Por Passa Palavra

O mês de junho começou com a grande maioria das universidades federais do país caminhando para greves. Fala-se em greves, no plural, porque as três categorias que compõem oficialmente a comunidade acadêmica – estudantes, professores e técnico-administrativos – começaram a se mexer para cobrar, mais uma vez, as já conhecidas pautas históricas de cada segmento. Além do mais, devido à nova conjuntura em que vive o país do “Nunca Antes…”, que se expressa nas universidades através do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), muitas demandas emergentes e conflitos intracategorias sinalizam para greves diferentes das anteriores, sem, contudo, serem resolvidas as questões internas entre os três setores.

Professores

Os docentes, como gostam de ser chamados os professores, desta vez foram os primeiros a generalizar a paralisação de suas atividades e já se colocam em greve em aproximadamente 50 universidades. Exigindo principalmente reajuste salarial e a reestruturação da carreira, justificam a greve pela falta de efetividade nas negociações com o governo federal. Entretanto, dois elementos caracterizam esta greve como diferente das anteriores, inclusive daquelas que aconteceram durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, onde a pauta contra o “sucateamento” da universidade e por aumento salarial unificava praticamente toda a categoria.

O primeiro elemento é que a expansão das universidades federais promovida pelo Reuni mudou significativamente o perfil dos estudantes e professores. Com algumas universidades chegando a quase dobrar o número de estudantes, aumento não correspondido no número de professores, os novos contratados se submetem a um regime de trabalho muito mais intenso do que os professores admitidos antes do Programa. De acordo com Kátia Lima, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a maioria das vagas abertas pelo Reuni ocorreu nas novas unidades, localizadas principalmente no interior dos Estados brasileiros, ou em unidades em que a pós-graduação não estava consolidada. Nestes locais, a abertura de vagas de graduação fez com que a intensificação do trabalho dos professores aumente e o acesso dos graduandos à assistência estudantil se torna mais difícil, já que faltam moradias estudantis, restaurantes universitários, salas de aula e bolsas de estudo. Como se já não bastasse, a separação entre professores comuns e burocracia acadêmica – tendo os segundos o completo domínio da universidade e acesso aos mais diversificados recursos de empresas públicas, privadas e ministérios, deixando aos primeiros a incumbência de ministrar as aulas e tudo o mais –, agora um novo tipo de professor, muitas vezes sofrendo assédio dos chefes de departamentos, é obrigado a suprir com maior dose de trabalho os novos cursos que surgiram pós-Reuni, sem direito a progressão na carreira ou tempo livre para atividades de pesquisa ou extensão. Estes novos professores são obrigados a dar muito mais aulas do que os antigos e a conseqüência é o acirramento da hierarquização interna na universidade e entre as diferentes unidades de ensino.

Talvez seja esta confusão, oriunda de novas insatisfações e configurações de opressão dentro da categoria dos professores, que deixa em alguns cantos a impressão de que a pauta é muito abstrata. Segundo o professor Climaco Dias, da Universidade Federal da Bahia, “o curso que entrou em greve sem pauta, em minha opinião, vivia esta insatisfação cotidiana que é difícil ser externalizada com pautas”.

Além disto, a novidade é que os professores entram em greve com duas representações sindicais com posições opostas. O ANDES (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), que há 30 anos representava os professores, teve o seu Registro Sindical suspenso pelo Ministério do Trabalho durante cinco anos, por constar em seu estatuto a representação de todos os professores do ensino superior, quando, segundo o Ministério, deveria representar somente os docentes das universidades públicas, incluindo as estaduais. Neste período, foi criado o PROIFES (Fórum de Professores das Instituições Federais de Ensino Superior), com o objetivo de representar somente os professores das universidades federais, já nascendo com 16 associações filiadas. Com a revogação da suspensão do ANDES, hoje passa a haver duas entidades representando a mesma categoria, situação ilegal no país, segundo o critério de unicidade sindical.

