Por Fagner Enrique
Charles Darwin interpretou a natureza como o lócus regido pela lei da sobrevivência do mais apto. Isso faz de sua obra uma vulgar projeção da ideologia liberal na representação do mundo natural? Ou, na verdade, foram os liberais, incluindo aí talvez o próprio Darwin, que sempre se inclinaram a extrair, de maneira ilegítima, conclusões ideológicas conservadoras e reacionárias de um conjunto de observações e considerações objetivas – e, portanto, honestas –, as quais constituíram o que chamamos hoje de ciências biológicas? Creio ser esta a hipótese correta. Portanto, para mim, Charles Darwin acertadamente interpretou a natureza como o lócus regido pela lei da sobrevivência do mais apto. Inevitavelmente, porém, os ideólogos do capital não conseguiram, e nem podiam, resistir à tentação de com isso tentar legitimar, naturalizando-a, uma ordem social baseada na egoísta e brutal competição entre seus membros individuais, os quais lutam encarniçadamente entre si pela sua sobrevivência num mundo regido pela lei do mercado. Não resistiram em transpor a lei da sobrevivência do mais apto da natureza para o lócus das relações sociais, visando legitimar e naturalizar o relacionamento mutuamente e necessariamente predatório dos indivíduos em uma sociedade capitalista, aludindo ao relacionamento mutuamente e necessariamente predatório da maior parte dos seres vivos no mundo natural. A meu ver, portanto, a obra de Darwin não pode ser qualificada como puramente ideológica: trata-se de uma obra que, como toda a obra científica, tende à objetividade, pois não prescinde de sua comprovação empírica, nem da articulação coerente de seus conceitos, nem da honestidade e do comprometimento científico com a verdade daquele que a produz.
Segundo Stephen Jay Gould, a teoria da seleção natural de Charles Darwin só alcançou a hegemonia no âmbito intelectual e acadêmico a partir da década de quarenta do século XX “e, mesmo hoje em dia, embora constitua o núcleo da teoria evolutiva, é mal interpretada, mal aplicada e citada erroneamente” [1]. Mas se, de um lado, o darwinismo começou a ser levado a sério tão tardiamente, de outro, estamos hoje diante de uma nova desqualificação do darwinismo por parte da ecologia, bem como por parte do criacionismo [2]. Ao contrário de uma natureza governada pela lei da sobrevivência do mais apto, vemos a ecologia postular o princípio de uma natureza governada por uma suposta lei do equilíbrio e da harmonia naturais. Não há maneira de se ver as coisas mais longe da realidade [3]. Apesar disso, a seleção natural de Darwin ainda goza de grande prestígio nos âmbitos intelectual e acadêmico, fazendo com que os ambientalistas menos propensos a uma avaliação científica de suas teorias encontrem um sério obstáculo à sua propagação. O que não os impediu de encontrar a solução:
Vemos hoje proliferarem nas universidades departamentos dedicados à ecologia, pela simples razão de que os ecologistas são incapazes de defender as suas doutrinas nos departamentos comuns, perante os colegas cientistas. Nos seus departamentos próprios os ecologistas sentem-se protegidos — burocraticamente protegidos — e podem lançar-se na caça às bruxas contra o resto das universidades e dos institutos [4].
De fato, quando deixamos de levar tão a sério as ilusões da ideologia ecológica – que, como toda ideologia, baseia-se na inversão das realidades –, nos tornamos capazes de perceber que o mundo natural é, na verdade, não um mundo idílico, como querem fazer-nos crer os ecológicos, mas um mundo hostil, brutal, em suma, selvagem. Um mundo repleto de relações predatórias entre a maior parte dos organismos, repleto de interações hostis entre as diversas formas de vida e de momentos em que a hostilidade recíproca entre estas formas de vida é interrompida, provisoriamente, pela destruição comum de todas elas por parte da dinâmica incontrolável dos elementos naturais inanimados.
Nada disso, contudo, justifica – como querem os liberais, que extraem conclusões ideológicas espúrias da obra darwiniana – que os homens estabeleçam entre si, e reproduzam eternamente, tipos de interação que podem ser qualificados, em uma só palavra, como selvagens ou, talvez, melhor ainda, como bárbaros. A selvageria do mundo natural não deveria legitimar, entre nós, como o faz para alguns, a barbárie das relações sociais. Além do mais, o próprio Darwin nutria suspeitas em relação ao chamado “darwinismo social”[5], o qual estabeleceu relações íntimas com a eugenia, o racismo e o genocídio racial praticado na, e fora da, Europa, antes e depois da ascensão dos nazistas ao poder na Alemanha. Lembremos, aliás, que o pai da ecologia foi um biólogo chamado Ernst Haeckel, o qual é largamente associado à teoria da eugenia, ao antissemitismo, ao racismo e ao nacionalismo germânico que esteve nas origens da ideologia do partido nazista, elementos que não encontram qualquer analogia com o pensamento de Charles Darwin [6].
Afinal, apesar de o gênero humano ter iniciado sua trajetória no mundo natural, ou no mundo selvagem, como prefiro, uma das características dessa trajetória é a descoberta e o desenvolvimento – não ininterruptos, claro –, por parte do gênero humano, de suas múltiplas potencialidades de desselvatização progressiva, os quais se refletiram tanto na composição morfológica [7] quanto na composição social do gênero humano. Mais diretamente: 1) o gênero humano não é apenas proveniente do mundo selvagem, como descobriu também ser capaz de separar-se dele, em sua constituição física e mental – além de ter descoberto como desselvatizar também, pela domesticação, boa parte dos animais e plantas com que foi estabelecendo convivência; 2) daí decorre a criação, inteiramente original, por parte do gênero humano, de um outro mundo separado do mundo selvagem: a sociedade, a qual é produto único do esforço intelectual e do labor do gênero humano; 3) na trajetória de descoberta e de desenvolvimento da sociabilidade, tanto se desenvolveram relações sociais marcadas pela barbárie, pela opressão e pela exploração etc., quanto relações sociais marcadas pela solidariedade, pela liberdade e igualdade etc., relações mescladas no tempo, numa trama difícil de reconstituir e compreender: a selvageria convivendo com a humanidade, num só processo, com momentos de predominância relativa de uma sobre a outra.
Aliás, qualquer menção a uma suposta propensão natural da humanidade para a barbárie serve, no máximo, para se constatar o mais completo desconhecimento das práticas e das relações sociais fraternais que foram pelo menos esboçadas ao longo da trajetória histórica da humanidade. Não é só a tragédia da opressão e da exploração humana que caracteriza a nossa história, mas também os momentos de vitória, pelo menos parcial, de um princípio novo de convivência, não mutuamente predatório, entre os indivíduos humanos. Além do mais, pela própria natureza morfológica do gênero humano, a colaboração foi ditada pela necessidade de sobrevivência num mundo hostil.
Tudo isso é ignorado pelo bom ecológico, para quem o ser humano é o predador por excelência, ao passo que na natureza impera a interação harmoniosa entre os seres e os elementos naturais, uma visão de mundo não pouco carregada de uma boa dose de misantropia (aliás, ecologia e misantropia, se não são parentes próximas, namoram-se perdidamente desde que se viram pela primeira vez: que o diga a trajetória de um Adolf Hitler).
Outro fato que os ecológicos – pelos menos os mais ávidos em denunciar a “destruição” do meio ambiente pelos seres humanos – procuram, não menos avidamente, ignorar é o de que o domínio e o controle da natureza pelo homem foi, e é, uma necessidade de sobrevivência para o homem, o qual se viu, desde que o foi capaz, imerso num mundo selvagem e hostil. Trata-se, na verdade, da reação, desesperada e (por que não?) heroica, dos nossos antepassados, contra as hostilidades provenientes do mundo natural, orgânico e inorgânico, animado e inanimado. Para reagirem à agressão recorrente dos predadores, do clima etc., os seres humanos tiveram que acumular, progressivamente, os conhecimentos e as técnicas necessários para controlar e submeter, também crescentemente, tais seres e elementos. Se o homem caiu, no decorrer desse percurso, sob o jugo de novos predadores, predadores sociais – as classes dominantes, opressoras e exploradoras –, isso não se deve a uma suposta natureza humana opressora, uma suposta “vontade de poder” foucaultiana, mas ao surgimento de adversidades, as mais diversas, que impulsionaram os seres humanos para o barbarismo [8].
