Por Estudantes entrevistados por Passa Palavra

 

A abordagem policial que o servidor Ricardo Gama recebeu em 31 de julho não foi a primeira intimidação sofrida. A presença da polícia nas imediações do campus da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) na Baixada Santista é constante e os casos de abuso de autoridade são frequentes. Após responder a provocações de agentes da Polícia Militar, o servidor foi espancado, levado para a delegacia e em seguida para a Santa Casa, onde precisou de fazer oito pontos nos lábios para estancar o ferimento.

Na mesma noite os policiais voltaram à casa de Ricardo para ameaçá-lo e na madrugada de sexta-feira o servidor foi encontrado morto. Para lutar pela responsabilização do Estado pela morte do servidor, um grupo de estudantes da Unifesp criou uma comissão para acompanhar o caso e pedir providências também por parte da Universidade, que até agora se limitou a tentativas de abafar o caso. Abaixo leia a entrevista feita pelo Passa Palavra com integrantes da comissão do comunicação.

E veja aqui um vídeo.

Passa Palavra: A agressão de morte de Ricardo por parte da polícia motivou a criação de um grupo de estudantes para acompanhar o caso. Vocês estão em contato com a família do trabalhador?

Estudantes: Estamos. No enterro, o pai dele nos procurou para saber o que poderíamos fazer para que o caso não seja esquecido. Então estamos em contato frequente para fazer essa luta juntos e apoiar a família no que for preciso. Há um movimento muito maior pedindo esclarecimento sobre o caso, na sexta-feira houve um ato que contou com a participação de aproximadamente 150 pessoas, o que já demonstra que os familiares, amigos e as pessoas próximas ao Ricardo não estão sozinhas.

PP: A agressão a Ricardo foi feita em seu horário de almoço. Qual foi a reação da instituição?

Ricardo Ferreira Gama

E: Ainda na quarta-feira quando Ricardo foi agredido, a Unifesp não prestou qualquer apoio ao trabalhador. Inclusive, após ter ido para a delegacia, ele voltou ao trabalho com oito pontos na boca.

Fizemos uma reunião com a Unifesp, que inicialmente se mostrou disposta a abrir um boletim de ocorrência institucional sobre o ocorrido, mas os dias passaram e nada foi feito. Eles até propuseram iniciar discussões sobre a presença e ação policial no campus e nas imediações da universidade, porque a intimidação policial é muito frequente com os estudantes. Um dos relatos é de um estudante que foi xingado e teve seu diploma amassado por um policial. Nós achamos essa discussão importante, mas não se pode desviar o foco neste momento. Queremos uma resposta para a morte de Ricardo.

PP: Os servidores terceirizados estão apoiando?

E: Eles estão apoiando na medida do possível, mas desde o acontecimento da morte de Ricardo o pânico é o que tem predominado. Só conseguiram ir ao enterro por conta da pressão que fizemos na direção da universidade para os liberarem do trabalho.

O trabalhador que fez questão de acompanhar Ricardo na ida à delegacia na quarta-feira foi transferido para outra unidade da Unifesp. Dois trabalhadores terceirizados da limpeza pediram demissão e um servidor técnico-administrativo que tem feito a ponte entre estudantes e trabalhadores terceirizados está sofrendo perseguição da instituição.

 Ricardo levado para a delegacia

PP: Vocês estão sendo ameaçados?

E:Tivemos o caso dos estudantes ameaçados enquanto tentavam registrar o B.O na quarta-feira. Ao entregar a identidade ao policial para iniciar o registro, um estudante foi questionada: “Você tem certeza que vai denunciar? O Ricardo não falou nada, você vai ter que responder por falso testemunho.” Na insistência pelo registro, o policial voltou a ameaçar. “Você tem certeza que vai denunciar? Eu tenho uma droguinha aqui…e posso te incriminar por porte de drogas”. Por coação os estudantes deixaram a delegacia sem registrar o B.O.

