Por Marina Mello

Meu atual livro de bolsa (aquele que, diferentemente das categorias livro de cabeceira e livro de biblioteca, pode ser lido no ônibus, no metrô, em salas de espera etc.) é 18 crônicas e mais algumas, da Maria Rita Kehl: uma compilação de seus textos publicados originalmente em diversos veículos, desde a grande mídia como a Folha e o Estado de S. Paulo, até publicações alternativas como o Brasil de Fato.

Duas crônicas atrás, no ônibus, indo pra terapia, li Cultura pra quê?, publicada originalmente em 21 de agosto de 2010 no Estadão, em que ela discute a questão da reestruturação da TV Cultura.

Assim como a Cultura fez parte importante da minha infância e adolescência, também o fez a discussão sobre sua mercantilização, desde quando eu ainda assistia ao Castelo Rá-tim-bum. Lembro dos balões brancos voando no céu do Ibirapuera durante uma manifestação a que fui com meu pai quando a briga ainda era contra as propagandas.

Como previa Maria Rita Kehl, houve sim um desmanche da RTV Cultura. Mais de mil pessoas foram demitidas, foram extintos programas como Zoom, Vitrine e o já saudoso Entrelinhas. E não, o Manos e Minas não foi extinto, apesar da tentativa; mas jogá-lo para tão tarde, excluindo o acesso do trabalhador, não dá na mesma? Enfim, a produção própria da emissora diminuiu, e não haveria outro jeito com tanta demissão.

Coincidentemente, chego em casa e vejo no facebook o chamado pra um debate na Assembleia com João Sayad no dia seguinte (ontem). Fomos, mais uma vez, meu pai e eu. Segue matéria sobre a Audiência do mesmo Estadão que publicou o texto da Maria Rita Kehl em 2010 e que a demitiu algum tempo depois: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,deputada-bate-boca-com-presidente-da-tv-cultura,880093,0.htm .

O presidente da Fundação Padre Anchieta já começou na defensiva, exaltando a nova grade, os níveis de audiência elevados e afirmando que as questões trabalhistas já estão praticamente resolvidas. Praticamente resolvidas? Belo jeito de se resolver as coisas.

Na hora de dizer que como gestor ele cumpre o que determina a gestão pública: “eficiência, impessoalidade…” e qual é mesmo o outro? Pois é, ele esqueceu justamente a “transparência” – seria isso uma manifestação do inconsciente, Maria Rita Kehl?

Realmente houve um consenso nas falas das entidades, dos coletivos, dos sindicatos e também dos deputados da comissão; do PT, Psol, PCdoB e do PSDB inclusive: a oposição ao fato absurdo de uma televisão pública transmitir o programa TV Folha, uma produção de um veículo privado que é uma publicidade evidente e que, diga-se de passagem, não precisa de apoio para existir, vender ou circular na internet. As questões a ser debatidas são várias, mas concordo com o João Brant do Intervozes que essa em especial é bastante representativa.

Escorregadio, João Sayad não enfrentou esse e nenhum dos debates. Respondeu quase todas as perguntas com “vá assistir à Cultura” ou “você está desinformado”. Sobre isso, duvido que alguém ali, já que todos eram ligados à comunicação de alguma forma, inclusive trabalhadores da própria Rádio e TV, desconheça a situação e a programação, Sayad.

Eu, particularmente, com exceção do Cartãozinho Verde que é uma graça, não gostei dos novos programas e não vejo nenhuma grande novidade. Também não acho a TV Folha de todo ruim; tem um formato interessante, dinâmico como os dias de hoje e a internet (o que o faz tornar-se também superficial às vezes), por isso mesmo acho que o espaço dela no próprio site da Folha é mais que suficiente. A questão está longe de ser a avaliação de qualidade dos programas e muito menos de IBOPE, mas sim os processos de democratização, de participação e representação que devem fazer parte de uma instituição pública.

João Sayad diz que a Cultura é democrática, no jornal da Cultura, por exemplo, sempre escolhem “um debatedor de esquerda e um de direita” e que não vai abrir espaço só pra Folha, vai abrir também pro Estadão. Como disseram, não demora muito pra ter a TV Veja também. A democracia não é linda?

Não concordo que tenha sido propriamente um debate quente, como diz o Estadão (acho que gosto das coisas pegando fogo…). Sim, foi acalorada a defesa que a deputada Lecy Brandão fez do programa Manos e Minas e do Rappin’ Hood, mas foi fria na mesma proporção a resposta de João Sayad, ao alegar que o programa ainda está no ar apesar de não ter “audiência nenhuma”. Ora, fato é que o programa só foi mantido porque houve forte apelo popular, então como é que não tem audiência? Algo estranho.

Não sei se por ser deputada, mas acho que merece mais respeito alguém que começou a carreira na mesma TV Cultura desse jeito: http://www.youtube.com/watch?v=FD0iMdRnZGk&feature=related .

Ficaram e ainda pairam no ar muitas perguntas, como a do Sindicato dos Radialistas, por exemplo: “Onde está a cobertura da TV Folha desse debate?”

O problema é que muitos gestores de cultura, a exemplo do sr. “Cabeça de Planilha”, como Fernando Faro chamou João Sayad em carta aberta, não entendem nada de Cultura.

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