Por Thales Emmanuel
Recentemente, às vésperas do primeiro turno de mais um pleito eleitoral, deu na televisão que os Sem Teto de Taboão da Serra, município de aproximadamente 250 mil habitantes, localizado na região metropolitana de São Paulo, lançaram pedras e objetos de todo tipo contra seus representantes parlamentares. O alvo não parecia ser somente os “fichas sujas”. Na verdade, os fatos indicam que não havia alvo específico a ser abatido no interior daquela Câmara. Seria a própria Câmara o alvo?
Enquanto isso…
Na internet, as redes sociais se tornaram veículos de combate ao atual processo eleitoral. Comitês e articulações se multiplicam por todo o território nacional com a mesma finalidade.
Figuras históricas da luta, de seus mais variados segmentos, como Dom Tomás Balduíno, argumentam publicamente em defesa do voto nulo.
Nas ruas, em paralelo às marchas contra a corrupção, aparentemente no entendimento de que nada se mudará pelo voto, multidões aproveitam para reaver uns trocados de dois em dois anos. Outros votam por amizade, por barganha de favores, por acreditarem que têm que escolher alguém ainda que lhes faltem escolhas. Uma turma enorme entra na dança pelo fuzuê e burburinho do espetáculo. As bombas “0800” injetam motivação nos tanques automotores. Outra turma estende seu sentimento de torcedor futebolístico até à política eleitoral. Existe torcida para além dos estádios. Nesse sentido, o primeiro nas pesquisas é quase sempre a melhor pedida. O que faz das pesquisas uma boa encomenda.
O acirramento de disputas eleva o frisson às alturas, mas a inflada e cambaleante autoestima segue sem suportar o mais suave contato com o pontiagudo da razão. As propostas mais à esquerda, quando de uma inesperada chance estatística e, por encontrarem-se presas à lógica vigente, sem mobilizações populares correspondentes, abrem-se a concessões à direita, empanzinando o imaginário popular do “mais do mesmo”.
Nas conversas de botequim, o “são todos iguais, nenhum presta” rola solto. É a forma popular de avaliar a hodierna lógica da política institucional, ilustrando-a como um sistema totalizador que engloba bons e maus candidatos, onde as “boas” exceções, igualmente internalizadas, sem o poder de se constituir como regra, acabam por reforçar a regra da concentração de poder.
Numa sessão eleitoral da Praia do Futuro, Fortaleza-CE, enquanto justificava minha ausência, um senhor de jeito e fala simples, após ouvir o zumbir peculiar da urna eletrônica indicando a confirmação e conclusão do processo, olhou para os mesários e proferiu o seguinte saber: “Pronto! Perdi meu valor. Até ontem eu ainda tinha valor, agora já não tenho mais.” Se escolhera um candidato ou não, aqui nem interessa tanto. O que vale registro é seu sentimento de auto-anulação política, e justo num momento em que expectativas deveriam ser alimentadas em sentido contrário.
Seu Renato, como o chamara a mesária, com o apertar do botãozinho verde Confirma parece ter se deletado politicamente, golpeando mortalmente a máxima aristotélica que enxerga no homem um animal político. A não ser, evidentemente, que exista política para além do voto.
Os dados das últimas eleições presidenciais apontam para números recordes de abstenções desde a chamada abertura política, com o fim da ditadura civil-militar-capitalista e a liberação para escolha direta de presidenciáveis em 1989. Isso significa que antes do “vote consciente” é preciso agora despertar a consciência para o “não deixe de votar”.
Se à estatística oficial acrescentássemos as abstenções não explícitas, citadas em parágrafos anteriores, como o voto por alguns trocados, por exemplo, e incluíssemos aí o sucesso de candidaturas tipo Tiririca e seu criativo “Ruim por ruim, vote em mim”, e mais: o domínio pleno da marquetagem e as famosas “máquinas de campanha”, o controle dos “currais eleitorais” pelo velho e o novo coronelismo, a exigência de fidelidade política como condição à manutenção do emprego, a aceitação crítica ou passiva dessas regras e a confusão na busca por identificar o que seja esquerda ou direita, e isso multiplicado a índices nunca antes visto na história desse país, podemos facilmente inferir que a anulação do voto está para além do percentual de voto nulo.
As Diretas Já, que significaram uma importante conquista da luta dos trabalhadores e trabalhadoras num determinado período de nossa história, ao que tudo indica, precisam de reedição, mas de um jeito que possa estar em sintonia com os apelos populares de hoje.
O interessante é perceber que a burguesia e seus governos não encontraram ainda a resposta para evitar que essa descrença generalizada do povo na política institucional vigente convirja para formas populares e diretas de exercício político. Por essa razão seguem empregando métodos tradicionais e, ao que se consta, ao menos nesse sentido, ineficazes de subjugação dos fatos a seus velhos paradigmas.