Mas parece ser este um problema menor. A diferença mais significativa entre as duas entidades é que o PROIFES insiste na negociação com o governo federal, sendo contra a greve neste momento, e por isso é acusado pelos filiados do ANDES de sindicato “chapa branca”. Enquanto a maioria dos professores das universidades filiadas ao ANDES já entrou em greve desde maio, os filiados ao PROIFES, mesmo em estado de mobilização, ainda aguardam as negociações. Ou, como nos casos da UFBA (Bahia) e da UFG (Goiás), se instaurou um poder duplo, colocando o comando da greve declarada em assembléia em oposição aos professores ligados ao PROIFES, que, no caso da UFBA, em plebiscito após a assembléia geral, rejeitaram a greve. Assim, enquanto uns dizem que estas universidades estão em greve, outros dizem que não.

O caso da UFG merece um pouco mais de atenção, pois foi onde as divergências entre os professores se mostraram mais acirradas. Sendo o sindicato dos professores filiado ao PROIFES, a decisão de deflagrar a greve vem se arrastando há algum tempo. Nos campi de Catalão, Goiás e Jataí os professores entraram em greve ao menos desde 17 de maio. Na assembléia que decidiria o posicionamento dos professores do Campus de Goiânia, a diretoria do sindicato resolveu após uma manobra mal sucedida que não daria continuidade aos trabalhos por conta da presença de professores não sindicalizados. Esta situação gerou um conflito (que pode ser visto aqui) e a diretoria do sindicato se retirou da mesa, mas os 400 professores presentes deram continuidade ao debate e decidiram pelo início da greve a partir do dia 11 de julho. Apesar disso, parte da direção do sindicato não considera a decisão legítima e convocou um plebiscito eletrônico para somente os filiados se manifestarem sobre o indicativo de greve. Entretanto, várias unidades e cursos já estão paralisados, além de já existir um comando de greve local.

Nesta situação os docentes, apesar de serem os primeiros a espalhar a greve pelo país, são a categoria que se apresenta mais confusamente e com maior dificuldade em se somar às reivindicações das outras duas categorias, com grandes dilemas internos para serem resolvidos e com uma dificuldade imensa de unificar a própria categoria, seja pelas clivagens internas reforçadas após a implementação do Reuni, seja pela duplicidade de representação criada após o surgimento do PROIFES.

Estudantes

O perfil do estudante do ensino superior mudou muito no país nas duas últimas décadas, seguindo a tendência global. De uma universidade que já não conseguia mais criar quadros para a gestão do capitalismo moderno, por fatores que não cabe aqui analisar, optou-se pela migração para um modelo de formação de mão-de-obra semiqualificada e adaptável às novas exigências, deixando para outros momentos de formação, geralmente externos à universidade, a renovação dos quadros das elites políticas e econômicas.

Por este fato, e não por outro, foi possível implementar o sistema de cotas para estudantes de escolas públicas, negros e indígenas. O Reuni nada mais é do que a consolidação deste modelo de universidade. Mudando o perfil do estudante, obviamente que novas pautas se incorporariam às antigas, além, é claro, do surgimento de novos métodos de organização e representação.

Esta situação também culmina no agravamento do desinteresse dos estudantes pelas suas instituições de representação (não só a UNE, mas os próprios Diretórios Centrais de Estudantes já não conseguem animar como antes as lutas que surgem dentro das universidades). Outra prova disso é passarem ao primeiro plano as pautas envolvendo assistência estudantil, quando sempre foram periféricas nas lutas dos estudantes de uma década atrás, mais preocupados com reivindicações abstratas e gerais, a exemplo do “derrotar o neoliberalismo” ou da consigna “em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade”.

Na greve estudantil deflagrada pelos estudantes da UFBA na última semana, em uma assembléia com mais de dois mil presentes, estão entre as exigências melhorias no serviço do restaurante universitário, na biblioteca, a construção de mais residências e o aumento do número de bolsas estudantis. Há problemas concretos e cotidianos que estão inviabilizando a formação de um grande número de estudantes. Ainda na UFBA, vários estudantes de diversos cursos declararam greve em suas unidades antes mesmo da assembléia geral, e aqueles poucos cursos que não aderiram, ao contrário de outros tempos não muito remotos, pelo menos se colocaram a favor das mobilizações.

