Não se pode negar o papel que o Movimento Passe Livre cumpriu no desencadeamento dos protestos que se espalharam pelo país. Na cidade de São Paulo, nos últimos aumentos da passagem, desde 2005, o MPL convocou atos que cresceram de tamanho e se tornaram tradicionais. Neste ano, a ousadia em propor atos e sequência, com uma radicalidade incomum, foi determinante para os desdobramentos que nos surpreenderam a todos. Mas não só isso. Também foi decisiva a falta de pretensão do Movimento em se apresentar como dono das lutas e de assumir controle sobre elas. Isso traz importantes reflexões para o conjunto da esquerda, da qual somos parte, e que em sua maioria ficou atônita. Afinal, foi aberta uma conjuntura que deixou evidente a incapacidade da esquerda de dialogar e de apresentar propostas para o conjunto da população. Daí a grita histérica em favor do “trabalho de base”, sobretudo nas periferias. Como se essa palavra tivesse poderes mágicos, e como se estivéssemos todos nós só esperando para ser iluminados por nossos maravilhosos quadros da esquerda, que adoram ouvir o som das próprias vozes. E que simplesmente naturalizam essa divisão entre topo e base…
Diante das massas que tomaram as ruas, as organizações de esquerda iniciaram um festival de atos esvaziados, burocráticos e sem criatividade, levantando pautas confusas, sem objetividade e sem radicalidade, em meio a disputas para ver quem era o dono das lutas. E isso sempre movidos pelo fetiche de sentar à mesa de negociações com os representantes do Estado, e depois se gabar dos seus supostos triunfos.
O MPL só conseguiu fazer uma boa análise de conjuntura e sair do roteiro, como analisaram os companheiros e companheiras do PassaPalavra , porque seus membros não são burocratas, não estão se dedicando a construir candidaturas, não estão subordinados a politiqueiros ou a sindicatos pelegos, não estão batalhando por seus meios de vida, garantindo cargos no governo ou brigando por estrutura, não estão buscando se manter como dirigentes autoproclamados, que tentam centralizar tudo. Além disso, e por causa disso, os militantes do MPL não propuseram lutas para aparecer no facebook, ou para aumentar o número de seus “seguidores” nas tais redes sociais. Eles também não estavam preocupados em conseguir reuniões com os desgraçados dos governantes, para barganhar migalhas e sair na foto. Enfim, o Movimento não reproduziu a lógica que domina boa parte da esquerda como um câncer.
Essa esquerda se dividiu entre o pânico “anti-fascista” e o discurso vazio da “unidade”, que não conseguiu esconder seus interesses mesquinhos em preservar ou ampliar as migalhas que recebem. Para quem está na luta cotidiana, não resta qualquer dúvida que a direita domina o país e que o conservadorismo tem aumentado de modo gritante, alimentado pelo marketing, pela cultura do medo, pelo consumismo, pelo paternalismo, enfim, por vários dos pilares do projeto petista, que nem reformista consegue ser, que não ousa tocar em qualquer questão estrutural, e cuja forma de gestão do capitalismo só acirra os antagonismos sociais, e serve de combustível para a direita.
E quem está na luta cotidiana sabe que a resposta a tudo isso não pode ser o pânico, mas sim a dedicação e o compromisso na construção das lutas e dos processos organizativos, autônomos e radicais. Não podemos cair na armadilha pseudo-reformista de voltar todas as nossas energias para sustentar um projeto político terrível, de modo a evitar um “mal maior”. Enquanto não conseguirmos construir um projeto revolucionário, estamos fadados a produzir o “mal maior”, e a reduzir nosso horizonte político a ponto de não sobrar nada que preste.
De modo bastante contundente, a luta direta mostrou potenciais e balançou o “consensão” petista, que apesar das convocatórias “às suas bases”colocou na rua só meia dúzia de gatos pingados. Cabe aos lutadores e às lutadoras agir e se posicionar neste contexto, de modo a não permitir que a direita se aproprie das lutas e saia ainda mais fortalecida.