Por Passa Palavra

 

É cama de gato
Melhor se cuidar
No campo do adversário
É bom jogar com muita calma
Procurando pela brecha
Pra poder ganhar
(Gonzaguinha – “Geraldinos e Arquibaldos”)

Etim.: Popularmente e na gíria do futebol (e outros esportes coletivos), cama-de-gato designa uma das mais violentas quedas provocadas de que se tem conhecimento: quando o jogador pula para interceptar ou cabecear uma bola alta, […] [um] o escora pelas pernas, provocando o desequilíbrio do outro, que cai espetacularmente. É a cama-de-gato: falta gravíssima. Entre a moçada em várias regiões do país, principalmente nas escolas, usa-se a cama-de-gato como uma das mais estúpidas brincadeiras de que se tem notícia: um dos jovens fica por trás do que foi escolhido, de gatinhas, enquanto o outro o empurra pelo peito; tomando de costas, a vítima encontra a resistência do que está de gatinhas e quase sempre cai de pernas para o ar, completamente tonto, batendo as costas no chão, o que muitas vezes o faz perder o fôlego.

(In: Dicionário Informal)

Foi lindo e continua sendo lindo. No cenário daquela que já foi capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, a mescla de largas avenidas e vielas estreitas, prédios históricos e imponentes e outros modernos e não menos imponentes, todos contribuem para emoldurar um dos mais interessantes processos de luta que já pudemos acompanhar.

Aqueles que querem depreciar, ousaram especular 2 mil pessoas no último ato (07/10/13); outros, um pouco menos mal intencionados, chegaram ao número de 10 mil; e os próprios coordenadores do sindicato dos professores oficialmente falam em 20 mil pessoas. Mas existem aqueles que defendem uma contagem de cerca de 100 mil pessoas, já que a Avenida Rio Branco ficou praticamente tomada pelo ato. Certamente não foi uma manifestação com a dimensão das que ocorreram em junho (quando se chegou a cogitar em mais de 1 milhão de pessoas nas ruas), mas o caráter deste último ato foi totalmente distinto daquele. Não havia olhares perdidos e poucas eram as bandeiras patrióticas. Era um ato claramente de esquerda e o clima era de solidariedade de classe.

Estavam presentes, entre outras organizações políticas, de trabalhadores, de moradores de subúrbios e favelas, o Favela Não Se Cala, a Frente Independente Popular, o incipiente MPL-Rio (Movimento Passe Livre do Rio de Janeiro), os Black Blocs, figuras já comuns nos atos, e uma inusitada “Tropa de Professores” (imitando a estética dos combatentes mascarados), demonstrando o reconhecimento do apoio daqueles nas últimas manifestações e contribuindo para arrefecer o clima de perseguição que se instalou sobre aqueles jovens de máscara e muita disposição.

O governo está pressionado: depois de uma duríssima repressão sobre as mobilizações dos profissionais da rede estadual no penúltimo final de semana (29/09), o governo estadual conseguiu que fosse decretada a ilegalidade do movimento, ameaçando os grevistas com o corte de ponto; no âmbito municipal aprovaram às pressas e em caráter de urgência o plano de cargos e salários. Contrariando as expectativas mais pessimistas, o movimento não só se consolidou como cresceu significativamente e ainda unificou professores estaduais e municipais na mesma luta.

A contradição que permite que as movimentações cresçam em número e legitimidade é a seguinte: de um lado a questão educacional tem sido um dos principais entraves ao projeto de desenvolvimento do Brasil imperialista — e as classes dominantes (governo e demais capitalistas) têm se esforçado por criar um sistema educacional que tecnicamente abarque as necessidades produtivas –; por outro lado, a educação ampla, geral e irrestrita faz parte dos anseios mais antigos da classe trabalhadora brasileira, anseio que foi constitucionalmente conquistado, definindo-a como direito de todos e dever do Estado e da família. Foi uma vitória histórica dos trabalhadores, porém isso também representou altos custos para o Estado. A saída econômica encontrada foi proletarizar a função de professor e demais trabalhadores da educação. É o velho quadro de formação de mecanismos que articulam a mais-valia absoluta com a mais-valia relativa em um determinado setor econômico (nesse caso o de formação da força de trabalho). Enquanto o sistema não colhe os louros, vendo seus rendimentos aumentados pela maior qualificação da força de trabalho em formação (os nossos alunos), sofrem os profissionais da educação, que têm de pagar com sangue, suor e lágrimas (além de exoneração e depressão) os custos da modernização do sistema de ensino.