A conquista, alcançada a duras penas, do direito à supremacia sobre a natureza dá lugar, daí em diante, à luta pela supremacia do trabalhador, ou do produtor direto, sobre os “predadores sociais”. O desafio é levar esta luta adiante sem abdicar da conquista anterior: sem desvalorizar por completo o esforço dos homens, desde a Idade da Pedra, passando pela Revolução Neolítica, até à era das Revoluções Industriais modernas. O desafio é levar a luta adiante, não para trás – aliás, a roda da história só gira numa direção, e bem sabemos qual é –, sem perder de vista que toda luta já empreendida pelo gênero humano e que representou para ele um ganho em humanidade foi sempre antropocêntrica.
Dito isto, alguns ecológicos devem estar agora costurando meu nome na boca do sapo (ou coisa do tipo…), já que não terão, certamente, argumentos objetivos – e, portanto, racionais – para me refutar. Numa discussão séria que já tive sobre isso, com pessoas “ecologicamente e politicamente corretas”, e que antes me tinham em boa estima, estas mesmas pessoas chegaram a sugerir que eu deveria ser conduzido, por pronunciar tamanho sacrilégio, ao “paredão”: parece-me, portanto, que a associação da ecologia com o fascismo, a que procede João Bernardo, não só é historicamente correta, como realmente presente à nossa volta.
Recomendar-lhes-ia a leitura da análise de Pierre Lévêque das “obras de arte” do período paleolítico, pintadas nas cavernas, feitas em relevo ou em estatuetas, que são, na verdade, “obras de religião”. Diz, sobre isso, o autor (a citação é longa, mas útil para nossos propósitos; portanto, rogo pela paciência do leitor):
[…] mostram o aparecimento de uma vigorosa produção fantasmática que multiplica, nas paredes, as representações animais e, em alto-relevo, as divindades femininas cujo sexo, peito, nádegas são engrandecidos de maneira expressionista a fim de melhor revelar nelas, Mães de fecundidade, que devem de resto desempenhar um papel mais complexo de senhoras dos animais, da caça, da lua, dos antepassados… […] é todo um imaginário povoado de animais e de mulheres que aparece nas figurações: animais que não são os da floresta, os da caça cotidiana, mas como que as suas hipóstases, potências reguladoras da caça e dispensadoras das energias da floresta; mulheres que também são seres sobrenaturais, deusas. Entre estes dois setores existem interligações que restabelecem a unidade do universo, por exemplo, hierogamias das Mães de fecundidade com grandes cornudos, primeiro aparecimento de um tema que não cessará de fecundar a imaginação religiosa, através do Neolítico e do Bronze, até à Grécia das cidades. Portanto é num outro mundo, superior ao da realidade cotidiana, um mundo sobrenatural, que deve ser procurado o sentido da vida, que pode ser encontrado o apoio tutelar de forças todo-poderosas que permitem aos indivíduos e ao grupo escapar aos terrores da floresta e agir: tal me parece ser, de fato, a mensagem das representações plásticas. E nenhuma constatação mais significativa pode ser feita sobre as continuidades do paleolítico: com efeito, para todas as religiões das sociedades antigas que estudamos, o mundo sobrenatural duplica o da experiência direta, explica-o e justifica-o. É composto de poderes com os quais se pode comunicar, estabelecer relações de oferta e contraoferta e que trazem respostas às interrogações, às angústias dos grupos humanos, desarmados perante a Natureza, em virtude do seu fraco nível tecnológico. Esta duplicação poderá assumir, mais tarde, formas mais elaboradas, filosóficas, como o mundo das ideias do idealismo platônico, mas é no imaginário paleolítico que tem as suas origens [9].
A descrição de Lévêque – do mundo natural a que reagiam os seres humanos, também no plano ideológico, construindo um imaginário de divindades tutelares, protetoras da humanidade frente às hostilidades do mundo selvagem – é bem diversa das idílicas representações, dos nossos ideólogos ecológicos, de uma natureza governada pela lei da harmoniosa interação entre os seres naturais, e entre estes e os elementos naturais. Mas, como nossos bons ecológicos não são devotados ao estudo da história – como o são ao estudo de obras representativas do pensamento irracionalista pós-moderno, do multiculturalismo etc. –, não conseguem perceber os fatos que se lhes acenam, bem debaixo de seus narizes.
Poderia eu, então, convidar os estudantes vegetarianos (ou “veganos”) e ecologicamente corretos de nossas universidades federais – muitos dos quais vivem no conforto dos melhores condomínios de luxo – a viver, um dia somente, numa das selvas inabitáveis do vasto território brasileiro, para ver se conseguiriam suportar os rigores da natureza real, a natureza selvagem. Seu equívoco está em conceber idilicamente a natureza: a única “natureza” idílica que existe é aquela que é produto do esforço criativo dos seres humanos. A natureza que é produto do esforço criativo da seleção natural é hostil e selvagem. Os ecológicos não são capazes de perceber isso, talvez porque nenhum deles possui ânimo suficiente para levar seu discurso às últimas consequências e proceder ao into the wild, revivendo a experiência dramática, desastrosa e, para mim, infeliz de Christopher McCandless, mais conhecido como Alexander Supertramp [10].
Caem os ecológicos, portanto, numa série de contradições, entre seu discurso e sua prática, e no interior de seu discurso mesmo. O próprio Stephen Jay Gould, que pretende ser um darwinista ortodoxo em muitos de seus escritos, rende-se a contradições quando manifesta suas opiniões ecológicas. Segundo o autor, os seres humanos pensam que detêm o direito de controle e domínio sobre os seres e elementos naturais porque foram acostumados, pela tradição bíblica, a pensarem a si mesmos como o produto mais elevado de um processo preordenado, algo que se mantém na teoria evolucionista de extração positivista. Poderíamos replicar que pretendemos controlar e dominar os seres e elementos naturais não por termos recebido um dom divino, mas por tê-lo conquistado por nosso próprio esforço. E não porque somos o produto mais elevado de um processo preordenado, mas por sermos o produto mais elevado de um processo aleatório.
Não fomos bem dotados fisicamente, pela natureza, para nela sobreviver, o que é abordado pelo próprio Stephen Jay Gould nos ensaios nº 7 e 8 da obra já citada. Por isso, tivemos que desenvolver nossa inteligência ao nível da consciência agora existente e, assim, conquistamos nosso direito de domínio sobre a natureza, ainda que tal domínio não se tenha efetivado ainda por completo. Mas isso não foi apenas uma conquista, a conquista veio de mãos dadas com a necessidade: não temos, por conseguinte, o direito de renunciar a esta conquista, porque se o fizermos estaremos renunciando, ao mesmo tempo, à nossa capacidade de sobrevivência ou, pelo menos, ao direito de sobrevivência de parte considerável das camadas subalternas da população mundial, a parte dispensável dessa parcela, que conhecemos pelo nome de “exército industrial de reserva”. Por isso, devemos concordar com João Bernardo num ponto importante de sua argumentação: chegamos a um ponto em que o retorno, a renúncia à civilização urbano-industrial etc., seria um genocídio.
Notas
[1] GOULD, Stephen Jay. Darwin e os grandes enigmas da vida. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 1.
[2] Sobre a reemergência dos postulados criacionistas no âmbito acadêmico, seria interessante consultar o artigo de Maurício Vieira Martins, “De Darwin, de caixas-pretas e do surpreendente retorno do ‘criacionismo’”, disponível em: http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v8n3/7654.pdf.
[3] Segundo João Bernardo, “não há qualquer equilíbrio natural. Todos os elementos da natureza exercem permanentemente efeitos recíprocos, de forma que a estrutura das suas relações está constantemente a ser modificada” (BERNARDO, João. O inimigo oculto. Ensaio sobre a luta de classes. Manifesto anti-ecológico. Porto: Afrontamento, 1979. p. 155).