Em São Paulo a mobilização teve como pontapé a greve deflagrada no dia 22 de março pelos estudantes da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da UNIFESP de Guarulhos e parece ser onde os estudantes conseguiram mais avançar na organização da própria luta. Nesta ocasião os discentes apresentaram uma carta à reitoria da unidade, que trazia como reivindicação vários pontos relacionados à infraestrutura: a necessidade de construção de um prédio novo (uma promessa que não sai do papel há 6 anos); a aquisição de um terreno com vistas à implementação de um política de moradia estudantil; serviço de creche, visando atender a demanda de funcionários, estudantes e professores; e a ampliação do restaurante universitário. Vale dizer que desde 2007 os alunos deste campus recém-inaugurado têm tido aulas em instalações provisórias, e também a biblioteca, por conta da restrição de espaço, é insuficiente para acomodar o acervo de livros, do qual 16 mil itens encontram-se encaixotados.

Na UFG (Campus Goiânia) os estudantes decidiram, em assembléia geral convocada pelo DCE em 05 de junho, deflagrar uma greve em solidariedade aos professores também a partir do dia 11 de julho. Iniciaram neste mesmo dia, em conjunto com os professores, debates de esclarecimento dos motivos da greve, além de constituírem um comando de luta próprio. Entretanto, ainda não construíram a própria pauta de reivindicação, chegando a acordo apenas em relação à destinação dos 10% do PIB para a educação. Já na UFG em Catalão há acordo em lutar pela melhoria na assistência estudantil, passando por questões de infra-estrutura, laboratórios, além da criação de creches universitárias e a abertura de concursos públicos para técnicos e professores.

Por último, a situação em que se encontram os estudantes dos novos cursos, principalmente daqueles que surgiram após o Reuni, é muito pior do que aquela que se apresenta nos cursos mais tradicionais. Além do perfil mais proletário, ou talvez por isso, muitos estudantes de cursos noturnos não contam com nenhum tipo de assistência, pois a estrutura administrativa das universidades não foi reorganizada com o Reuni. Essa situação cria uma clivagem dentro dos próprios alunos. Enquanto antes do Reuni a universidade se dividia entre aqueles cursos que eram capazes de captar recursos externos ao orçamento do MEC, mesmo que de fontes estatais, e os que não conseguiam, hoje não só esta separação está ainda mais reforçada, como há, em vários casos pelo país, uma nítida diferença de postura institucional entre os cursos tradicionais e os novos, sendo os novos ainda mais prejudicados. E são os estudantes que mais sofrem com estas segregações.

Talvez em decorrência do perfil mais popular que vai assumindo o público estudantil no âmbito da expansão, um novo elemento deve aí ser agregado ao se pensar as lutas daqui para frente. Desde há algum tempo, em várias outras universidades pelo Brasil, os estudantes têm se valido da ocupação de reitorias como forma de luta, tais como as ocupações na reitoria da USP em 2007, 2009, 2010 e 2011; UFBA em 2007, 2010 e 2011; UFMG em 2008; UFMS em 2008 e 2010; UFSM em 2007 e 2011; UERJ em 2009; UFPR em 2007 e 2011; UEM e UNB em 2011, entre outras. E agora, na atual mobilização estudantil nas universidades federais, isso também se tem verificado em diversos campi. No dia 24 de maio a assembléia dos estudantes da UNIFESP de Guarulhos, por exemplo, decidiu pela ocupação da Diretoria Acadêmica do campus. No decorrer das quase duas semanas de ocupação, o movimento discente promoveu diversas atividades formativas e culturais em espaços autogeridos, procurando envolver a comunidade dos Pimentas, bairro bastante pobre da periferia da cidade. Entretanto, depois de ter seu pedido negado uma vez pela Justiça, a reitoria obteve rapidamente uma liminar de reintegração de posse, cumprida pela Polícia Militar e pela Polícia Federal no dia 06 de junho, o que teve como consequência uma ação repressiva bastante violenta e a prisão de 46 estudantes, sem que houvesse qualquer repercussão à altura. Igualmente violenta foi a ação da Polícia Militar na moradia dos estudantes da Universidade da América Latina (UNILA), em Foz do Iguaçu (ver aqui). Somados a casos já amplamente conhecidos, esses fatos sugerem que, junto com a popularização da universidade, ocorre também um recrudescimento das formas de contenção do movimento estudantil.