Por esse motivo é que se abre esta fissura que viabiliza o amplo apoio às manifestações desses profissionais. E não se vê um único discurso, tanto entre as classes dominantes, quanto entre os trabalhadores, contra os projetos de melhoria da educação. Contudo, não nos devemos enganar. Eles falam coisas distintas e têm interesses distintos nesse processo. A ampla resistência ao plano de carreira imposto pela prefeitura evidencia esse fato.

A situação inusitada para os governantes é o crescente apoio alcançado pelos profissionais da educação em luta. Aqui estamos vendo a união prática entre antigos desafetos. Nos principais jornais da capital fluminense, os tradicionais boçais que comentam as maiores barbaridades nas matérias de jornais têm se sentido pouco à vontade de expressar suas concepções reacionárias. O que predomina é o clima de amplo apoio nestes espaços. Até mesmo atores e demais profissionais das grandes mídias têm se sentido à vontade para expressar seu apoio ao movimento. Sim, estamos diante da possibilidade de uma grande vitória.

Mas a hora mais fria é aquela anterior ao amanhecer. Enganam-se aqueles companheiros que acreditam que o Estado é povoado por molóides e néscios incompetentes (por mais que eles existam) e aqui se prepara uma cama-de-gato. No ato de ontem a polícia, como em outras ocasiões, claramente permitiu que os manifestantes tomassem as ruas. Claro que isto se deve em parte à perda de legitimidade da Polícia Militar em reprimir os atos. Mas o jogo que eles jogam tem muitas peças e os manifestantes não são as únicas no tabuleiro. Eles usam infiltrados, todos já sabemos, mas eles sabem que uma mera fagulha é capaz de detonar uma bomba de nervos.

O Estado na forma atual não resistiu há tantos anos de graça. Ao provocar a reação dos manifestantes — tanto por seus infiltrados como pela pressão exercida sobre eles —, e permitir que ajam livremente, atua-se para cultivar a opinião da parte mais reacionária da cidade, utilizando-os posteriormente como apoio para perpetrar a repressão. Eles usam tudo o que podem quando é necessário e hoje mesmo na televisão anunciaram que uma das pichações feitas em um dos bancos que foram atacados continha a assinatura de uma das grandes facções criminosas da cidade do Rio de Janeiro.

Sabe-se que uma parte da população carioca tem um grande temor e legitima qualquer ação que sirva para reprimir os grupos criminosos. É nessa hora que é necessário jogar com muita calma no campo do adversário. A estratégia que se desenha pelo poder é a de tentar deslegitimar os que lutam para aplicar toda repressão desse mundo. É um momento em que resistir é fundamental, mas ser astuto e ler taticamente o espaço político não é uma tarefa menos imprescindível. Nesse final de segundo tempo estamos ganhando de 2×1. Com calma, muita calma, estamos quase lá. E sim, temos toda chance de ganhar, vai depender do quão bem conseguiremos nos movimentar nesse campo.

10 COMENTÁRIOS

  1. 09/10/2013 – 14:42 (Coloco com data e hora pq vai que apagam a notícia?)
    Professores agradecem participação de Black Blocs nas manifestações de segunda-feira

    RIO – Professores agradeceram a participação e o apoio de todos os grupos que participaram das manifestações desta segunda-feira, inclusive os Black Blocs. Segundo a assessoria de comunicação do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio (Sepe), o agradecimento faz parte de uma moção lida durante a assembleia que reuniu cerca de 5 mil professores da rede municipal, realizada nesta quarta-feira no Club Municipal, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Ainda de acordo com o sindicato, todos os manifestantes serão bem-vindos nos próximos protestos.
    (http://oglobo.globo.com/rio/professores-agradecem-participacao-de-black-blocs-nas-manifestacoes-de-segunda-feira-10309964)

  2. Está mais do que na hora dos professores organizarem seus próprios órgãos (ou “blocos”) de auto-defesa, assim a função não fica delegada a terceiros, podendo assim também ter melhor capacidade de defender-se contra infiltrados.

