Por Caio de Andrea

 

Começo este texto com meu testemunho e sobretudo com minha alegria. O Movimento Passe Livre de São Paulo (o MPL-SP) inaugura um novo modo de ação política popular que não tarda a demonstrar seus resultados. Qualquer um que tenha se proposto às passeatas pelas ruas de nossa cidade nos últimos dias sabe do que se trata, pois experimenta: já há vitória para comemorar quando um brado (tal como este, ecoando uma torcida que já não é por time de futebol: “Ôôôô / O povo acordou / O povo acordou / O povo acordôôôÔ”) é entoado a plenos pulmões por 5 mil pessoas e, depois de muita cacetada da polícia, por umas 7 mil pessoas, e depois de muito mais cacetada ainda, por umas 10 mil pessoas, e hoje, dia 13 de junho, ápice total da brutalidade generalizada, por umas 15 mil pessoas…

As cacetadas e as prisões (e quão ridiculamente desnecessárias, violentas e arbitrárias – que o digam crianças, transeuntes, motoristas, moradores dos entornos e os jornalistas baleados, espancados e presos em pleno serviço!), todo o medo que se procurou incutir nas mentes e nos corações por todos os meios de comunicação, bem, nada disso foi suficiente para deter uma torrente de participação popular que só fez crescer, como se a cada cacetada a solidariedade e sobretudo a indignação aumentassem, tal como de fato aumentaram. Sim, o povo acordou – e não, não tem medo de porrada.

Há lições aqui. Lições para aqueles que almejam crescer em suas iniciativas políticas. Iniciar algo novo não é fácil. E talvez a principal lição do MPL seja esta: sua iniciativa talvez consista numa recusa, numa descentralização, no abandono da sanha, do vício do controle (vanguardista?) sobre todas as ações de todos os participantes reunidos, na oposição ao desejo de garantir – suprimindo qualquer liberdade expressiva “fora do padrão desejado” – um corpo homogêneo, uniforme, todos iguais (algo que lembra um pouco certas inciativas fascistas, por sinal). Há riscos nesse abandono do control freak, claro que há. Mas são riscos sociais, não devem nunca ser atribuídos ao MPL, tal como tem sido feito à torto e à direita. São riscos que nos cabem enquanto sociedade – uma sociedade que se caracteriza, sobretudo, por ser ela mesma uma sociedade de risco. Na verdade: riscos – são tantos e tão variados, em quantidade e intensidade, que tratar seriamente de cada um deles é uma obrigação que deveria tomar cada um de nós cotidianamente. O MPL não pode ser responsabilizado por nada que não seja a reivindicação pacífica de um direito universal – que não se traduz, jamais, numa revogação do mais recente aumento de preço da tarifa; afinal, o próprio MPL já dizia que “um direito não se reduz, amplia-se”, e também acusava “R$ 3,00 é roubo!” – e, antes disso, outras tarifas já eram roubo, a antes destas, outras ainda, roubo também, anteriores, seguindo assim numa redução que nunca encontraria fim, ou melhor, que só encontraria fim quando deixasse de ser uma questão de preço de mercadoria para se converter numa de direito, na passagem do reino das quantidades para o das qualidades, ao propor uma nova articulação das duas dimensões. A reivindicação de revogação do aumento mais recente de tarifa é muito simplesmente um gesto simbólico, uma sinalização de que as coisas podem ser pensadas e planejadas com mais calma, rigor e sobretudo com justiça social.

Talvez as coisas possam ser ditas da seguinte maneira:
Um direito deve ter lugar. É preciso preparar a sociedade para o reconhecimento desse direito.

O que vem ocorrendo nas últimas semanas é, portanto, uma necessária demonstração de força popular democrática, reivindicativa, que participa ativamente, conforme as restrições e possibilidades estreitas de um modelo representativo de democracia, no governo da cidade. O campo de experiência que se abre com a novidade da recusa do MPL projeta um horizonte de expectativa animador. Devemos vivenciar com alegria e sem temor essa novidade.

Viva o MPL!

9 COMENTÁRIOS

  1. É importante evitar que surjam donos da luta. Quanto a isso, cabe lembrar o quanto tem sido irritante a atuação de alguns grupos políticos que ficam como torcidas organizadas tentando impor um discurso. Até político levaram para falar.

    A coisa fica boa depois que a multidão começa a andar e aí esses grupos não conseguem mais controlar a multidão. Não fica nenhum movimento dirigindo pessoas, mas milhares de homens e mulheres, uns mais jovens e outros menos, se dirigindo coletivamente e ajudando.