Por essas e outras, durante estes mais de 80 dias de mobilização estudantil em São Paulo não foram poucas as situações em que a relação entre estudantes e professores sofreu alguns atritos. Novamente o exemplo de Guarulhos: para além da demora com que os docente aderiram ao movimento grevista, houve já a tentativa de grupos de professores isolados tentarem desfazer os piquetes e acabarem com a ocupação, bem como declarações públicas contrárias à radicalidade assumida pela luta dos estudantes.

Óbvio está, inclusive para os próprios estudantes, que em uma greve na universidade os maiores prejudicados são eles mesmos, além dos pacientes dos hospitais universitários. E diante do quadro de indecisão dos professores, no qual alguns estão aderindo à greve e outros não, o caminho mais sensato pareceu ser o de paralisar por completo as aulas. O dilema para os estudante parece ser o de manter uma greve onde a parte mais fraca são eles mesmos, além dos maiores prejudicados, e que a qualquer momento podem ser descartados pelas outras categorias.

Técnico-administrativos

A situação dos técnicos é mais simples por um lado, porém mais delicada por outro. O sindicato da categoria conta com muito mais prestígio do que os dois sindicatos de professores em atividade e da UNE juntos. Não que não haja pressões e disputas internas, pelo contrário. Crescem a cada dia os movimentos independentes e a força dos partidos políticos menores dentro da carreira dos técnicos das universidades federais. A questão é que a derrota na última greve de 2011, no qual o governo nem sequer negociou com a categoria que tem por slogan “o pior salário do serviço público federal”, juntando com as péssimas condições de trabalho a que estão submetidos estes trabalhadores, é um convite irresistível à greve e qualquer medida do sindicato no caminho contrário constitui uma manobra suicida. Foi assim que os técnicos da UFBA, com apenas dois votos negativos em uma assembléia com aproximadamente 400 trabalhadores, declararam no último dia 11 a adesão à greve nacional, que deve se iniciar 72 horas após a deflagração. O mesmo aconteceu na UFRB (Recôncavo Baiano). Além disto, foi aprovado o fundo de greve de 1% da remuneração de cada servidor por mês de greve. Entrar em greve, pelo menos para os servidores, e fazê-la de fato acontecer, é bem mais simples do que para as outras duas categorias.

Na UFG, em assembléia realizada no dia 12 de julho, com mais de 300 servidores técnico-administrativos, foi aprovada a greve por maioria absoluta, seguindo a recomendação nacional da FASUBRA. Durante o ponto de avaliação da greve, discutiu-se rapidamente sobre a necessidade de fazer com que os trabalhadores terceirizados paralisem suas atividades, que as obras do Reuni sejam interrompidas, que o funcionamento do Hospital das Clínicas da UFG seja discutido mais detalhadamente e, por fim, a presidente do sindicato local defendeu que o Comando de Greve não pode ser rotativo e que a decisão de paralisação das unidades deve ser decidida por este Comando e não pelos trabalhadores de cada uma das unidades.

Entretanto, ainda na UFG, a polêmica maior ficou em torno de como seria feito o desconto de 1% na folha salarial para compor o fundo de greve. Após a presidente do sindicato afirmar haver em caixa R$192 mil decorrente do fundo de greve realizada em 2011, alguns trabalhadores questionaram a necessidade de se realizar nova contribuição. Dizendo que “não tem greve sem dinheiro”, a presidente apontou a necessidade de destinar uma porcentagem à FASUBRA. Neste sentido foram apresentadas três propostas – contribuição voluntária; contribuição compulsória; ou, contribuição de acordo com a necessidade durante a greve, decidida posteriormente em nova assembléia – sendo a segunda proposta aprovada.