Na Europa e nos Estados Unidos, principalmente, mobilizações recentes pautaram com ênfase a necessidade de formas políticas participativas, diretas.
No Brasil, como o voto já vem sendo generalizadamente anulado, nem é tanto a anulação intencional do voto a principal questão. Muito menos fazer apologia do voto facultativo, alternativa de direita. O que é premente para as organizações e movimentos populares é encontrar formas de interação com esse sentimento e sua correspondente consciência.
A atual trilogia do poder institucional, oposição/atrelamento (crítico ou não)/isolamento, sem saber, acaba por professar a mesma fé já maculada pelas massas descrentes.
Destas e de outras contramãos é que nascem os “Taboãos” da vida, que seguirão implodindo velhas formas e anunciando boas novas.
Thales Emmanuel
Organização Popular – OPA
Aracati-CE
Por mais que não exista uma grande mobilização de massas ou de base no Brasil, me custa acreditar que existe um tal desânimo tão forte ao ponto de nos equipararmos à atual situação nos EUA ou na decadente Europa.
Um ex-presidente com 85% de aprovação nacional não é algo que se encontra em qualquer país, e me parece ser o tipo de fenômeno que deve ser levado em conta quando a extrema esquerda formula suas táticas no campo social. Como filho de uma classe média “intelectual”, comprendo plenamente que a democracia representativa deve acabar. Mas como fazer o diálogo com o resto da população? Atualmente o embate direto anti-partidário não me parece que satisfaz um acordo mínimo entre interlocutores de distintas origens. Não haveriam maneiras de estimular o não-partidário sem binomizar e criar antipatia daqueles que veem suas vidas de fato melhorarem com tal ou tal mandato, que percebem que a saúde melhora em seu bairro nos mandatos deste ou daquele partido, que vê que o transporte melhora ou piora, que a polícia mata mais ou mata menos de acordo com a carinha estampada nos outdores públicos?
A Lucas Gordon, caso desconheça:
http://outracampanhabrasil.blogspot.com.br/
https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Outra_Campanha
https://es.wikipedia.org/wiki/La_Otra_Campa%C3%B1a
Olá Thales, muito bom seu texto.
No entanto, gostaria de saber mais sobre o que é a OPA e o que faz?
Sou de Fortaleza e participo de grupos e movimentos libertários autônomos que reivindicam o voto nulo e fazem a critica a representação parlamentar. Não tinha ainda ouvido falar de vcs.
Estive observando. Lá na quebrada, há mais de dez anos tem sempre alguns candidatos do lugar, e nenhum deles se elege. A rapaziada, geral, pega as camisas doadas para o time, pega as brejas pagas, pega a graninha da gasolina, pega tudo, e não vota em ninguém. Trabalha na eleição, ganha 50, 100,e ninguém é eleito. No fundo, eles sabem que aqueles caras e aquelas minas querem ser mais que eles, ai entram no papo, mas não elegem. É como se dissessem: não temos um dos nossos, então…não vai ninguém.
Ai faço uma comparação: meu irmão se candidatou uma única vez para conselheiro tutelar e foi eleito. A primeira vez que um conselheiro é eleito sem apoio de igreja, de delegado. Porque a igreja e a polícia basicamente elegem os conselheiros. Mas meu irmão vinha de um trabalho social de anos. E para votar, as pessoas tinham que ir até o centro, era mais distante que votar na escola do bairro, como nas eleições, mas foram. Aquela eleição foi, na verdade, um reconhecimento do trabalho feito antes. Pavimentar viela no domingo, organizar festa pras crianças, denunciar policia que espancou aluno a pedido de diretora, uma treta. Então eu olho e comparo e vejo racionalidade na não eleição de outros, que não possuem trabalho algum: são donos de taxi, botecos, e outros.
Você vai ver, tirando esse caso pontual, as lutas deles se confundem com a própria sobrevivência. É um dia que precisam pressionar na escola tal, é outro dia que precisam quebrar um ônibus, é outro que precisam quebrar o trem, é o cotidiano, com informações passadas de bar para bar – como está um canto, como está outro. “Hoje o clima não está bom”, o bar fecha cedo. “Hoje tá suave”, podem beber, conversar e ver futebol tranquilamente. Diferentemente da política universitária, muito verbalizada, é toda uma coisa silenciosa, falam com os olhos, com o corpo, com a roupa. E assim administram: é polícia que vem de fora, é evangélico de dentro, é a turma da escola, são as mulheres do bairro. Num prédio de classe média tem o síndico. Ali tem bem mais gente que num prédio, e quem é o síndico? Não tem um papel e todos sabem as regras, não tem uma assembleia e todos dialogam. É a política do hoje: não ser agredido, não ser morto, não ficar desmoralizado.