Por Alex Hilsenbeck Fº

 

Antes de qualquer coisa, cabe esclarecer que o autor dessas linhas não é crítico de artes e faz parte de um “bando de loucos”. Ao que reza a lenda é corinthiano desde o nascimento, já teve um momento de arrefecimento e questionamento da paixão, por identificar a utilização desse mesmo amor como forma de “alienação”, ou “ópio moderno”. Não resistindo aos encantamentos do coração se debruçou sobre a história do time e da torcida, e encontrou aí a dialética necessária para perceber contradições e potencialidades, mas, sobretudo, foi nos bares e estádios – na arquibancada e, sim, no tobogã – em que aprendeu importantes lições antropológicas e sociológicas.

Mas esse texto, como indica o título, não trata propriamente do Corinthians, e sim sobre a relação do futebol com a política, o que, no caso do futebol, passa também pela religião. E tudo isso e mais um pouco foi encenado e problematizado pelo coletivo teatral Brava Companhia.

Através de um convite de Cesar Vieira – integrante fundador de um dos mais antigos coletivos teatrais da América Latina, o Popular União e Olho Vivo, com 47 anos de existência – a Brava Companhia (re)montou a peça originária de 1966, “Corinthians, meu amor”.

Pelo discurso cênico crítico, alicerçado numa interpretação épica (e com uma técnica que a Brava denomina dramaturgia paralela [1] ), esta peça teve o inequívoco mérito de politizar a tríade de dimensões que certo discurso comum costuma qualificar como impermeáveis à discussão: futebol, religião e política. E política sendo o elemento articulador numa forma que, obviamente, ultrapassa os estreitos limites da política eleitoral, e que se realiza enquanto luta de classes. Dessa maneira, mesclam-se rituais, sejam religiosos, futebolísticos ou de carnavais (simbolizado pelo bar e gênero musical), que se somam a uma tendência contemporânea de certa cena teatral paulistana de produzir uma estética de enfrentamento, que busca fomentar uma cultura subversiva e de resistência [2].

O espetáculo transcorre num cenário aos moldes de mutirão, que mescla o festivo e o trabalho, tendo o botequim (do Olho Vivo) e o estádio (mesmo que o campo seja do inimigo, isto é, do capital) como formas acolhedoras da plateia, com direito a samba (que canta, em coro, dos problemas e histórias populares), churrasco e cerveja, envolvendo o espectador numa linguagem que passa do formal ao não formal, organizados de forma não hermética em mesas em grupos. Lembrando a observação de Darcy Ribeiro, de que “(…) ao fim dos trabalhos, oferecer uma festa com música e pinga. Assim, o mutirão se faz não só uma forma de associação para o trabalho, mas também uma oportunidade de lazer festivo”.

Engana-se, contudo, quem pelo título da peça acredita se tratar de uma ode ao “Time do Povo”, ainda que sequências históricas que narram a história do Corinthians estejam presentes, estas são inseridas dentro da história mais ampla de momentos que explicitaram as contradições da sociedade e do sistema. Até por isso, não é raro que na plateia existam diversos espectadores com camisas de outras agremiações esportivas.

Desse modo, a peça remete à data de fundação do Sport Club Corinthians Paulista por operários, à luz de lampião numa noite de 1º de setembro de 1910, no bairro do Bom Retiro.

O Corinthians será o time do povo e o povo é quem vai fazer o Corinthians” Miguel Bataglia (primeiro presidente do SCCP).

Em sua gênese no Brasil, a prática do futebol estava restrita à aristocracia, correspondendo a uma rede de relações sociais e contatos entre as elites locais e, no processo de internacionalização do esporte, as elites e instituições britânicas. O padroeiro do futebol no Brasil, Charles Miller (que dá o nome ao estádio público – e adotado pelo Corinthians – o Pacaembu), fazia parte da colônia inglesa, pois filho de pai inglês e mãe brasileira, trazendo à São Paulo em 1884 duas bolas de couro e uniforme completo, após regressar da Inglaterra. Esse processo se repete com outros colonos, como Hans Nobliling quando do regresso da Alemanha em 1897, fundando o Gêrmania de São Paulo, ou com Oscar Cox, que ajudou a fundar no Rio de Janeiro o Fluminense em 1902, considerado o primeiro clube de futebol nacional. Eram arregimentados altos funcionários do comércio e, posteriormente, também estudantes universitários (após retornarem da Alemanha, Suíça ou Inglaterra), sobretudo, das faculdades de direito e medicina, conformando um estilo de vida das elites, sejam essas oriundas da aristocracia rural em declínio e reconvertidas pela via universitária, ou já de reprodução ampliada das novas elites urbanas. Como nos informa José Sérgio Lopes:

Assim, muitos dos grandes clubes de futebol acabavam reproduzindo no campo e na arquibancada uma seleção social que reunia famílias das elites do Rio e de São Paulo. Os clubes acabavam sendo um lugar urbano de sociabilidade onde se prolongavam, através de atividades físicas e esportivas ou da assistência a elas, os salões e saraus reunindo as famílias dominantes […]” (p. 126).