Os representantes dos campi de Jataí, Goiás e Catalão, no interior do Estado, declararam que os servidores destas unidades estavam à espera da decisão da assembléia para saber qual posição adotar.

É importante lembrar que a greve nacional dos técnicos em 2011 foi derrotada não somente porque o governo nem sequer se prontificou a negociar com o movimento grevista, mas porque foi uma greve isolada dentro do contexto das universidades e dos servidores públicos no geral, ao contrário deste ano, em que diversos setores estão se mobilizando. Além do mais, foi uma greve que em vários locais não sensibilizou os trabalhadores, que praticamente não fizeram nenhuma atividade mais significativa além do não comparecimento em seus locais de trabalho, com um número muito elevado de fura-greves.

O que complica, entretanto, é a quantidade de clivagens existente dentro da categoria, que dificulta a construção de uma pauta que agrade a todos. O governo tenta a todo momento separar os ativos dos aposentados, e separar os técnicos de nível médio dos de nível superior. Os trabalhadores das unidades de ensino são tratados de forma diferente dos trabalhadores das unidades administrativas. É uma categoria que agrega tanto trabalhadores submetidos a regimes de exploração mais intensos, como médicos e administradores, até trabalhadores submetidos a sistemas mais opressivos, como motoristas, cozinheiros, etc. Tudo isso só dificulta ainda mais a unificação de interesses e de métodos de luta.

Como se não bastasse, parte significativa dos trabalhadores das universidades é formada por terceirizados, e nem sequer têm o direito a greve garantido. Estão fragmentados em inúmeras empresas de intermediação de mão-de-obra e fundações de apoio, com contratos de trabalho precários e regimes de exploração mais opressivos e mais intensos do que os trabalhadores estatutários. Quando os técnicos estatutários declaram a greve, cabe aos técnicos terceirizados manter a universidade em funcionamento, aumentando significativamente o volume e a intensidade dos trabalhos e, consequentemente, criando antipatias entre os dois tipos de trabalhadores, que passam o resto do ano trabalhando lado a lado sob regimes e condições de trabalho totalmente diferentes.

Outros exemplos desta fragmentação não faltam. Os profissionais da área de saúde, principalmente dos hospitais, têm bem claros os motivos que os mobilizam, como redução da carga horária e garantia do adicional de insalubridade. Na UFBA, os novos trabalhadores, incorporados ao serviço após o Reuni, lutam pelos “turnos contínuos”, medida que garantiria a jornada de trabalho de 30 horas, além do combate ao assédio moral exercido principalmente pelos professores que têm poder de gestão nas unidades de ensino. Ainda há os trabalhadores mais qualificados, de nível superior, que alegam ter salários bem menores do que a média de mercado e não terem o seu espaço dentro da universidade reconhecido, apesar de serem tão qualificados quanto os professores. Para muitos destes últimos seria mais conveniente ter suas carreiras separadas das dos demais técnicos e assim negociar diretamente com o governo federal através da sua própria representação. São pautas que às vezes emergem, mas que na maior parte do tempo estão a mobilizar e a fragmentar os técnicos de forma subterrânea.

Assim, é impossível negar que a principal reivindicação dos técnicos das universidades federais é o aumento salarial. Mas há muitas outras demandas reprimidas e ainda há a repressão pura e simples, à qual muitos estão submetidos, seja pelas hierarquias criadas dentro das universidades, seja pelas péssimas condições de trabalho.

E o que unifica a todos?

Qualquer um que freqüentou uma universidade pública no Brasil sabe que a relação entre as três categorias não é nem um pouco harmoniosa. Há uma concentração absurda de poder nas mãos dos professores e, agora, dentro dos professores, há ainda mais concentração na minoria que compõe a burocracia acadêmica.