[4] Trecho do artigo “Ecologia, a fraude do nosso tempo”, de João Bernardo, disponível em: http://passapalavra.info/?p=53719.
[5] GOULD, Stephen Jay. Darwin e os grandes enigmas da vida. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 28.
[6] Sobre isso, conferir o artigo de Daniel Gasman, “From Haeckel to Hitler: The Anatomy of a Controversy”, disponível em http://www.ferris.edu/ISAR/haeckel-to-hitler.pdf. Diz o autor: “Um grande abismo separa os dois homens. Darwin não sugeriu que a teoria da geração espontânea tinha sido empiricamente verificada, como Haeckel fez. Darwin não fez prosélitos em nome de uma religião evolucionista que deveria substituir o cristianismo, nem acreditou na existência de um Espírito Absoluto, ou no pan-psiquismo, ou sugeriu uma predileção pela mágica ou pela teosofia, tanto quanto o fez Haeckel. Darwin não articulou um compreensivo plano de eugenia racial para a regeneração da sociedade, nem era Darwin um antissemita, acreditando que a tradição bíblica era a raiz da fraqueza da civilização europeia; nem foi Darwin um oponente do liberalismo. Haeckel foi absolutamente insistente em sua sustentação da existência da raça ariana e ele doou explicitamente a sua autoridade científica às teorias racistas da história do conde de Gobineau, dificilmente uma visão de mundo que Darwin teria assinado. Darwin era um abolicionista, mas Haeckel acreditava na inferioridade intrínseca dos povos africanos e usou uma linguagem altamente carregada de elementos depreciativos para referir-se a eles, o que seria repugnante para Darwin. A realidade óbvia é que o darwinismo de Haeckel representa um universo intelectual e ideológico totalmente à parte do de Darwin” (para que o leitor possa desvencilhar-se dos meus possíveis erros de tradução é que serve o link disposto logo acima, onde se poderá apreciar o texto original em inglês).
[7] Emprego o termo “morfológico” no sentido utilizado por Stephen Jay Gould, na obra já citada: o autor refere-se às formas da constituição física dos organismos, à sua anatomia mesmo.
[8] Num recente comentário a um artigo seu publicado (ou não publicado) neste site, fez João Bernardo uma interessante colocação sobre a abordagem psicológica dos fenômenos históricos: “O certo é que não creio que possamos ir muito longe com uma interpretação psicológica dos fenómenos históricos, porque a tal ânsia pelo poder, se existe como dado psicológico, então é supratemporal e não explica um fenómeno, neste caso o fascismo, que é localizado no tempo. Ou, se admitirmos que a psicologia resulta de uma conjuntura histórica, então é esta conjuntura que devemos explicar”. O referido artigo (ou “não-artigo”) encontra-se aqui: http://passapalavra.info/?p=63916.
[9] LÉVÊQUE, Pierre. As Primeiras Idades do Homem: a Pedra e o Bronze. In: As Primeiras Civilizações: da Idade da Pedra aos Povos Semitas. Lisboa: Edições 70, 2009. p. 10-11.
[10] Christopher McCandless foi um andarilho americano que morreu de fome na selva do Alaska, após a tentativa frustrada de levar uma vida simples e solitária “na natureza selvagem”. Sua história é retratada no livro Into the Wild, de Jon Krakauer, e no filme de mesmo nome de Sean Penn, que adaptou a história para o cinema. Durante sua trajetória, Christopher adotou o pseudônimo de Alexander Supertramp, algo como “super andarilho” ou “super vagabundo”.
Um belo artigo, muito bem argumentado, e com estilo: raiva e contundência. É assim mesmo.
Meus parabéns ao Fagner Henrique, e que venha o debate!
Fica um abraço.
João Alberto.
Fico honrado pelo elogio, João Alberto.
Aliás, esse artigo não seria possível se eu não tivesse tido a sorte de ter sido seu aluno, e de ter tomado, então, contato com a obra de João Bernardo e tantos outros grandes pensadores. Só tenho a lhe agradecer.
Um abraço.
De qualquer forma eu não consigo, nem ao menos, me sentir de fato ofendida com o artigo, afinal ao que se parece você se refere aos bons “ecologistas” e aos “ecológicos”. Concordo que há espalhado por todo o mundo um bando de gente que julga toda e qualquer atitude do humano como uma destruição ao meio ambiente em que o mesmo vive, querendo até mesmo poupar ou colocar em primeiro lugar outros seres que não nós humanos. O que me ofende na verdade é que com essa maldita onda verde, muitos biólogos e muitos ecólogos são englobados nessa mesma massa verde, pelo fato dos mesmos terem cursado ou por estarem mais engajados em estudos sobre outros seres que não o humano, o que é muito julgado por outras áreas que não as ciências biológicas. E o fato de cursarmos esses cursos de ciências não significa que não estudamos a história e nem se quer sabemos de nossos precursores, podemos não ser historiadores como você, mas, da nossa história buscamos sim entendê-la, e, pois bem, Haeckel não foi o pai da ecologia. E não é por nós estarmos pesquisando cientificamente plantas ou animais e não somente humanos que deixamos a antropologia de lado. Não ignoro o fato de que muitos aproveitadores estão levantando bandeiras verdes para atender o seu lado fascista, como queira chamar. Não é porque uma pessoa é ecóloga ou bióloga, que ela defende essa farsa que é a sustentabilidade, harmonia, pensamento verde, rio +20, etc. E tenho certeza que essas baboseiras só existem como forma de controlar um povo que acha que o planeta está sendo destruído ou por um povo que quer achar que estão controlando suas realidades. Sim, sou vegetariana e nem por isso estou levantando bandeira de vegetarianismo, isso é uma escolha minha, é pessoal, sei bem da necessidade que passa um povo e eu não seria ingênua ao ponto de querer dizer que o mundo seria melhor se todos fossem vegetarianos, nem estou tentando mudar o mundo, se eu fiz uma escolha de ser vegetariana é porque eu escolhi assim. No mais, é isso, obrigada.
“Tudo isso é ignorado pelo bom ecológico, para quem o ser humano é o predador por excelência, ao passo que na natureza impera a interação harmoniosa entre os seres e os elementos naturais”
Não me considero um ‘bom ecológico’ mas sei que a proposta da ecologia vai muito além disso: primeiro é o estudo das interações entre os seres vivos e seu ambiente. Segundo, essas interações não são necessariamente harmoniosas, e sim são problematizadas como questão (com o mesmo ‘rigor científico’ que foi dado no texto à obra de Darwin), e tem diferentes sentidos, passando pela competição, predação, mas também pela simbiose e outras relações que, essas últimas sim, são consideradas ‘harmônicas’.
“numa das selvas inabitáveis do vasto território brasileiro, para ver se conseguiriam suportar os rigores da natureza real, a natureza selvagem”
As selvas são inabitáveis? No mínimo essa afirmação foi relapsa. As ‘selvas inabitáveis’ foram e são habitadas por milhares de pessoas. Inclusive com diversas pesquisas científicas mostrando que a floresta somente tomou o padrão que atingiu por meio das interações com os grupos humanos que habitam ali há vários séculos. Alguns exemplos: diversas espécies vegetais foram selecionadas ao longo de muito tempo para hoje serem mais bem aproveitadas; a criação de solos específicos para produção de comida (ver reportagem http://g1.globo.com/natureza/noticia/2012/06/pesquisadores-garimpam-historia-contida-na-terra-preta-de-indio.html e também artigo http://www.biochar.org/joomla/images/stories/Cap_6_Dirse.pdf).
“Por isso, tivemos que desenvolver nossa inteligência ao nível da consciência agora existente e, assim, conquistamos nosso direito de domínio sobre a natureza, ainda que tal domínio não se tenha efetivado ainda por completo. Mas isso não foi apenas uma conquista, a conquista veio de mãos dadas com a necessidade: não temos, por conseguinte, o direito de renunciar a esta conquista, porque se o fizermos estaremos renunciando, ao mesmo tempo, à nossa capacidade de sobrevivência ou, pelo menos, ao direito de sobrevivência de parte considerável das camadas subalternas da população mundial, a parte dispensável dessa parcela, que conhecemos pelo nome de “exército industrial de reserva”.”