    Espero também que com todo este debate público a respeito dos Black Blocks os militantes que partem para esta estratégia ganhem maior consciência e respeito pelos companheiros que estão a seu lado na luta, ainda que sem máscara nem molotov. Não que eu parta do princípio de que não tem, mas que haja maior e melhor sincronia também da parte deles (pois da parte dos demais parece que já está começando a haver, como indica a notícia do comentário acima).

  3. G.

    Acho que não se trata de questão de ‘delegar a outros’.
    É questão de articular diferentes subjetividades que vão às ruas(que se expressam em diferentes modos de agir) .

    Primeiro, haverá professores com a disposição desses jovens de black blocs para jogar bombas de volta etc. etc.? Se não há, teriam que contratar gente para isso?

    Hipoteticamente mesmo se o próprio sindicato formasse sua autodefesa, contratando ou não, as pessoas que formam os tais black blocs estariam na rua de toda forma.
    Por isso, o melhor que se pode fazer é tentar dialogar e articular ao máximo essa diversidade, em favor de um objetivo comum, quando há.

  4. Sindicato formando autodefesa é delírio – sim ou não?
    Em caso de resposta afirmativa, devemos superestimar ou subestimar sua [do delírio] influência política? Segundo Manuel Nascimento, o ‘nunca’ vale para as duas opções…

  5. Leo,
    se me permite o palpite,
    esta articulação das subjetividades tem de ser promíscua, contagiante, de forma que tenhamos apenas ilhas bem ensaiadas, mas que as subjetividades se confundam mais facilmente, evitando justamente que haja um tal engessamento subjetivo identitário. Não basta o Black Block dar aula nas ruas, professor também tem de alguma forma absorver algo de Black Block (da forma como lhes for possível, claro). Digo que uma importante forma é organizando-se de uma tal maneira que se contemple a autodefesa e a capacidade de resistir à repressão (ao menos).
    Esta autodefesa não serviria para acabar com a presença dos Black Blocks, claro que não, seria inclusive uma forma de realçar os contornos desta prática, criando uma solidariedade de termos mais iguais e não um “eu protejo vocês”.

  6. O texto anuncia um debate importante,mas contribui pouco. O argumento central não foi desenvolvido e o texto não narra os fatos que servem de base às “considerações”. Vocês poderiam, p.ex., mencionar concretamente o que foi feito pelos manifestantes e o que ameaçaria a legitimidade do movimento.

    Outra coisa, o que vcs querem dizer com “calma”, “astuto” e “ler taticamente” nas frases a seguir?

    “É nessa hora que é necessário jogar com muita calma no campo do adversário.”; “É um momento em que resistir é fundamental, mas ser astuto e ler taticamente o espaço político não é uma tarefa menos imprescindível.”

    Seria importante desenvolver o parágrafo onde estão as duas frases.

    Do texto em si entende-se: estamos vencendo. Mas podemos perder caso sejamos “deslegitimados”. Por sua vez a perda de legitimidade seria causada pela estratégia do governo que associa militantes à criminosos. Essa estratégia se fortalece através da criminalização de atos dos próprios manifestantes – o ex. dado no texto foi a pichação de bancos.

    Vocês estão acompanhando as lutas e lutando desde junho,(aliás, muito antes de junho) e sabem que a criminalização é a marca de qualquer governo. “Pedras” eram “plantadas” nas mochilas antes dos Black Blocs e vão continuar sendo plantadas caso os BBs (ou militantes mais reativos) deixem de existir ou “atenuem” a sua intervenção.

    Acho que a criminalização tende sempre a se intensificar com a massificação dos protestos – com ou sem ações violentas. E com o fluxo intenso de informações hoje, a parcela da população que não está apoiando os protestos não apoiaria nunca, mesmo sem ônibus incendiados e vidraças quebradas.

    Mais importante do que conquistar a legitimidade das camadas mais avessas à resistência violenta, seria difundir a necessidade de organização da resistência – seja ela “violenta” ou não.

    Abraço e parabéns pelo apoio crítico que vcs tem dado às lutas.