Os estudantes, que são tratados muito mais como produtos do que como produtores da universidade, formam a parte mais rasteira desta hierarquia. Mas são os técnicos, os terceirizados e os professores recém-contratados que sofrem mais intensamente com as relações de exploração. Diante deste quadro há muita pouca confiança de uma categoria frente à outra, apesar dos estudantes sempre se solidarizarem com a luta dos professores, sem quase nunca serem retribuídos. Dentro da categoria dos técnicos há um sentimento de que a luta é dupla e não se expressa somente contra o governo, mas também contra os próprios professores, que em muitos casos os tratam como trabalhadores de segunda categoria (e deve ser por isso que os terceirizados receberam tal denominação). Há uma insatisfação generalizada contra o governo federal e o PT, mas há também uma revolta muito grande contra as relações de poder estabelecidas dentro das universidades.

As tensões dentro da universidade só aumentaram nos últimos anos e é em momentos como este, no qual as três categorias se propõem a construir greves isoladas, que se percebe que a ideia de “comunidade acadêmica” na realidade não existe. Construir uma única greve, unificada, poderia valer mais do que as três em curso, mas antes disso as hierarquias criadas dentro da própria universidade teriam que ser questionadas.

Em breve publicaremos entrevista(s) a respeito do tema.

8 COMENTÁRIOS

  1. A diretora-presidente do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg-Sindicato), Rosana Borges, declarou há pouco que os professores sindicalizados da UFG decidiram nesta quarta-feira (13) que a entidade deve entrar em greve. A apuração não havia sido concluída até as 23h15, mas relatório online indica que o apoio à paralisação da UFG a partir da segunda-feira (18) teve a maioria dos votos no plebiscito realizado pelo sindicato entre as 8h e 22h de hoje.

    Mesmo com a entrada oficial em greve, que deve ser comunicada à reitoria da UFG na quinta-feira (14), a diretoria da entidade não reconhece o comando local grevista composto por professores no dia 6 de junho. O grupo de docentes, que continuou a assembleia geral na última quarta-feira (6), decidiu pela paralisação das atividades desde a segunda-feira (11). “Está na lei, não há greve sem a participação do sindicato”, explicou Rosana. A direção do Adufg também defende que essa assembleia não chegou a acontecer.

    http://www.ohoje.com.br/noticia/2210/greve-comeca-na-segunda-diz-diretora-do-adufg

    Ou seja, em Goiânia muita coisa ainda irá acontecer…

  2. Na UFMG recentemente as cotas (bônus social) foram diminuídas e não se ouviu nem mesmo uma voz indignada, como escrevi aqui http://www.doutorsujeira.blogspot.com.br/2012/05/greve-nas-universidades-federais-bh-tec.html

    Sua análise contém alguns pontos discutíveis, mas é bastante realista. Isto ocorre porque, em parte, o governo retomou a política do achatamento salarial e, por outro lado, a lógica produtivista e individualista da exploração do trabalho se instalou nas 3 categorias, imobilizando-as em troco de uma “expansão” quantitativa que pode se transformar num encolhimento qualitativo.

  3. Repasso aqui o texto-reflexão produzido por uma colega grevista na UFG. no começo da mobilização estudantil grevista Engraçado como as coisas se encaixam!

    Mobilização grevista não é siga o mestre.

    Você pode estar seguindo um sem ao menos saber quem é, mas ele tá na cara.Tá na cara sim, e você o faz ao andar em círculos em torno dele. Como assim? Uai, é simples: ao se calar.Não se cale. Não crie calos com caminhadas sem destino. Use de malicia. Fique esperto. Abra o olho. O trem é sério.

    Mobilizar não é se imobilizar pelos imbecis. E quem são eles? Deixarei o espaço aberto. Para os imbecis a porta está escancarada.Há imbecis de diversas formas. E você acaba os seguindo com sorriso no corpo. Escuta o que estou te falando. A manha é: não aceite com ahã. Desfoque um pouquinho da sedução dos gritos de ordem, batucadas sincronizadas e pisadas fortes no chão, greve não é recreação.