A questão da ‘conquista necessária’ é discutível. Primeiro pois ela não está concretizada, sendo assim apenas uma hipótese. Segundo o modo pelo qual esse processo de conquista foi e é conduzido é o que a ecologia propõe como problema. Afinal a ecologia enquanto ciência também parte desse processo de conquista.
“não temos, por conseguinte, o direito de renunciar a esta conquista, porque se o fizermos estaremos renunciando, ao mesmo tempo, à nossa capacidade de sobrevivência ou, pelo menos, ao direito de sobrevivência de parte considerável das camadas subalternas da população mundial, a parte dispensável dessa parcela, que conhecemos pelo nome de “exército industrial de reserva”.”
Justamente estas parcelas mais excluídas da população mundial são aquelas às quais o processo de ‘conquista da natureza pela civilização urbano-industrial’ acarretou intensa destruição de seu modo de ‘interação’ com o ambiente. Exemplo: Se não devemos propor a renúncia às conquistas da ‘civilização’ devemos, por necessidade moral, propor que elas sejam universalizadas. Porém isso não é possível, não temos recursos suficientes para dar de comer a toda a população mundial o que um americano médio come. Isso me leva a concluir que algo nessa ‘civilização urbano-industrial’ está muito errado e mais precisamente que deste algo também faz parte o modo hegemônico de interação com o ambiente.
E por fim, sobre a questão da necessidade de se ‘estudar a história’: sempre que narrarmos a história como a história da ‘civilização urbano-industrial’ perdemos toda a complexidade que preside os processos sociais nos quais essa hegemonia foi conquistada. Justamente o processo de conquista desse modelo de sociedade implantou e promoveu (em suas ideologias e cientificismos) um determinado modo de interação com o ambiente que exclui imensas parcelas da população mundial. Que impõe uma determinada cosmologia, alçada ao plano de ‘conhecimento científico’, que não permite o desenvolvimento humano em outras bases de interação com seu ambiente.
Querida Carolina L., apesar do tom irônico do artigo, ofender não era minha intenção, e sim causar polêmica. De qualquer modo, tenho algumas considerações a fazer sobre seu comentário: diz você que os biólogos e os ecólogos são colocados, por mim, todos numa mesma “massa verde”. Não é o que está escrito no artigo que escrevi: pretendi diferenciar as ciências biológicas que são orientadas por princípios científicos, os princípios do darwinismo, da ecologia que orienta suas investigações noutro sentido, num sentido não científico, portanto, não darwinista. E o fiz porque, para mim, o darwinismo não só é ainda válido como é a única teoria que dá conta, filosoficamente, dos fatos que podem ser observados na natureza, pois o darwinismo interpreta a natureza como o terreno da sobrevivência do mais apto. Se a ecologia for entendida como “o estudo [das causas] da diversidade orgânica” (S. J. Gould, op. cit., 113), então trata-se de uma especialização no interior das ciências biológicas que pode muito bem ser darwinista. O problema é que mesmo aqueles que tentam conciliar ecologia com darwinismo acabam demonstrando contradições em seu discurso, acabando por contradizer o princípio básico do darwinismo: é o caso da contradição por mim apontada em S. J. Gould. Agora, diz você que “Haeckel não foi o pai da ecologia”. Não é o que leio no seguinte trecho: “Ernst Haeckel, o grande divulgador da teoria evolucionista na Alemanha, adorava cunhar palavras. A grande maioria de suas criações desapareceu com ele, meio século atrás, mas entre as sobreviventes estão ‘ontogenia’, ‘filogenia’ e ‘ecologia’ (ibidem)”. Se Haeckel é o criador do termo “ecologia”, então eu acho que, de fato, podemos chamar-lhe de “pai da ecologia”.
Texto interessante, porém comete algumas confusões que são base de sustentação de toda a argumentação proposta pelo autor. Primeiro, como diria Theodosius Dobzansky, “nada na biologia faz sentido exceto à luz da evolução”. Logo o padrão de equilíbrio que o autor diz ser colocado pelos ecólogos só faz sentido sob a teoria evolucionista, não havendo portanto contradição entre evolucionismo e teorias ecológicas, lembrando que a teoria evolucionista já sofreu diversas modificações desde a sua proposta por Darwin. Segundo, o Darwinismo social há muito já foi deixado de lado e representou uma distorção das ideias de Darwin aplicada ao contexto social e não faz parte do arcabouço teórico dos ecólogos nem evolucionistas. Quando o autor trata culturas antigas como selvagens ou bárbaras, também comete o equívoco da Evolução cultural, onde sabemos que não há uma direção para uma cultura ideal, são simplesmente culturas diferentes, que variam em complexidade. O mesmo se aplica à evolução das espécies, onde não há hierarquia de superioridade entre as espécies e sim em complexidade, sendo o humano o mais complexo, mas não o mais importante. Por fim, concordo que o ser humano necessita do meio onde vive para viver e isso é óbvio. No entanto a retirada de recursos deve ser feita dentro dos limites das reposição dos mesmos. No entanto, a forma como estes recursos vem sendo consumidos está acima da capacidade de reposição. O recursos não são ilimitados e temos que fazer um ponderamento entre consumo e produção, de forma a permitir a funcionalidade dos ecossistemas, lembrando que não é somente o consumo o impacto humano, mas também a poluição.
Principalmente o texto baseia a sua percepção de ecólogos como vegetarianos, ou ambientalistas, o que não está correto, a ecologia é uma ciência que estuda quais são as relações entre os organismos e estes com o meio abiótico, buscando padrões e processos que explicam estes padrões, portanto ecólogo é uma coisa, ambientalista é outra.
A sociedade humana é explicada por fatores culturais e biológicos, a descoberta de em quais casos um influência mais que o outro é um campo aberto para pesquisas, no entanto processos sociais e comportamentais que não são amplamente encontrados em todas as culturas poderia ser um indicativo do fator cultural, enquanto padrões encontrados em todas, poderiam ser justificados biologicamente, como sorriso, cuidado parental, seleção sexual entre outros. Não esqueçamos que também somos animais, mas estudos que conseguissem nos mostrar sem a dicotomia biológico/cultural e sim integradamente o papel de cada um em determinado caso e em quais casos isto é uma interação dos dois fatores seria um grande ganho para o estudo antropológico.
Segundo Tomas Oliveira, a ecologia é uma proposta teórica de estudo das interações entre os seres vivos e seu ambiente. Bem, se não me engano, essa era a proposta de Darwin desde o começo. Aliás, era a proposta de todos os naturalistas! Se a ecologia propõe a mesma coisa não precisa ser chamada de ecologia. O problema está na ecologia enquanto ideologia e na ecologia enquanto projeto econômico. O problema é que as propostas econômicas e as mistificações ideológicas da ecologia, que poderíamos chamar de “ecologia vulgar”, então, também emergem dos departamentos universitários.
Quanto às “selvas inabitáveis”… referia-me eu, não sei se o leitor o percebeu, à incapacidade de as pessoas já acostumadas a uma forma superior de vida, a da civilização urbano-industrial, de se adaptarem à regressão social que seria voltar a habitar a natureza selvagem. Que elas são habitáveis, é logico, afinal os seres humanos são provenientes do mundo natural e tiveram que transformá-lo, tornando-o habitável, tal como os índios da Amazônia, da reportagem citada. Mas, aí, já não se trata da natureza propriamente dita, mas da sua humanização pelo ser humano, trata-se do ser humano deixar-lhe sua marca e adaptá-la a seus fins: o ser humano fazendo a natureza adaptar-se a ele, e não o contrário, como querem os ecológicos que defendem a adaptação de nossa economia aos “imperativos da natureza”.