No início do século XX havia ainda uma codificação inclusive dos torcedores, que utilizavam adornos (como fitinhas com as cores da equipe em torno do chapéu), entre outros importados “detalhes refinados” para indicar o pertencimento a um grupo seleto, a um modo de vida das “boas famílias”.

Por isso o futebol era um esporte amador e não de trabalhadores que vivessem de sua prática. Apenas com a progressiva (e conflituosa) entrada das classes populares, notadamente de negros, mestiços e mulatos, é que ele passa a um maior nível de profissionalismo e, também, de qualidade [3] .

No entanto, a popularização desse esporte se dava por diversas outras frentes, como pelas crianças pobres que assistiam de graça aos jogos dos clubes da elite ao ofertarem em troca seu serviço de “gandulas” (apanhadores de bola). E começou-se a formar um público nos locais mais baratos dos estádios, ao nível do chão, que assistiam de pé na “geral” – já quase extinta pela imposição das novas arquiteturas que remodelam os estádios a partir de novos padrões elitistas. Na cidade de São Paulo, devido à sua condição geográfica, a popularização também se deu pela existência de muitos terrenos baldios nas várzeas dos rios, daí a expressão “futebol de várzea” para denominar o esporte praticado no atual amadorismo.

A questão do preconceito pela quantidade de melanina no corpo, aliás, foi abordada no documentário de Wagner Morales, Preto contra Branco (2004), a partir do esporte coletivo mais popular do país, tendo por cenário a várzea de dois bairros periféricos paulistanos na maior favela da América Latina. Num jogo “clássico”, que ocorre há cerca de quatro décadas no final de semana que antecede o Natal, e numa comunidade altamente miscigenada, as pessoas declaram sua cor por autodefinição, a partir de especificidades para jogar no time de Preto ou no time de Branco, inclusive modificando a identidade de cor de ano em ano.

A narração da peça pela Brava Companhia vai passando por diversas datas históricas, como o primeiro título corinthiano em 1914 – momento que coincide com outro “acontecimento de caráter mundial”; ou pela experiência da Democracia Corinthiana em 1982-83 – em plena vigência da Ditadura Militar Civil no país.

Logo, na narrativa se procura um continuum de elementos de uma luta conjunta de classe, mas que se concretiza historicamente de modo fragmentado. “Onde você vê um número, eu vejo história”, conta uma das personagens.

As personagens ultrapassam o caráter individual e simbolizam arquétipos sociais, como, entre outras, a estudante-pesquisadora que enxerga de forma exótica a periferia, a líder comunitária que procura organizar a resistência aos despejos, o torcedor fanático.

As torcidas de futebol estão envolvidas numa imagem contraditória de, por um lado, uma unidade popular e, de outro lado, de unidade fascista de classes que as fragmenta em relação ao time que se torce. Podendo, assim, servir como meio de organização e contestação às estruturas sociais, bem como de contenção das revoltas e reprodução sistêmica. Desse modo, os torcedores, ainda que pertencentes a uma mesma classe e possuírem origem territorial periférica, sofrendo das mesmas mazelas, colocam-se em conflito pela cor (não da pele, mas da camisa), reproduzindo a fragmentação e individualização de “cada um, cada um”, própria do sistema capitalista.

O futebol ainda serve como reforço no senso comum da fábula do sucesso individual através da estetização e exploração publicitária da pobreza, da história do menino com carências sociais que graças ao futebol alcança a rápida ascensão econômica.

Ora, nesse mesmo sentido, da dupla possibilidade aberta pelo futebol, de politização ou apassivamento, é sintomática a contraposição que podemos fazer entre a fala de Pelé – no contexto das mobilizações nacionais de junho e julho de 2013, época na qual também acontecia a Copa das Confederações no país – e a fala alguns anos antes de um dos mais representativos jogadores da época da Democracia Corinthiana, Sócrates.

Enquanto o “rei” pede que as pessoas esqueçam as mobilizações, pois, estaríamos em fase de preparação para a Copa do Mundo da FIFA:

“Vamos esquecer toda essa confusão que está acontecendo no Brasil e vamos pensar que a Seleção Brasileira é o nosso país, é o nosso sangue”. (veja aqui)

Sócrates afirmava ser:

“fundamental a participação popular. Temos dois grandes grupos políticos: as torcidas organizadas e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). A burguesia teme que esses grupos se fortaleçam ainda mais (…) O grau de politização das organizadas vai dar a linha do nosso futuro. Esses movimentos estão no seu nascedouro e têm a ver com mudança na sociedade, é mais profundo que o futebol”.

Independente dos equívocos de análise do camisa 8 corinthiano, recordo-me que, numa das primeiras ocupações de Sem Terra que participei, a presença de integrantes da maior torcida organizada do Corinthians, a Gaviões da Fiel, denotava uma força e um sentimento que, se não era propriamente de segurança, era o de que teríamos companheiros habituados a encarar de frente as forças repressivas, fossem essas oficiais ou não.

