Por Usuário do transporte entrevistado por FLTA
A derrubada do aumento marcou a primeira grande vitória do movimento popular contra as empresas do transporte coletivo de Goiânia. A reação das empresas, com a conivência do Estado, não tardou: no campo do trabalho, a tentativa de aliança com os motoristas e um lockout seguido do boicote ao pagamento de salários dos motoristas (aqui). No campo da gestão, o corte e a alteração das linhas, além do fim de algumas integrações prolongando o tempo de espera e a lotação dos ônibus. Agora outra dimensão desse contra ataque empresarial-estatal se revela: o da repressão física aos usuários do transporte, e especificamente aos lutadores que impuseram a vitória popular de maio e junho, por meio dos policiais à paisana nos terminais.
Entrevistamos um usuário do transporte que denuncia essa perseguição nos terminais da periferia.
Frente de Luta pelo Transporte de Aparecida (FLTA): O que vem acontecendo com você?
Usuário do transporte: É o seguinte. Eu fui pro terminal e fui cercado por uns 5 ou 6 caras com pinta de policial, mas sem identificação. Eles me levam ao banheiro pra me dar baculejo, só que ao invés de dar baculejo normal eles me espancam. É a segunda vez que isso acontece naquele terminal. Não tô aguentando mais. E isso não é só comigo: isso tá acontecendo com vários punks e várias outras pessoas que participaram dos protestos.
“Operação Viagem Mais Segura” para quem?
A presença de policiais à paisana nos terminais não é novidade em Goiânia. A novidade é a sua utilização como repressão política explícita. Esse uso se caracteriza com a chamada “Operação Viagem Mais Segura”, operação que foi criada no dia 28 de maio de 2013, no momento em que se intensificava a revolta popular contra a tarifa abusiva do transporte coletivo. Essa operação, que tinha o objetivo declarado de “coibir furtos, roubos e vandalismo” nos terminais de ônibus, ampliou a presença ostensiva da polícia nos terminais de Goiânia e Aparecida de Goiânia, e oficializou o uso dos policiais a paisana na “vigilância e intervenção”. O procedimento básico: revistas vexatórias tendo como alvo “os usuários do transporte coletivo”. A operação se iniciou no Eixo Anhanguera, mas se expandiu para os terminais de ônibus do município de Aparecida de Goiânia como o T. Garavelo. Curiosamente, ao fim de setembro e com a volta das manifestações contra a piora do transporte, essa operação foi reativada. O viés discriminatório de classe dessa medida não podia ser menos explícito. Mas sigamos com o entrevistado:
FLTA: Desde quando você vem ouvindo desse tipo de ação?
Usuário: Desde aquela manifestação do dia 28 de maio. Ouvi de várias pessoas que também foram espancadas relatando que esses P2 estão abordando e falando pra não colar mais nos manifestos ou a coisa pode ficar pesada. Foi nesse dia que várias pessoas foram identificadas. Teve um amigo meu que inclusive foi visitado por pessoas que se diziam policiais à paisana e que estavam procurando outra pessoa que acusam de ter agredido um policial. Coisa boa eles não queriam com essa visita.
Essa operação foi publicizada logo após o uso intenso tanto das imagens da imprensa quanto dos próprios policiais com o objetivo de identificar manifestantes, supostamente para processá-los por crimes cometidos. A justificativa para essa tentativa de identificação seriam os atos de “vandalismo e violência” praticados pelos manifestantes. Como esses processos não foram sequer iniciados, tudo leva a crer que o objetivo dessas identificações era prosseguir com a repressão a nível individual e extra-oficial. O alvo dessas operações oficiais? Os usuários do transporte da periferia, que vivem em terminais afastados e estão sujeitos cotidianamente à violência policial. O entrevistado elucida:
FLTA: Eles falam por que estão fazendo isso?
Usuário: Eles falam um monte de coisa. Falam que a gente é vagabundo, que só sabe pular catraca e quebrar tudo. Todo dia estão falando que os punks vão rodar se a gente não parar de pular catraca e dar trabalho. Na última vez que me bateram um dos sujeitos insinuou que se a gente continuar a pular catraca pode dar morte.
A violência não vem apenas dos P2. No dia 2 de novembro, um jovem punk foi esfaqueado por pessoas que se identificaram como fiscais da Metrobus, empresa que gere os terminais pelos quais passa a linha Eixo Anhanguera. A facada teria ocorrido por conta de uma briga que o fiscal começou, devido ao fato do jovem ter pulado a catraca e entrado sem pagar. O relato foi feito aqui. O resultado da ação repressiva dos capangas da Metrobus? Um jovem com uma facada nas costas e depois uma na barriga. A mídia noticiou o fato como uma agressão ao trabalhador, minimizando as facadas dadas no jovem, reclamando por “mais segurança no terminal”. A manobra conjunta das empresas, governo e imprensa para legitimar e ampliar a violência contra quem resiste ao regime empresarial vai se revelando.
Diante da intensificação das revoltas nos terminais na Região Metropolitana e do indicativo de mais manifestações da população por melhorias e pelo passe livre estudantil, questionamos: Por quanto tempo mais se permitirá um estado de exceção nos terminais e bairros da periferia? Por quanto tempo mais se permitirá revistas vexatórias aos usuários de ônibus apenas por serem usuários de ônibus? E a presença – ilegal – de policiais a paisana a mando das empresas, por quanto tempo vai ser tolerada? O poder público vai apostar para ver se a repressão pura e simples consegue conter a revolta crescente de quem simplesmente não pode e não quer mais pagar?
Até termos uma resposta a esses questionamentos, deixamos alguns pedidos e conselhos. Aos lutadores sociais da Região Metropolitana: se esforcem por preservar suas identidades e fiquem alertas nos terminais de ônibus nas ruas; o inimigo é grande e não tem escrúpulos. Aos que dizem defender os direitos humanos: que não se calem diante das violações flagrantes do direito à privacidade, à livre manifestação e à integridade física dos lutadores periféricos e população usuária de ônibus. Aos gestores da nossa metrópole, sejam eles policiais midiáticos ou empresariais, um aviso: quanto mais pressão botarem para cima do povo pobre, mais forte vai ser a explosão.
Pedimos que repercutam essa denúncia e que todos também se organizem para derrubar na rua esse regime de exceção que está sendo imposto à população para garantir o lucro de poucos em detrimento do sofrimento de milhares de trabalhadores. R$0,30 foi só o começo!
Os leitores portugueses que não percebam certas expressões usadas no Brasil
e os leitores brasileiros que não entendam algumas expressões correntes em Portugal
dispõem aqui de um Glossário de gíria e termos idiomáticos.