Quanto à terceira questão levantada, se Tomas tivesse lido com maior cuidado o meu artigo, ele teria percebido que eu não disse que conquistamos o pleno domínio e controle sobre a natureza. Além do mais, se os ambientalistas não são contra o domínio do homem sobre a natureza, porque é que S. J. Gould escreve que precisamos “salvar nosso depauparado mundo”, nos desvencilhando da ideia “de que fomos designados para controlar e dominar a Terra e a vida” (op. cit., p. 3)? Diz Tomas que a ecologia busca repensar esse processo de conquista, como ele foi conduzido e como o é no presente… O que sabemos é que, sempre que os ambientalistas pressionam pelo repensar do processo de conquista da natureza, as empresas procedem à inovação tecnológica em seu interior, intensificando sua exploração sobre o trabalhador. Assim, esta ecologia presta, na verdade, um serviço ao capital.
Agora, o ponto mais tenebroso de sua argumentação é o lugar comum dos ecologistas, quando pretendem ser analistas econômicos. Diz: “Se não devemos propor a renúncia às conquistas da ‘civilização’ devemos, por necessidade moral, propor que elas sejam universalizadas. Porém isso não é possível, não temos recursos suficientes para dar de comer a toda a população mundial o que um americano médio come. Isso me leva a concluir que algo nessa ‘civilização urbano-industrial’ está muito errado e mais precisamente que deste algo também faz parte o modo hegemônico de interação com o ambiente”. Bem, se não há alimentos suficientes, vamos voltar a formas de produção arcaicas, que produzem menos ainda! Que lógica! Realmente não existem alimentos suficientes? Mostre-me a estatística… só digo isso.
Sobre suas considerações sobre a história, saiba que são as sociedades de modos de produção arcaicos as que mais degradaram, historicamente, o meio ambiente: “quanto mais rudimentares eram as técnicas, menos intensiva era a sua ação e mais se exercia em extensão; por isso os modos de produção arcaicos eram obrigados a proceder a grandes modificações das paisagens naturais, muito mais amplas do que à primeira vista poderá pensar quem tenha apenas em conta o volume diminuto da população e a escassa produção. É completamente errado julgar que um grupo humano reduzido, com uma técnica rudimentar, seja obrigado a respeitar as paisagens naturais. Pelo contrário, tem então de levar a cabo vastas modificações para poder sobreviver e expandir-se. Quanto mais elementares são as técnicas, tanto mais amplos são os seus efeitos secundários relativamente às capacidades produtivas. […] A poluição e a ruptura do equilíbrio entre a humanidade e a natureza não são, pois, características da civilização industrial nossa contemporânea, mas aspectos inseparáveis de todas as formas históricas de organização social (João Bernardo, O inimigo oculto: ensaio sobre a luta de classes – manifesto anti-ecológico, Porto: Afrontamento, 1979. p. 159)”. Só para constar.
A Lucas Jardim,
Em primeiro lugar, lembro-me de ter dito que Darwin nutria grandes reservas quanto ao darwinismo social etc. E meu texto pretende ser mesmo uma defesa do darwinismo e não o contrário.
Eu também não disse que as culturas antigas eram “selvagens” e que as culturas atuais são a perfeição última de um processo de evolução cultural: lembro-me de ter escrito que a barbárie grassa na sociedade capitalista, nas relação sociais fundamentais das sociedades contemporâneas. E que muitos evocaram a evolução para justificar a barbárie moderna do capitalismo.
A ideia de que o ser humano não é superior, somente é mais complexo, é um juízo pessoal seu, que não vou comentar.
Quanto à retirada de recursos obedencendo às condições de sua reposição, recomendo a leitura de Bjørn Lomborg (O ambientalista cético. Rio de Janeiro: Campus, 2007), o qual demonstra que muitos dos recursos que os ecológicos dizem estar acabando na verdade não estão.
Obrigado ao autor pelas respostas. Farei algumas considerações:
Sobre a ecologia:
Se considerarmos que “era a proposta de todos os naturalistas! Se a ecologia propõe a mesma coisa não precisa ser chamada de ecologia.” Então todas as disciplinas científicas surgidas com base nessa questão são dispensáveis, pois foram institucionalizadas posteriormente, e deveríamos instituir apenas o ‘naturalismo’? Não sei, mas não me convenci deste argumento.
Sobre ‘selvas inabitáveis’:
Como se define a ‘natureza selvagem’? Pois de acordo com o texto esta ideia foi claramente associada a imagem ‘das selvas inabitáveis do vasto território brasileiro’. A confusão promovida, propositadamente ou não, entre a ideia de ‘natureza selvagem’ e um lugar específico revela a persistência de uma ideologia duradoura, a qual foi a responsável desde o processo colonizador pela legitimação desta conquista, através do caráter científico dado a determinadas imagens, como a aqui referida.
Este raciocínio parte da afirmação de que um lugar é ‘selvagem’ ou ‘não-civilizado’, para em seguida associar esta característica às pessoas que ali habitam. Enfim, como você mesmo escreveu, assim existiria ‘uma forma superior de vida, a da civilização urbano-industrial’, e outras que, por dedução, seriam inferiores, arcaicas e rudimentares. Esse argumento foi vastamente utilizado com nefastas consequências. Ele sim produziu verdadeiros genocídios.
Genocídios conduzidos pelas ideias ilustradas e modernas, pela ciência mais avançada da época, e que desconsiderava e desprezava quaisquer outras formas de interação com a natureza que não a imposta pela ‘superior civilização’.
Sobre “Bem, se não há alimentos suficientes, vamos voltar a formas de produção arcaicas, que produzem menos ainda! Que lógica! Realmente não existem alimentos suficientes? Mostre-me a estatística… só digo isso.”:
Existem alimentos para abastecer mais do que a população mundial. O que estou tentando passar é que não existem recursos suficientes para que todo ser humano se alimente como um americano médio. Essa desigualdade na apropriação e uso dos recursos é justamente o ponto chave. Agora, já entrando na citação que você escreveu, discordo da associação direta entre o que foi considerado como ‘modos de produção arcaicos’ e as ‘técnicas rudimentares’.
Em primeiro lugar não podemos generalizar, denominando como ‘modos de produção arcaicos’ todas as formas de organizações sociais diferentes da ‘civilização urbano-industrial’. Elas foram e são extremamente diversas entre si.
Em segundo, como garantir que as técnicas da ‘civilização urbano-industrial’ são as mais avançadas? Somente se partimos da definição de que esta é, realmente, uma ‘civilização’ superior, o que seria quase o mesmo de um ‘povo escolhido’. A afirmação de que determinados conjuntos de técnicas são mais rudimentares que outro só pode ser feita no contexto da própria civilização que busca se legitimar. Neste sentido entendo que historicamente essa ideologia sempre serviu para desqualificar sociedades consideradas diferentes, objetivando a conquista de seus territórios, seus recursos e sua população. Considerar algumas técnicas como rudimentares frente a outras, que seriam as avançadas, não pode ser divorciada dos interesses políticos em jogo.
Por fim, acredito que devemos buscar diferentes maneiras de interações com nosso ambiente das que foram impostas pela ‘civilização urbano-industrial’, e isso é uma das questões enfrentadas pela ecologia. Essa maneira está intimamente vinculada, historicamente, com a modernidade, com todo o processo de colonização, e com a pretensa universalização dos valores e práticas capitalistas. E assim, desqualificar primariamente todas as outras formas de interação produzidas há tempos com o ambiente me parece apenas uma forma de afirmação política de determinadas ideologias.
O seu texto se baseia em 4 premissas, a teoria evolucionista é conflitante com as teorias ecológicas, as teorias ecológicas acreditam numa harmonia da natureza, a exploração de recursos naturais pode ser inesgotável, o mundo humano é separado dos outros organismos.
Primeiro como afirmei anteriormente as teorias ecológicas possuem como suporte as teoria evolucionista, ou seja os padrões encontrados de interação entre organismos e como estes interagem com o meio abiótico são explicados por processos evolutivos, onde certos padrões de interação foram selecionados por permitirem maior adaptação aos organismos que os possuíam. Assim interações mutualísticas e antagonistas, a presença de organismos em determinadas localidades e a riqueza de espécies podem e são explicados na sua maioria por processos adaptativos.
