A esquerda não é forte nos partidos, como foi no século passado, mas nas organizações de base ligadas às lutas regionais das periferias e centralizadas de alguma forma federalizada. Por Guilherme Wagner
De uma análise conjuntural imediata a esquerda peca em dois aspectos: a falta do trabalho de base provinda da grande parte das estruturas estarem ligadas ainda às arcaicas formas de luta de classe; e a fragilidade das estruturas de esquerda existentes. A revolta popular brasileira é tudo menos de supremacia popular: os domínios da classe média branca são evidentes.
Partindo desses pressupostos podemos definir certas análises importantes quanto aos resultados efetivos nos âmbitos político e econômico. Se de um lado a revolta tomou face de mobilização à esquerda, pautando questões que defendem os interesses proletários e das minorias, o insucesso do Estado de reprimir essas lutas sociais promoveu o acionamento de planejamento de reserva por parte da burguesia nacional, a convocação das massas médias e despolitizadas desse país. Se em um primeiro momento os fatos que levaram a crer em um possível golpe colocaram os movimentos de esquerda em estado de alerta, agora podemos de forma mais acalmada definir estes como uma defesa da burguesia nacional e um ataque de caráter eleitoral ao governo federal conciliatório de classes. [1] No entanto, os ataques ao pensamento de esquerda são fatídicos e merecem cuidado especial, assim como a sua defesa reflete os erros e os passos futuros que a esquerda deve tomar.
Após a revolta popular de massas, que não significa necessariamente um episódio positivo, onde se observou os ataques à esquerda incentivados por setores mais à direita utilizando-se da classe média branca como massa de manobra, a defesa da esquerda vem se organizando em volta de uma convocação das periferias, reduto das lutas sociais pela causa proletária e minorias a nível nacional. É nesse momento que se corroboram as fragilidades das organizações de esquerda “ortodoxas”: os partidos de esquerda não mais são visíveis como a maior força motriz de luta social, tanto que seus militantes não foram suficientes para os defender. Mas se engana quem analisa os mesmos como um fato isolado a partidos, pois os semblantes de ataque foram a toda uma ideologia de esquerda. Eis então que surgem as organização não partidárias de esquerda, ligadas diretamente à periferia. Isto é, a defesa da esquerda como um todo foi promovida por grupos de base que não se ligam de forma organizada aos partidos, grupos que promovem suas atividades de forma coordenada e mais horizontal. A conclusão principal é que a esquerda não é forte nos partidos, como foi no século passado, mas nas organizações de caráter de base ligadas às lutas regionais das periferias e centralizadas de alguma forma federalizada. A defesa ao direito de levar bandeiras partidárias não está sendo efetuada por seus militantes, mas, em grande parte, por anarquistas e militantes sociais sem partido definido. Isto é, está claro que as estruturas partidárias não são mais eficientes dentro do contexto de expansão capitalista que vivemos. O partido revolucionário que foi um instrumento de luta do século passado já foi “recuperado” [2] pelo sistema de democracia burguesa.
Colocado às claras essas organizações de esquerda apartidárias nas periferias, é fatídico que o seu sucesso se dá pelo trabalho de base comunitário efetuado pelas mesmas. Se no século passado os sindicatos e os partidos eram os instrumentos de luta não apenas dos proletários, mas de todas as comunidades marginalizadas, hoje a realidade é totalmente diferente, e cobra da esquerda a capacidade dialética de ligar os ensinamentos do passado às questões postas nesse presente e repensar a sua organização de luta social.
Se ilude nesse contexto quem continua a enaltecer formas de lutas sociais passadas. Evidentemente que as estruturas do século passado ainda são formas efetivas de resistência proletária ao capital; no entanto, não mais promovem o acúmulo político para a continuidade da consciência de classe revolucionária. É preciso deixar claro e separar o que é um instrumento de resistência e o que é um trabalho revolucionário. Estes, que devem ser concomitantes, são encontrados no momento atual, e possivelmente durante um bom período, nas organizações de luta social de base e regionais, sendo que para seu caráter internacionalista e federalista é questão de acúmulo político.
Logo, o trabalho de base não se enfraqueceu necessariamente porque se escamoteou, mas sim porque as estruturas de esquerda estão arcaicas e precisam ser repensadas. Assim, se torna clara uma discussão aprofundada dessas estruturas aos olhos dos grandes teóricos marxistas e anarquistas que não propuseram organizações fechadas, mas sim acumularam um debate de vanguarda sobre a classe proletária e que poderá promover essa efetivação de lutas sociais mais à esquerda.