  2. Sinceramente, estou sentido falta de um debate sobre a possibilidade da Tarifa zero, acho uma questão fundamental. É precio uma explicação mais concisa a respeito, ainda não foi fomentado muito bem este debate

  3. O texto veio em boa hora. Acho que o MPL conquistou duas grandes vitórias até agora: a nacionalização de uma pauta local e a divulgação de um modo de organização revolucionário. Digo mesmo “revolucionário”, mas sem dizer que nós estamos vivendo uma revolução. Acho que estamos iniciando um novo ciclo de organização das lutas populares no Brasil, que será decerto influenciado pelo modelo de organização horizontal adotado pelo MPL e outras organizações e coletivos. Mas não é só – e não bastaria para ser revolucionário. O MPL está promovendo a subversão na tradição política de esquerda no Brasil. Da melhor forma possível, ele está demonstrando que a forma partidária está esgotada e que as mudanças estruturais na sociedade são sempre resultados da tomada de consciência e ação coletivas. Essa decisão me anima pois está em consonância com a história das revoluções e a construção do poder popular. Ou seja, está claro para o MPL, e talvez esteja começando a ficar claro para muita gente, que líderes, direção, estrutura vertical, hierarquia, democracia representativa, são sinônimos de assimilação capitalista das lutas sociais e burocratização. O nosso papel como não membros do MPL? Ir às ruas, potencializar a horizontalidade do MPL contribuindo para a organização do movimento, avançar para além das passeatas, compreender e apresentar às pessoas a viabilidade da Tarifa Zero, divulgar a democracia direta como principio organizativo, enfim ampliar a luta para além dos protestos sem abdicar deles. É preciso estar pronto também para um momento que se aproxima – não, não é ainda a revolução – mas a tentativa de assimilação das passeatas. A policia vai reprimir bem menos, não ocorrerão mais detenções, a grande midia não vai mais divulgar tanto, o prefeito vai convocar uma serie de reuniões com representantes do mov, técnicos vão pedir semanas para avaliar as propostas do mov…e ai chegará o momento de se reinventar mais uma vez, usar a criatividade do povo auto-organizado nas ruas, ou então voltar para casa. Esta segunda opção não existe.

  4. Salve Caio e demais companheiros.
    A recusa do MPL, reforça a ideia horizontal de que as manifestações são populares e de um povo que já está cansado de ser roubado, o aumento de eleitores nulos, brancos e pessoas que se recusaram a ir para as urnas nas últimas eleições, demonstra a insatisfação desse Sistema falho, opressor e para uma minoria que não quer e nem vai larga o osso… O MPL como organizadores do 1º passo desse grande estopim, que desde o ano de 2005 vem as ruas convocar, não só estudantes, mas toda a população que a cada ano, e exclusivamente agora em 2013 vê a adesão de uma parte significativa da sociedade, algo novo e por quê não, exemplar para diversas manifestações em que temos o DIREITO de OCUPAR as Vias Públicas e cobrar por nossos DIREITOS CONSTITUCIONAIS. Concordo em NÃO LEVANTAR BANDEIRAS DE PARTIDOS. POIS, POR MAIS QUE ESTEJAMOS FAZENDO POLÍTICA. NÃO TEMOS QUE SEGMENTAR A LUTA POR UMA SIGLA. MOVIMENTO PASSE LIVRE É TODOS NÓS… E não um simples grupo, uma hierarquia, uma forma vertical de poder. UM GRANDE VIVA PRA TODOS NÓS.

  5. Esse comentário tem a pretensão de ser realista, mas tenho certeza que muitos vão vê-lo como pessimista.
    É claro que, numa conjuntura onde a esquerda apanha há muito tempo, uma mobilização dessas pode ser vista como um avanço. Contudo, acredito ser contraproducente e até ingênuo vislumbrar qualquer tipo de vitória. No meu entender, e respeitando quem pensa o contrário, diria que a única coisa que se pode afirmar, nesse processo que ainda está em aberto, é que ele, talvez, possa ser o início de um ciclo de mobilizações massivas que deem fruto num longo prazo, caso o hábito da luta política não institucional se torne uma realidade significava na cidade. Ademais, é bom lembrar que em muitas outras cidades pelo mundo onde isso já é uma realidade, nem por isso a luta popular está vencendo a guerra, vence no máximo uma ou outra batalha que não muda as condições estruturais da coisa.
    No mais, o MPL teve o mérito de chamar e mobilizar as pessoas em torno de uma pauta que é de todos, mas o movimento não se reduz ao MPL, o MPL não é líder porque renuncia, mas sim porque numa mobilização dessas não há líderes, não há nem deve haver controle.

  6. Uma novidade que o MPL deveria praticar é realizar as reuniões com os poderes não de porta fechada, mas filmadas e transmitidas ao vivo para todos pela net.

    Isso não porque eu não confie nos líderes, mas pela questão pedagógica mesmo, pelo exemplo importante que ficaria para outras lideranças e outros movimentos.

  7. realmente os jovem de hoje estão com conciencia política para lutar pelos seus direitos a situação está muito grave não temos direito a saúde,educação, moradia, condução, livre expressão,enquanto isso os políticos, a polícia tem o direito de nos roubar,bater, matar,humilhar ,temos que ir a rua contra tudo isso.

  8. Caro Rodrigo Felix,

    tuas considerações “pessimistas” são realistas, e acho muito bom teu comentário. À exceção do “qualquer tipo de vitória” (pois tivemos!), concordo com tudo o que dizes. Obrigado!

    Caio.

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