A natureza não é harmônica, esta é uma visão que ficou para trás na ecologia a muito tempo. A natureza, ou melhor ecossistemas, são estruturados por interações dinâmicas e muitas vezes encontramos padrões explicados por pertubações constantes.
Existem duas classes de recursos os renováveis e o não renováveis. Os recursos não renováveis são assim chamados pois estes dentro de um tempo geológico coerentes com as gerações humanas não são possíveis de serem produzidos.Como exemplo, a crise de biodiversidade, onde a perda de espécies podem ser recuperadas, nem as interações e funções que elas realizavam nos seus ecossistemas e esta crise é uma realidade.
O meio antrópico faz parte do meio ambiente, afinal somos animais, nos alimentamos de animais, plantas, fungos, somos infectados por vírus, bactérias, nossas plantações necessitam de polinizadores, a qualidade e disponibilidade de nossos recursos são dependentes da qualidade dos ecossistemas que estão incluídos. Logo a exploração exacerbada levará a perda de funcionalidades de ecossistemas, os quais necessitamos para retirada de nossos recursos e muitas vezes um melhor uso destes recursos fornecem benefícios que hoje nem consideramos, como aumento de produtividade de certas culturas em agroflorestas, ou maior produção pelo uso de polinizadores nativos, menor gasto em tratamento de água pela manutenção de vegetação nos corpos d’agua e nascentes. Desta forma, somos sim partes do meio ambiente, conseguimos controlá-lo, conseguimos criar vacinas, variedades agrícolas, no entanto constantemente somos ameaçados por epidemias, falta de alimento, por catástrofes naturais, o que nos mantem dependentes dos processos naturais.
A sua argumentação inicia defendendo a teoria evolucionista; o argumento anteriormente colocado por mim sobre o homem ser somente um organismo mais complexo e não superior aos outros é uma base da teoria evolucionista, não uma afirmação vaga proposta por mim, assim se seu texto tem base evolutiva, ele não pode estar em desacordo com aquela afirmação.
Ecologia como apresentado no seu texto está baseada numa visão ambientalista,muitas vezes hippie e não nas discussões presentes na literatura ecológica atual. A literatura ecológica não propões o homem voltar a viver na floresta, mas sim ajustar a forma de exploração com a capacidade dos ecossistemas. Acredito que a confusão seja devido à muitas visões filosóficas, às vezes religiosas que surgiram desde metade do século passado com uma visão idealizada da natureza e ao marketing verde atual. No entanto isso não é ecologia.
Em 9 de Junho de 1942, um dia de especial significado político, o dia do funeral do Obergruppenführer Heydrich, que morrera em consequência dos ferimentos sofridos num atentado organizado pela resistência checoeslovaca, o Reichsführer SS Himmler, depois de prometer um ajuste de contas com o cristianismo, anunciou que «temos novamente de encontrar uma nova escala de valores para o nosso povo: a escala do macrocosmo e do microcosmo, o céu estrelado por cima de nós e o mundo dentro de nós, o mundo que vemos no microscópio. A essência desses megalómanos, desses cristãos que falam do domínio do homem sobre este mundo, tem de terminar e de regressar às devidas proporções. O homem não é absolutamente nada de especial. É uma parte insignificante desta terra. […] Ele deve contemplar de novo este mundo com uma profunda veneração. Adquirirá então o correcto sentido das proporções quanto ao que está acima de nós, quanto à forma como fazemos parte deste ciclo» (transcrito em J. Noakes e G. Pridham (orgs.) Nazism 1919 – 1945. A Documentary Reader, vol. II: State, Economy and Society 1933-1939, Exeter: University of Exeter Press, 2008, pág. 304).
Tomas Oliveira,
1) Os referidos genocídios de Tomas Oliveira não foram causados pela concepção da civilização urbano-industrial como uma forma de vida superior. Foram causados pela expansão do capitalismo, que forçava pela violência a inserção dos povos autóctones nas novas relações de produção, reproduzindo noutros lugares a acumulação primitiva de capital (a brutal separação entre produtor e meios de produção etc.) que havia sido inaugurada na Inglaterra do século XVI. O problema é justamente aquele apontado por Tomas Oliveira, o da tentativa de justificar o processo colonizador. Mas o processo colonizador não é resultado de uma cultura que concebe a si mesma como superior: os gregos antigos consideravam-se superiores aos outros povos, seus contemporâneos; entretanto, a tendência das cidades-estado gregas foi o isolamento: foi só com a formação do império macedônico que os gregos iniciaram um processo, fracassado, de expansão para o Oriente; além do mais, as colônias gregas eram mais povoados e entrepostos comerciais do que um empreendimento que visava submeter os povos autóctones às relações sociais de tipo escravista que vigoravam na grécia antiga ou à autoridade das cidades de onde provinham, sendo também uma forma de remover camponeses sem-terra, indesejados na cena política dominada pelos latifundiários (pelo menos é esta a tendência interpretativa dominante na historiografia).
2) O que Tomas Oliveira quer dizer como “a alimentação de um americano médio”? Quer dizer que não pode a população mundial apreciar os hamburgers do McDonald’s? Bem, certamente não é isso que se deve fazer se quisermos ter o sangue fluindo por nossas artérias… A agropecuária, no entanto, que produz, crescentemente, tipos de alimentos mais saudáveis, o suficiente para alimentar a população mundial e mais ainda. Se não o faz é porque esses alimentos são mercadoria e a pessoa que não se insere no mercado como exploradora de força de trabalho e consumidora de mercadorias, ou como vendedora de sua força de trabalho e consumidora de mercadorias só pode fazer duas coisas: passar fome e morrer; ou inserir-se no mercado de uma outra forma, ilegal ou imoral, tornando criminosa ou prostituindo-se. Não é a disponibilidade de alimentos o determinante, mas o fulcro das relações sociais do capitalismo.
3) “Os modos de produção arcaicos não são arcaicos, só são diferentes… e as culturas deles decorrentes também não são primitivas, mas diferentes” Ouço isso desde que pus os pés no âmbito universitário e continuo a ouvi-lo depois que dele saí, infelizmente. Por esse comentário vemos o quanto o relativismo do multiculturalismo penetrou as mentes das pessoas hoje em dia: não existe melhor ou pior, existe diferente. O multiculturalismo quer privar a todos do direito de discernir, em prol do politicamente correto. Se você acha que a vida numa sociedade urbano-industrial, apesar dos problemas que apresenta numa formação social capitalista, é superior à vida que é levada pela população de países onde essa sociedade urbano-industrial não se consolidou, então você é imperialista! Curiosamente, Europa e os EUA estão repletos de imigrantes de países onde a referida sociedade urbano-industrial não se consolidou por completo, os quais buscam tornar real, em suas vidas, as promessas da civilização moderna: se não conseguem, nos marcos do capitalismo, é porque é exatamente a luta pelo socialismo que cumprirá essa promessa. Além do mais, curiosamente, a ascensão de grupos xenofóbicos, fascistas mesmo, nos países desenvolvidos, é justificada pelo mesmo multiculturalismo: trata-se de colocar os imigrantes no lugar ao qual pertencem, naturalmente. Eles não precisam vir viver na bela Europa, e se quiserem desfrutar dos confortos da civilização moderna é para isso que serve a globalização!