Notas
[1] Importante lembrar que o PT foi eleito para a presidência para acalmar as ondas de greves dos sindicatos brasileiros, conciliando os interesses dos proletários e da burguesia nacional.
[2] ‘Recuperado’ é quando um instrumento de luta revolucionário é assimilado ao sistema existente. Ex: os sindicatos clandestinos assimilados durante o governo fascista de Vargas.
“Ondas de greves”?
Faço aqui o relato do que ocorreu hoje no Rio de Janeiro, pois acho que vêm a calhar, dado o assunto do texto.
O ato de hoje estava marcado para as 16 horas, na Candelária, com outra concentração simultânea no IFCS (UFRJ), para feitura dos cartazes, etc. Fora acordado na Plenária do dia 25 que a pauta do Ato de hoje seria a desmilitarização da polícia, a tarifa zero com estatização do transporte público (e repúdio à baixa da tarifa por meio de mais isenção de impostos aos capitalistas do setor), liberação dos presos políticos dos atos anteriores e repúdio às UPPs e toda a política de criminalização e repressão brutal à periferia. O trajeto definido era Candelária-Cinelândia-Fetranspor. O ato deve ter chegado a ter uns 60 mil participantes, mas não tenho certeza. Correu bem, embora um pouco desanimado, até a Candelária. O tempo todo estivemos cercados, nas calçadas e ruas subjacentes, por centenas de policiais. Creio que haviam uns 500 policiais no mínimo. Quando chegamos à Candelária, o trajeto acordado em Plenária com 3 mil participantes indicava que viraríamos à esquerda, como de praxe, rumo à rua da Alerj e Fetranspor. Mas então os Partidos (PCB, PSTU, PSOL) e movimentos sociais e sindicatos e alguns outros coletivos passaram a rua e paráram na Cinelândia. A massa que vinha embalada ficou um pouco sem saber o que se passava, e foi aventado que os Partidos, etc., haviam se enganado com o caminho até a Fetranspor. Depois de mais de meia-hora de tentativas de fazê-los voltar para seguir o trajeto – e nisso o Ato se esvaziando e se dissipando – finalmente ficamos sabendo que na verdade esse grupo de partidos, etc., estava preocupado com a segurança dos militantes e estava averiguando se iriam ou não até a Fetranspor, que à essa altura já estava super protegida por policiais, e a expectativa era de que, como sempre, chegando ao ponto final do ato os infiltrados da direita fariam o trabalho deles de provocação a fim de legitimar a pancadaria da polícia. Nisso devia haver uns 15 a 25 mil pessoas, na Cinelândia. Resumo: apenas a massa “desorganizada” e alguns organizados que discordaram das direções dos Partidos para que não fossem à Fetranspor, ou seja, umas cerca de 5 mil pessoas, Foram à Fetranspor. Os partidos, o MST, os Sindicatos presentes, todos preferiram dividir o Ato e “preservar a integridade física dos militantes” ao invés de seguir a orientação democrática da plenária. No fim das contas seguiu para a Fetranspor apenas coletivos anarquistas, coletivos menores que não lembro o nome, o coletivo “vamos à luta”, que se não me engano é do psol, e o rstante era tudo gente “desorganizada”. Notei presença em massa de negros e gente que acho que eram das periferias. Passamos por momentos de tensão mas nada de grave aconteceu. Os centenas de policiais estavam apenas interessados em proteger os patrimônios públicos e privados, e os infiltrados não tiveram sucesso em gerar o caos. Depois de tudo acabamos voltando à Cinelândia, mas aí os órgãos revolucionários da classe trabalhadora não estavam mais lá. Depois de ter apanhado nos atos anteriores na defesa da bandeiras dos partidos, nada mais decepcionante que a atuação dos Partidos, Sindicatos e movimentos, hoje. A massa desorganizada radicalizando, e os Partidos jogando areia. Se querem preservar a integridade física o segredo é atuar em massa, junto à classe, e não dividindo-a e deixando os desorganizados (pq será que somos desorganizados né?) irem apanhar sozinhos, com vistas a seguir a pauta decidida democraticamente na Plenária.