    A questão é a Universidade. E isso não é brincadeira. Greve não é festa. Ah tá, você acha que é a sua oportunidade de se sentir engajado por uma causa? E você acha que sua participação se limita a juntar-se a outros e ficar só de “barulho” ? Pare no meio de uma dessas manifestações e observe criticamente ao redor. O que vê? Abriu os ouvidos? O que houve? Pulos, gritos e corres desgastam. E a mente? Tá boa? São sempre os mesmos discursos, muitos deles gastos. Falta-nos pensar, mas pensar mesmo. Refletir, botar no papel soluções possíveis. Não venho colocar em cheque a importância da mobilização oba-oba, mas isso não nos trará reestruturação. Não estamos num jogo de conquista, não precisamos posar para fotos e marcar-nos mutuamente no facebook. Relendo vi a palavra “reestruturação”, peço o perdão da palavra. Não precisamos de estruturas pois é por conta delas que estamos num inferno . Contra essas estruturas impostas que colocam professores e alunos em pirâmides, que temos que lutar. Parece um video-game né? Saca quando você acha que tá no fim da linha,pronto para ser banhado pela glória daí aparece uma nova fase e para você saltar para essa nova fase você precisa matar um gigante. O trem tá nesse esquema e estranhe, estranhe muito! O professor tá na esteira, e há estrelinhas que serão preenchidas a medida que ele prova por papelada de titulo, de artigos e por ai vai que é competente. É preciso voltar a pensar a Universidade, deixar de lado essa ideia de fábrica de mão de obra. O Brasil precisa de mais pensadores insubordinados e independentes. A universidade deveria ser um espaço para isso, mas os afazeres impostos engessam essa prática. Esse discurso de que é preciso ter na parede um diplominha para ser alguém na vida… Qualé! Muitos estão na universidade apenas por esse motivo, pois é isso que é vendido pelo governo. Reunião de trabalhadores pela economia da nação. E onde estão os frutos? Não há frutos, é desesperador. A universidade tem que ser um espaço criativo para surgimento de multiplicadores e não de trabalhadores formais.

  4. O texto é bastante rico em detalhar as diversas situações da greve, seus conflitos e contextos diversos, entretanto, seria relevante se pudessemos olhar no fundo do tacho de buscar elaborar outras perguntas:

    a) quem está falando, a partir de onde? Isto é, quais são os elementos políticos constitutivos dos discursos assinalados? Por debaixo do “difuso” quadro, parece existir uma clara polaridade entre o discurso de “oposição” , expresso no ANDES, e um avantajado discurso “situacionista”, defendido pelo PROIFES, a cada um segundo seus lugares de poder. Apesar disso existem pontos de contatos em um e outro, essencialmente o “modelo” de luta, um forte enraizamento na institucionalidade, o modelo sindical, as formas e consensos, etc.;

    b) As contradições entre Professores “novos” e Professores não monta explicação algumas acerca dos diversos elementos de biopoder de um e de outro. Tampouco é esclarecedor das diferenças entre essas diferentes “classes funcionais”, os discursos diferenciados que permeiam cada um desses campos;

    c) É de interrogarmos um fato ausente na greve/texto: Porque o movimento, desde muito tempo aliás, tornou-se incapaz de dialogar com a sociedade, os “de fora” dos muros universitários? Útil lembrarmos que umas das coisas interessante das ocupações estudantís foi essa capacidade de se conectar com “o fora” , criando porosidades entre os ocupas, passando por pais de alunos/as, criando pontos de fuga para fora do campus. Por que isso não se opera na greve atual?

    d) A greve, reconhecendo seu volume muito maior que anos anteriores, também deixa exposta a incapacidade do movimento de criar fluxos de comunicação fora da “grande mídia”. O fatos da greve presentes nos jornalões é mera “coincidência” entre essas mídias e as contradições com o bloco de poder, no caso o governo Dilma. A greve, então, consegue gavalnizar alguma “atenção”, menos por protagonismo próprio;

    e) É de destacar que a greve não foi capaz de nenhuma ruptura do ponto de vista da organização, tampouco aponta novas narrativas políticas. Retrato de um esgotamento que não é de agora, surfa não precariedade universitária. Nenhum debate sobre pesquisa e extensão, quando muito, de maneira lateral; Ou seja, o movimento ainda segue subalterno à toda uma ordem política cujo tópico fica centrado em torno das “estruturas”, justo núcleo que deveria sofrer a crítica do movimento;

    f) As relações Professor x Aluno prossegue no silêncio, um tipo singular e alienante de relação de Saber/Poder.