Uma professora também foi procurada nas imediações da Unifesp para prestar esclarecimentos informais. Duas outras professoras estavam próximas e disseram que também iriam acompanhá-la, mas os policiais negaram a presença delas. “Não precisa, não, minha filha. O nome que eu tenho é dela, é com ela que queremos falar”.

Quando passamos a dar entrevistas, rompendo o silêncio que a Unifesp nos pediu, houve uma mudança de posicionamento por parte do comando da Polícia Militarde São Paulo, que num primeiro momento disseram que não havia nenhuma prova do envolvimento dos policiais na morte de Ricardo; e que esta acusação era política. Na visão do comandante da PM, os estudantes queriam relacionar a morte de Ricardo com o desaparecimento de Amarildo no Rio de Janeiro. Mas, com o posicionamento dos estudantes no mesmo dia e a liberação do vídeo que mostra o Ricardo no camburão ferido, o comandante da PM voltou atrás e reabriu as investigações. Precisamos dizer que a situação da violência policial é tão séria na baixada santista, que a universidade precisa se posicionar claramente contra os (des)mandos da polícia militar, dentro e fora da universidade.

PP: Existe alguma relação do que aconteceu com os grupos de extermínio da Baixada Santista?

E: Não podemos falar em relação direta, mas com certeza está ligado ao contexto de extrema violência policial que temos em Santos contra a juventude pobre e periférica. Vale lembrar que o prédio da Unifesp, uma construção gigantesca e arquitetura moderna, está localizada no centro da cidade de Santos, onde está uma grande concentração de cortiços. Neste sentido, podemos notar que a UNIFESP está inserida dentro de um contexto de valorização dos imóveis ao seu redor, que contribui com a especulação imobiliária, assim, a higienização da área está na ordem do dia.

A legitimação dessas ações são reforçadas com frequência pelo Estado. Recentemente a Câmara de Vereadores de Santos, com a presença do prefeito Paulo Barbosa, homenageou a Rotam (Rondas Ostensivas Táticas Móvel). Outro exemplo foi a nomeação do comandante da Tropa de Choque da baixada Santista, Carlos Celso Castelo Branco Savioli, ser nomeado o novo comandante da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

PP: Quais são as próximas ações programadas?

E: Agora partimos para segunda etapa de luta. Nesta semana ficamos a cargo das demandas mais urgentes, praticamente sem tempo para dormir. Nos organizamos para prestar apoio a família do Ricardo e aos demais envolvidos diretamente no caso. Também ficamos a cargo de reuniões na Unifesp e alguns encaminhamentos jurídicos para que o caso não fique impune. A partir de agora vamos realizar eventos públicos na rua e na universidade para que o caso não seja esquecido e o Estado seja responsabilizado pelo assassinato de Ricardo.

Em relação à UNIFESP, faz-se necessário relembrar a lei que regula os “acidentes de trabalho”. Segundo o art.21 da Lei nº 8.213/91, “I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação”; em complementação a isso, no segundo inciso do art. 21, a lei afirma que “II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho”.

Os leitores portugueses que não percebam certos termos usados no Brasil
e os leitores brasileiros que não entendam outros termos usados em Portugal
encontrarão aqui um glossário de gíria e de expressões idiomáticas.

1 COMENTÁRIO

  1. Muito bonito isso que os estudantes e trabalhadores da Unifesp estão fazendo, nomeando as vítimas e divulgando aos quatro ventos como é o trabalho cotidiano da polícia militar.

    Enqto isso no RJ todo dia surgem novos Amarildos, vitimados pela pacificação. Essa é a história do Laércio:

    http://coletivodar.org/2013/08/laercio-mais-uma-vitima-da-pacificacao/

    Sobre o cara da PM da baixada que subiu pra SP, senão me engano foi pra comandar a Tropa de Choque não pra ser comandante… http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/08/1323880-alvo-de-criticas-em-protestos-chefe-da-tropa-de-choque-cai.shtml

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