4) “As técnicas da civilização urbano-industrial só são superiores, para nós, porque partidos da definição de que a socidade urbano-industrial é uma civilização superior”, diz Tomas Oliveira. É assim que ele nos dá uma aula de economia: uma técnica é superior à outra quando acreditamos que a sociedade nela baseada é superior às outras. Brilhante mesmo! Pensava eu que a superioridade da técnica era dada pelo grau de transformação dos elementos naturais a que ela é capaz de proceder, e pela diminuição do esforço do trabalhador para atingir o resultado projetado anteriormente. Mais esforço e menores resultados = técnicas rudimentares… menos esforço e maiores resultados = técnicas mais avançadas. Mas, dirá Tomas, o resultado é culturalmente estabelecido, ou coisa do tipo. O curioso, sobre isso, é que sociedade não capitalistas, ou não ocidentais, também buscaram diminuir o esforço e aumentar a produtividade do trabalho. O que Tomas não percebe é que, quanto maior é a técnica menos tem que se trabalhar, e isso sempre foi encarado como um avanço por qualquer trabalhador, de qualquer sociedade: não fosse assim, os camponeses medievais não se disporiam a construir moinhos, por exemplo. O curioso sobre o imperialismo é que muitas sociedades, hoje, encaram como benfeitoria a inserção de empresas transnacionais que realizam obras de infraestrutura etc. O imperialismo do Brasil de hoje, por exemplo, é um imperialismo benfeitor. (Cf. João Bernardo. “Brasil hoje e amanhã: 8) teia do novo imperialismo”. In: http://passapalavra.info/?p=44120)
Lucas Jardim,
se a teoria ecológica “científica” atual é uma teoria que visa “ajustar a forma de exploração com a capacidade dos ecossistemas”, então ela nada mais é do que uma busca de técnicas e tecnologias que visam garantir a reprodução da produção capitalista e das relações de produção capitalistas. Trata-se de adaptar o desenvolvimento econômico a formas mais racionais de se lidar com as matérias primas etc. Então a ecologia não tem nada de revolucionário, mas presta um serviço ao capital, como já disse eu anteriormente, respondendo a Tomas Oliveira. O problema é que, quando a ecologia pretende ser revolucionária, pretende contradizer abertamente o sistema capitalista, ao invés de prestar-lhe um serviço, o que ela faz é propor justamente a arcaização do processo produtivo e a regressão a formas arcaicas – não modernas, não baseadas na estrutura urbano-industrial das sociedades modernas – de vida. Aí ela chega ao posicionamento “ambientalista, muitas vezes hippie”. Das duas uma: ou a ecologia está a serviço do capital ou está a serviço, sob a forma do ambientalismo, da regressão social. Quando a ecologia propõe o referido “reajuste”, quem sofre com o reajuste é o proletariado, pois todo desenvolvimento tecnológico leva a uma exclusão de parte do proletariado do processo produtivo (a parte que já estava adaptada a um tipo de tecnologia, mas que demoraria a adaptar-se aos novos tipos), gerando desemprego estrutural e miséria social, e a uma exploração mais intensa do proletariado inserido no novo ciclo produtivo, pois o capital recobrará o investimento em tecnologias mais avançadas, obrigando-os a produzir mais e mais. Em ambos os casos, quem perde é a classe trabalhadora. Só através da vitória da revolução proletária, e do estabelecimento de uma economia socializada e democrática, é que se poderia aproveitar a tecnologia sem promover a exclusão social de parte do proletariado e sem intensificar a exploração do proletariado economicamente ativo.
A ecologia não se propõe como uma forma revolucionária de mudança da sociedade,não pretende lutar contra o sistema capitalista simplesmente busca e tenta explicar padrões de interação entre espécies, padrões de riqueza de espécies, estruturas de comunidades, ciclagem de materia e nutrientes nos ecosistemas. De uma forma aplicada pode ser usada para criar planos de manejo de recursos, controle de pragas, priorização para criação de unidades de proteção ambiental. Se está à serviço do capital, sim está, como todas as ciências e esta discussão não está presente nas discussões epistemologicas desta área, assim como não está presente em nenhuma discussão das ciências naturais. O que você tem que perceber é que o que está chamando de ecologia não é a ecologia enquanto ciência e sim aquelas distorções que disse anteriormente e isso tem que ficar claro no seu texto.
Quando Lucas Jardim diz que a ecologia é meramente uma ciência, cujo objetivo é, em suma, “criar planos de manejo de recursos, controle de pragas, priorização para criação de unidades de proteção ambiental”, não percebe que o que transparece em sua argumentação é a ideia de uma natureza de recursos limitados, finitos. Mesmo que não diga que há ali um equilíbrio natural, diz que há uma quantidade de recursos que deve ser preservada. Mas Lucas não percebe que essa é apenas outra face da mesma corrente de pensamento do ambientalismo e que a ecologia, no sentido colocado por Lucas, dá asas ao ambientalismo. O que Lucas não compreende é que essa ecologia cujo objetivo é estudar o meio ambiente para melhor preservá-lo, a serviço do capital, como bem coloca o leitor, está presente também no pensamento dos ambientalistas que sustentam o mito da natureza. João Bernardo diferencia a ecologia dita científica da ecologia dita ideológica, mas não deixa de ver ligações entre ambas. Diz o autor: “[…] algumas teses que para os teóricos da ecologia possuem um valor meramente secundário são por estes elementos [os ambientalistas mais radicais] levadas a pontos extremos, convertendo-se assim em colossais disparates. Por isso a ecologia, que entre as camadas superiores dos gestores [a classe dos tecnocratas] conserva um tom sério e mantém pretensões a ideologia científica, aparece, graças à acção destes discípulos, enfeitada com as mais crassas aberrações. Quanto à sua produção intelectual no movimento ecológico estes elementos são os palhaços. Mas esta é, está claro, a sua função meramente estética, e é a função social que desempenham que sobretudo me interessa (João Bernardo. O inimigo oculto. Porto: Afrontamento, 1979. p. 181)”. Ora, a disponibilidade limitada de recursos tem sido criticada por muitos outros cientistas, os quais procuraram rever o atual estado dessa disponibilidade e perceberam que as alarmantes de poluição, o alarmante esgotamento de certos recursos naturais etc. não tem objetividade científica. Uma das sínteses dos estudos de muitos desses cientistas está na obra do economista Bjørn Lomborg (não, ele não é financiado pelas grandes corporações), a qual já lhe recomendei. Mas diz Lucas: “Se [a ecologia] está à serviço do capital, sim está, como todas as ciências e esta discussão não está presente nas discussões epistemologicas desta área, assim como não está presente em nenhuma discussão das ciências naturais”. Bem, se essa discussão não está presente, tudo bem! Vamos seguir adiante nossas vidas, com toda alegria, e simplesmente ignorar questões que são levantadas por estudiosos de outras áreas, como a economia, a história etc., ignorando que a função das universidades etc. é promover aproximações entre áreas distintas de investigação. Se uma tendência da ecologia é mais branda, mais “científica” etc., isso não nos impede de traçar a sua afinidade ideológica com suas vertentes mais radicais e politicamente ativas, pois o princípio básico é o de que os atuais padrões de interação do homem com a natureza cria problemas de sustentabilidade, seja ela a sustentabilidade da economia ou a sustentabilidade da vida na Terra. Todas as correntes de pensamento possuem suas tendências vulgares, mas as tendências vulgares são sempre inspiradas nas tendências mais sofisticadas. Leio, na obra que já citei de S. J. Gould, o seguinte: “A ecologia teórica […] trabalha com a menor das dimensões do tempo ‘ecológico’ (interação orgânica durante estações ou, no máximo, anos) […] (p. 113)”. Assim, a ecologia científica pretende analisar, sobretudo, fenômenos restritos em sua duração, ao passo que outros tipos de investigação, como a econômica, trabalham com espaços de tempo mais amplos. Isso desqualifica a ecologia para nos fornecer um estudo panorâmico confiável sobre as condições dos recursos naturais, por exemplo. Seu ponto de vista é microscópico, não macroscópico. O problema é que os ecológicos cientistas, de visão microscópica, pretendem traçar políticas públicas de gestão dos recursos naturais etc.!
Muito bom artigo meu amigo Fagner, bem articula e com bastante embasamento teórico. Continue assim meu colega, temos orgulho de você.
Agradeço pelo seu amável elogio, Carlos Henrique.
Um abraço.
De novo essa história? Vou tentar não repetir muito o Lucas Jardim, mas várias objeções necessárias já foram levantadas, embora ninguém seja obrigado a aceitar a verdade mesmo quando ela é forçada na sua cara.
