rever o que é resistência e superar esse heroísmo pacífico e inútil que, redundantemente, não leva a nada? Como atender ao pedido de paz de um Estado que, além de não garanti-la no dia-a-dia, se contradiz ao usar de artifícios violentos que ele próprio condena? Até quando vamos ficar estagnados nesse discurso pacifista do auto-sacrifício, que não traz resultados?
Essas imagens com pessoas desarmadas, com as mãos para cima e de joelhos diante do batalhão de choque armado até os dentes e pronto para atacar — como aconteceu em seguida —, já não deixam suficientemente claro quem pratica a violência diária e pontual e quem é refém dela? Não está na hora de inverter essa lógica?
Vamos resistir com máscaras e com novas possibilidades de mobilização e ação. No protesto de amanhã, 23/01/12, não confundamos a resistência do oprimido com a violência do opressor!
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Acho que ele se inspira no governador genocida geraldo alckmin que atacou cidadãos paulistas do bairro do Pinheirinho, em S.J.Campos (SP). Aqui, neste estado o PSDB prima pela “higienização: os “indesejados” são violentamente expulsos. Para O NADA. São atacados de supresa. A execrável ação da PM do genocida tresloucado alckmin deveria ser julgada nos Tribunais Internacionais, já que o judiciário sobrepõe interesses do mercado, aos da população pobre e indefesa. Ah! o alckmin se inspira em hitler, com certeza.