A manifestação destacava que a duplicação da estrada, que tem sido prometida pelos candidatos, é uma conquista popular e não uma dádiva. Por Passa Palavra
No dia 19 de setembro a população do M’Boi Mirim, na região sul de São Paulo, voltou a se manifestar ocupando a Estrada do M’Boi Mirim, desde o fundão até o Jardim Ângela. O ato pautava as diversas formas de violência a que é submetida a população, destacando que a falta de investimento em saúde, educação e transporte também é uma forma de violência. Devido às precárias condições de transporte na região, esta terminou por ser a pauta central. Exigia-se a duplicação da estrada e a construção de uma linha de metrô.
O ato foi produto de uma construção ampla entre movimentos sociais como o SOS Transportes M’Boi Mirim, Movimento Passe Livre, MTST, Fórum Popular de Saúde, além de associações de bairros. Acompanhados pela Fanfarra do Movimento Autônomo Libertário (MAL), fizeram uma nova releitura da música que animou as lutas contra o aumento de tarifas em 2006, 2010 e 2011, cantando em ritmo de funk “Dança Kassab, dança até o chão, aqui é o povo unido pra exigir duplicação!”
Durante a percurso a manifestação foi aumentando, pois cada vez mais gente se incorporava ao ato, e quando chegou ao terminal Jardim Ângela eram cerca de 1500 pessoas. A manifestação ameaçava ocupar o terminal. Porém, a Polícia Militar antecipou-se e bloqueou as entradas, retirou os ônbius de lá e expulsou as pessoas que estavam dentro. Foi montada uma sala de reunião para negociação dentro do terminal, para a entrada de representantes do movimento. A resposta da população foi o bloqueio integral da estrada, nos dois sentidos, forçando a presença do subprefeito do M’Boi Mirim do lado de fora, e a abertura de negociações.
A conversa com o subprefeito resultou na entrega de uma carta exigindo melhores condições de saúde e transporte na região. Nesta carta também se exigiu uma reunião de negociação com o prefeito Gilberto Kassab. Caso tal reunião não aconteça, o movimento voltará a fechar a estrada uma vez por semana. A manifestação destacava, em época de eleições, que a duplicação da estrada — que tem sido prometida pelos candidatos — é uma conquista popular e não uma dádiva.
É uma pena que ninguém tenha comentado porque atos como este são muito difíceis de fazer, é bem mais trabalhoso e envolve bem mais coisa que escrever artigos.As quebradas são todas iguais em precariedade e para surgir luta é necessário várias condições prévias.
1- primeiro não basta ser estrangeiro e chegar agitando na quebrada. Mesmo com a participação de gente de fora é sempre necessário que pessoas de dentro assumam as coisas.
2- Não são quaisquer pessoas que estão em condições de chamar os outros pra luta. As lutas são sempre iniciadas por pessoas que possuem uma boa carreira moral na quebrada – nos termos de Goffman -, precisam ter moral junto aos demais, respeito (viciados, vagabundos, putas e golpistas estão previamente excluídos). Sem oferecer nenhum centavo para que outros lutem, as lideranças arriscam, na verdade, as suas carreiras morais. Imaginem que morra uma criança ou ocorram outras coisas. Quem chamou o ato será cobrado nesse sentido.
3-Nenhuma liderança consegue fazer nada se não houver um clima mínimo de identidade, união e paz entre os moradores. É essa identidade e boa convivência prévia que é catalizada. Ora, quem, num exemplo, sentir vergonha de morar num CDHU, menos ainda vai querer se expor numa luta deste mesmo CDHU. E se as vizinhas andarem com facas a pegar umas às outras, quem as tirará para a rua juntas? Estar junto no ônibus, escola, quermesse, trem, bar, salão de beleza, igreja permite construir essa confiança mútua.
4-As lutas são ligadas a necessidades passíveis de serem supridas. Trabalhador pobre não costuma sair pra rua para salvar as onças cor de rosa ou protestar contra a invasão de um país pelos E.U.A. Querem uma escola, uma duplicação, um desconto na passagem.
5- Diferentemente do que ocorre nas lutas sem base social certa ou com base temporária – caso dos estudantes -, os populares não aceitam golpe de pauta (feministas adoram dar golpe de pauta, por isso fogem das quebradas). Ou seja, se o pedrinho resolver cobrar o marquinho que não lhe paga ou se a cecília resolver acertar contas conjugais no meio do ato serão devidamente informados pelos populares que aquela luta não foi organizada para tal.
6- Quem já apanhou na vida não gosta muito de ficar brincando com a questão. Assim, certas provocações bobas comuns em atos de estudantes protegidos são descartadas. Também não gostam de ficar falando em greve de fome, porque conhecem a falta de alimentos de perto ou de memória próxima.
7- As lideranças ou os mais bem instruídos são ouvidos mas precisam ter humildade para lidar com a falta de conhecimentos gerais. Nenhum trabalhador gosta de sair para atos e reuniões onde seja exposto sem delicadeza à sua ignorância.
8- O respeito com os valores populares precisa ser grande. Não há espaço para militância ateísta nem hedonismo puro e simples.
9- Nesse tipo de luta ocorre muito de as lideranças terem que arcar com os gastos – panfletos, cartazes, e outros. O militante literalmente acaba tirando dinheiro do bolso. Dinheiro é sempre um tema polêmico e se os gastos não atingirem uma soma muito alta preferem bancar sem que se recolha alguma coisa dos moradores.
10-Não bastam os cartazes, é preciso um corpo a corpo, andar muito, falar pessoalmente com as pessoas, se expor para que elas participem. Militância de Facebook não dá conta.
11- Naturalmente, com a luta surgem os riscos, as pressões, as ameaças. Por outro lado, surgem as tentativas de cooptação. Assim como times possuem olheiros nos campeonatos de base, políticos e organizações buscam captar militantes dentre as lideranças populares que vão surgindo.
12- Quando as coisas esquentam, é comum que muitos corram, desapareçam, deixem de participar. Nesse caso, as lideranças vão ficando mais sozinhas ante as ameaças e os convites para ingressarem em dadas organizações – que lhes oferecem advogados, apoio, outros. Boa parte dos lutadores populares que conhecí ou desistiram com medo das ameaças ou se juntaram a grupos para ter algum respaldo. E assim segue a roda de surgimento, cooptação ou desaparecimento de lutadores populares.