  7. “O comando anti-infiltrados é uma medida concreta do que a categoria define como “autodefesa”, mas não se refere, por exemplo, aos black blocs , tidos como aliados pelos professores grevistas do Rio. “Uma vez que identificarmos essas pessoas, a providência será apontá-los e mandá-los sair. Nossos atos terminam sempre para cima e vamos combater quem quer trazer a confusão”, disse.

    Ela negou que o Sepe incentive os grevistas a levar máscaras ou capacetes para se proteger em possíveis confrontos, mas disse que “alguns professores resolveram adquirir por conta própria”. Sobre os black blocs, Marta reafirmou que não fará avaliações a respeito do movimento. “O que posso dizer é que, durante a desocupação da Câmara de Vereadores (realizada com uso da força pela Polícia Militar no dia 28), não houve mais pessoas feridas por causa da ajuda dos black blocs”, afirma.”

    http://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2013/10/10/atos-de-professores-no-rio-terao-busca-a-infiltrados.htm

  8. PENSO QUE A SIMPATIA E SOLIDARIEDADE AOS BB, NÃO SE AGLUTINA EM NADA AS FORÇAS QUE ESTÃO MOBILIZADAS PARA QUE SE CHEGUE A BOM TERMO. FICA CLARO QUE O GRUPO RADICAL, MASCARADO, ESTÁ INFILTRADO COM INTERESSES ESCUSOS, PARA FOMENTAR A DESORGANIZAÇÃO E CONFUNDIR A OPINIÃO DA CLASSE MENOS FAVORECIDA, E DA PRÓPRIA POPULAÇÃO. QUE SE SENTE EM PANICO, E, ACABA POR ATACAR O MOVIMENTO LEGITIMO E DE DIREITO.ACHO QUE MOTIVAR A CONTINUIDADE DA PARTICIPAÇÃO DO GRUPO, SE COMETE ERRO DE ESTRATEGIA, POIS HAVENDO A REPRESSÃO AUTOMÁTICA , MESMO QUE SEM PORRADAS PELA POLÍCIA MILITARIZADA, O DESEJO DE TER OS BB JUNTOS NAS MANIFESTAÇÃO, REMONTA HÁ UM CAOS QUE EXATAMENTE FAZ CORO COM A REPRESSÃO E DESESTABILIZAÇÃO DE UM MOVIMENTO PACIFICO E NECESSÁRIO PARA QUE DE VEZ POR TODAS SE ENTENDA QUE OS PROFESSORES, SÃO A CLASSE DE TRABALHADORES QUE JUSTAMENTE, PRECISAM DE MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO E, SALÁRIOS DECENTES, PARA QUE NO FUTURO A CARREIRA SEJA MOTIVADA E NÃO TER A DESISTÊNCIA E DEBANDADA DAS SALAS DE AULA.A QUESTÃO SE COMPLICA AINDA MAIS, QUANDO JOVENS QUE PROMOVEM O CAOS, ESTÃO LUTANDO PELOS DIREITOS IGUAIS AO POVO brasileiro, APENAS EQUIVOCADAMENTE PENSANDO QUE A PROMOÇÃO DO QUEBRA E ARREBENTA, SEJA O CAMINHO PARA AS CONQUISTAS DE SUAS REIVINDICAÇÕES, NÃO MENOS NECESSÁRIAS COMO DE TODO UM POVO MASSACRADO, E OPRIMIDO, MAS SEM A NOÇÃO DO QUE ESTÁ ACONTECENDO, PELA PRÓPRIA JUVENTUDE QUE CARREGA SUAS REVOLTAS E SÃO CANALIZADAS DENTRO DESES MOVIMENTOS NECESSÁRIOS PARA A LUTA POE UM PAÍS MELHOR, COM DECÊNCIA E DIGNIDADE, ACONTECE QUE PENSAM QUE QUEBRANDO ESTARIAM CHAMANDO A ATENÇÃO PARA SEU CLAMORES, MAS AO CONTRÁRIO, COLOCAM A OPINIÃO DA CLASSE BURGUESA CONTRA O MOVIMENTO COMO UM TODO, DIZENDO QUE, ASSIM NADA SE CONSEGUIRÁ.
    PENSO QUE PRECISA SE SEPARAR O JOIO DO TRIGO, MESMO QUE OS DOIS TENHAM E LUTEM POR ANSEIOS IGUAIS OU PARECIDOS.

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