Primeiro, as concessões. É óbvio que viver na “natureza selvagem” é difícil para quem não está acostumado. Além disso, é óbvio que a natureza não é uma harmonia perfeita, nem um equilíbrio estável. Quem nega isso? Certamente não a ecologia. Inclusive, quem quer exemplos de como a natureza se transforma radical e imprevisivelmente, basta abrir qualquer livro-texto de ecologia.
A ecologia é uma disciplina científica. Seria natural que ela tivesse seus próprios departamentos, mas a verdade é que em diversas Universidades, incluindo algumas das melhores do mundo, os departamentos e cursos de pós-graduação de ecologia e evolução biológica são os mesmos. Numa rápida pesquisa pelo Google, encontrei essa situação na Yale, Stanford, Princeton, Universidade de Chicago… Não há contradição alguma entre a ecologia e o estudo da evolução biológica, os pesquisadores de um campo não negam os do outro, muito pelo contrário: a ecologia evolutiva é um dos subcampos mais promisssores da pesquisa evolutiva.
Notem que eu não estou chamando a biologia evolutiva de “Darwinismo”; isso se dá pela simples razão de que o meio científico também não faz isso há décadas. A ciência é uma tarefa colaborativa humana e ela se discute com artigos, dados e teorias – não com autores. O termo “darwinismo”, carregado de personalismo, há muito perdeu prestígio na ciência, até porque o campo da biologia evolutiva evoluiu muito nos 150 anos que se passaram desde a obra de Darwin e muitos de seus pressupostos estavam equivocados (como não poderia deixar de ser).
Um exemplo disso? A seleção natural não é mais considerada o único fator evolutivo e cada vez mais se considera que não é nem mesmo o principal. A maior parte das mudanças evolutivas (mudança nas frequências gênicas das populações) se dá por deriva genética, independente de qualquer competição natural.
Que o autor do texto desconheça disso não surpreende, quando o próprio quer discutir um tema científico com argumentos por autoridade (“Darwin disse…”).
Essa rejeição da ciência ecologia é curiosa, vinda de quem vem. Numa discussão sobre o mesmo tema, João Bernardo nos trouxe um aviso importante:
“É certo que todas as noções, científicas ou outras, reflectem a época em que surgiram e o meio social que as originou, mas é um atroz simplismo pensar que assim se possa negar a validade de tudo com que não se esteja de acordo. A ciência fundamenta-se em experiências laboratoriais e numa eficácia prática que serve de confirmação às suas descobertas (…) Mas a agroecologia coloca-se fora de qualquer debate científico ao considerar globalmente suspeitos os cientistas que se lhe opõem, precisamente pelo facto de se lhe oporem.”
Basta imaginar que não se está a falar da agroecologia, mas de Fagner Henrique e João Bernardo, para notar a semelhança com a rejeição infundada de tudo que leva o nome de ecologia, independente dos métodos científicos adotados nas pesquisas.
Sobre dizer que a ecologia, então, é culpada por incentivar ou promover as ideias ambientalistas, é idêntico a culpar a Física Nuclear pelas intenções belicistas de alguns. O uso que se faz do conhecimento científico extrapola seus limites metodológicos, não cabe à ciência dizer como devemos viver nossas vidas.
É curioso notar que Stephen Jay Gould, que certa vez disse ter aprendido sobre o marxismo no colo de seu pai, certamente rejeitaria por completo esse artigo, já que sempre considerou a ecologia uma ciência válida e que os recursos do planeta eram finitos, sendo uma questão de importância pra sociedade.
Uma última palavra é necessária sobre o ataque gratuito aos vegetarianos e veganos: é besteira tratar essa opção alimentar como uma ação para a luta de classes, assim como é besteira achar que ela é sempre motivada por uma visão ambientalista. As pessoas têm diversos motivos para não comer animais, mas é sobretudo uma questão ética por considerar os outros animais pacientes morais. Que a alimentação vegetariana promova um impacto ambiental menor é apenas mais um motivo a incentivar (alguns) vegetarianos e veganos.
Sobre não chamar “Darwinismo”, um artigo interessante da divulgadora da ciência Eugenie Scott:
http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs12052-008-0111-2?LI=true
Tudo depende de qual é o seu entendimento do que é científico. Um dos requisitos para se considerar um teoria científica é a sua coerência em relação a teorias científicas já comprovadas, ou a sua capacidade de provar que as teorias que antes eram consideradas científicas estavam erradas. Quis, pelo artigo, demonstrar que a ecologia, tanto a sofisticada quando a vulgar, não se compatibiliza com o darwinismo, que é, ainda, a teoria hegemonicamente considerada científica nos meios acadêmicos. Agora, se “ecologia” é o estudo da interação entre seres vivos e seus ambientes, então o darwinismo é ecológico, e toda teoria biológica é ecológica, aliás até a economia e a história, a geografia, são ecológicas! Apesar de alguns dos pressupostos de Darwin serem equivocados, o cerne de sua teoria não está, o princípio da seleção natural (pelo menos foi o que pretendi defender no artigo), algo que os próprios darwinistas ecológicos admitem. Por exemplo: Stephen Jay Gould, um dos autores darwinistas mais admiráveis de nosso tempo. Minha admiração pelo autor não me impede, entretanto, de dele discordar, e de estar certo que ele desaprovaria o artigo por completo. Mas não o escrevi para agradar autoridades científicas, o escrevi para expressar minha opinião sobre o tema. Sobre os vegetarianos, veganos etc.: não os ataquei porque os considero nocivos à luta de classes, os ataquei porque quis fazer polêmica com o fato de que muitos vegetarianos e veganos, sobretudo os politicamente conservadores, consideram que os animais devem ser protegidos da violência predatória humana, enquanto a classe trabalhadora pode ser sujeita a ela à vontade. Penso que o proletariado não deve ter receios em apropriar-se do mundo que é produto de seu trabalho e da herança dos trabalhadores de tempos históricos passados. A ecologia não só quer contentar o proletariado com o pouco, quer dar uma justificativa “científica” para que ele prescinda de apropriar-se do seu mundo, social e natural. O comunismo não será uma sociedade de pessoas contentadas com o pouco, será uma sociedade de pessoas gulosas, ambiciosas, que gostam do muito, da abundância. Não há algo que me enfurece mais do que encontrar com um colega de trabalho que diz que a vida está difícil, que está tendo que viver com o pouco que o salário “rende”, mas que “tá bom demais!”, “não precisa de mais nada não!”. (E, só para constar, meu nome se escreve “Enrique”, sem o “H”. Não se trata de um erro de datilografia. Quando for criticar alguém, certifique-se de criticar a pessoa certa).
Interessante debate. Gostaria de agregar mais um ponto: a questão da finitude ou não dos “recursos” naturais. A ecologia e as ciências ambientais têm demonstrado a redução das taxas de biodiversidade. Elas dão cientificidade ao que é visível a olho nú, seja em áreas urbanas ou rurais. A natureza possui resiliência, mas isso não é uma constante crescente, ou seja, a capacidade de regeneração vai até certo ponto. O argumento de que os recursos naturais são infinitos se presta ao capital. A exploração infinita acima da necessidade para fins de acumulação e lucro por poucos, às custas do trabalho exploratório alheio e da perda dos recursos naturais por todos, é o que o capital quer e faz. Para ficar bem na foto, surgiram mecanismos de compensação e modernização e inovação tecnológicas…. da série o capital tem $$, tem poder, pode detonar a vontade, afinal os recursos são infinitos não é mesmo? Ah só esqueci de dizer que os benefícios da exploração não são compartilhados com todos…..que o trabalhador é que paga a conta….
Guilherme, o problema está exatamente no modo como você coloca as coisas: não se trata da capacidade da natureza de se regenerar, trata-se da capacidade do homem de multiplicar os elementos naturais e de criar o novo a partir do dado. Os recursos não são infinitos, certamente, exatamente porque é o homem que os multiplica, sendo que toda a ação do homem sobre a natureza implica não somente um consumo da natureza, mas também uma sua multiplicação.