    g) Por fim, o lemos a todo instante o comando -das duas centrais-socorrer seus discursos emitindo a todo tempo um discurso judicializante, bem ao gosto do Estado. É como àquele treinador que só joga com o regulamento, incapaz de atirar-se ao impossível, sendo razoável.

  5. Gostei da matéria, ela expressa bem como está a nossa universidade pública e os setores que a compõe. Achei um pouco dúbio a exposição dos problemas internos de cada segmento (no sentido de servir a quem essa propaganda… aos trabalhadores e estudantes em luta, ou ao governo e a burguesia que tenta privatizar nossa educação), pois não fica claro qual o caminho para unificar professores, técnicos e estudantes, as vezes passa uma ideia de que não tem como unificar e no final coloca a proposta de greve unificada. Acho boa a proposta da greve unificada, uma greve da educação, indo além e incluindo a educação básica que é um outro segmento que está em uma profunda crise. Mas até chegar lá, muitas coisas temos que avançar como bem foi exposto.

  6. Gostei muito do comentário de Carlos Alberto. Creio que é muito sintomático, de fato, que as atividades extra-sala ocorram normalmente em quase todos os ambientes acadêmicos, pois os prazos não param. Em relação a isto, não vejo crítica nem mobilização coletiva, a lógica da competência parece ter jogado uma pá de cal na reflexão.
    Tem o lattes, ele fala mais alto e isso parece a todos muito justo.
    Sobre o movimento estudantil, o artigo me pareceu excessivamente idealizador. A afirmação:”os estudantes decidiram em assembleia” ainda parece supor que isso seja informação suficiente para qualificar qualquer movimento e garantir que ele seja democrático. Eu não acho que seja assim. Se a assembleia é ainda a forma mais efetiva de democracia quando há participação e envolvimento, também é verdade que o estudante médio atualmente, e pelo motivo tantas vezes mencionado da expansão desenfreada, é profundamente despolitizado. E há, em muitos casos, uma auto intitulada vanguarda, que sabe que a assembleia é o lugar da tomada de decisão legítima, mas que não tem o mínimo compromisso pedagógico com a militância, leia-se com a construção de assembleias de representatividade crescente, com a interlocução com a sociedade em busca de seu apoio, através da exposição da legitimidade dos motivos e das práticas grevistas. Esta vanguarda tem a clara intenção de promover a si mesma, e o resto lhe parece indiferente. Os estudantes não seriam invisíveis se construíssem suas pautas e lutas com o mínimo compromisso com a interlocução. Mas não há este compromisso, ao contrário, há uma prioridade das disputas internas entre grupos (que por sinal costumam ter orientações políticas bem semelhantes).
    Esta vanguarda que escolheu as ocupações e a greve como instrumento de lutas prioritário não sofre com a paralisação das aulas nem com a depredação das instalações, por que não tem o perfil médio do estudante pobre recém-incorporado ao ensino superior. Este está e vai continuar indiferente às lutas, enquanto os instrumentos ignorarem não somente os seus interesses, mas sua existência. Então, em última instância, a falta de prioridade da interlocução não é apenas autoritária, mas também incorre em discriminação de classe. Daí, o proletariado estudantil fica mais propenso a querer a polícia, a apoiar a repressão.
    Eu acho que a esquerda não faz a crítica deste movimento estudantil atual porque o trata como criança.

  7. Não gostei da análise que faz uma relação negativa entre a baixa qualidade da formação dos educandos e a entrada de estudantes pobres nas universidades. Parece uma relação ruim e determinista.

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