Por outro lado, o pedido de Pelé externaliza um modo constante de como o futebol tem servido para um tipo de identidade que apaga os elementos classistas e força uma identificação única, em oposição a um “eles” externo. As seleções são provavelmente o ápice desse sentimento nacionalista, mas também de catarse de situações que não encontram paralelo nas outras dimensões sociais. Assim, na Copa de 1998 a seleção francesa chegou a simbolizar a legitimação dos filhos de imigrantes estigmatizados do proletariado francês, ainda que a reprodução dessa xenofobia se desse em escala ampliada, tanto econômica como politicamente. Sucedendo processo semelhante com seleções como a Alemanha e Itália, países marcados pela imigração e, ao mesmo tempo, por xenofobias. Sentimento de unidade nacional que tentou ser mobilizado com a fala de Pelé na maior rede televisiva do país.

Essas sensações e elementos ambíguos e mesmo contraditórios são percebidos e ressignificados cenicamente pela Brava, que os dota com doses de sensibilidade e muito humor. A Companhia trabalha de forma dialética com os elementos de formação das lutas e também com os processos de alienação, em que se mistura à partida de futebol a imagem (ou melhor, a contra-imagem) do próprio Cristo, ao lado do time do povo, mas ambos jogando no campo do capital (e subordinados às suas regras) e, por isso, circunspecto aos condicionantes materiais da realidade e incapaz de transcendê-los.

Numa das cenas santas da peça – no melhor estilo filosófico do cronista Xico Sá – uma personagem pede ao Santo padroeiro a vitória, simplificando uma relação que, contudo, se faz presente no cotidiano dos arrebatados por essa paixão:

“– Seu Santo Tino, pelo amor da virgem! Domingo tem jogo. Vê se dá pra ganhar fácil. Quatro, cinco a um… Num é nada não. É que o povo aqui da vila vai ficá contente… Já que falta tudo: comida, casa, condução, porque não dá ao menos essa vitória pro Corinthians? Ninguém melhor que você para sentir essa jogada. Com a vitória do Corinthians o povo vai sorri de novo, vai dar sol em dia nublado, vai ter leite na mesa, pão e arroz na marmita. Até amor na cama vai ter. É tão pouco poxa… Senão até o governo pode cair… Se a gente ganha vai ter sapato furado que vai ser que nem mocassim, paletó rasgado vira casaco inglês, cachaça vira uísque, ônibus lotado vira limusine, pobreza vira fantasia… Dá essa colher de chá pra gente, Tino? Tá?
Santo Tino – Nem sei o que pensar… Santo é pra pensar ou não é pra pensar… Santo é pra existir? Quer saber? Vou sumir!…”

Diante de uma onda avassaladora que tem transformado a paixão pelo futebol numa relação mercantil em que se procura estabelecer o torcedor em sinônimo de consumidor (e alto consumidor), a peça “Corinthians, meu amor”, da Brava Companhia, faz suscitar reflexões e sentimentos que podem ajudar num processo de reverter – e mais importante, modificar – tal situação. Obviamente que não se trata de dotar uma peça teatral de tal poder transformador, mas residindo nela a capacidade de levar a reflexão a partir da sensibilidade da arte, apresenta-se aí uma potencialidade aberta de diálogo e trabalho com outros movimentos políticos. Um exemplo dessas possibilidades de articulações pode ser vista na luta das comunidades no extremo sul de São Paulo, na qual a Brava apresentou uma versão menor da peça na ocupação Jardim da Luta. (Veja aqui o vídeo com parte dessa apresentação.)

O futebol já foi mais usado no engajamento político-social, como pelos sindicatos e partidos de influência comunista no início do século XX no Brasil, sendo exemplo o jogo entre dois grandes rivais no campo, Corinthians x Palmeiras em 1945 para arrecadação de fundos para o PCB (Partido Comunista do Brasil).

Sabe-se que o futebol, a partir dos anos 1980, distingue-se em algumas características do período anterior, intensificando fenômenos relacionados à transmissão televisiva ao vivo de campeonatos e jogos, o que representou aumento exponencial do valor comercial envolvido nessas competições. Esta mudança significou também o aumento do número de profissionais associados ao esporte, e de forma paradoxal, muitas vezes através do voluntariado (sejam temporários para eventos específicos como a Copa do Mundo, ou permanentes sob a forma de torcidas organizadas).

“Essas novas torcidas diferem bastante do público existente nos estádios antes dos anos 1970 (…) Há assim nos últimos anos a passagem de um profissionalismo nacional para um profissionalismo multinacional [refletido na intensificação de transferências internacionais de jogadores]. Até mesmo as levas de torcedores brasileiros para as últimas Copas têm sido patrocinadas por grandes empresas, estatais, multinacionais, que organizam as viagens de seus funcionários ou clientes como uma forma de prêmio de produtividade” (LOPES, p. 122).

Talvez o time que mais tem representado a passagem para uma administração racionalmente capitalista e empresarial no Brasil nos anos recentes tem sido exatamente o Corinthians. A capitalização da paixão atingiu níveis inéditos no futebol nacional, equiparando-o monetariamente com os maiores clubes do mundo. Observa-se isso, por exemplo, na campanha publicitária de retirada das estrelas do escudo do time e de todos os produtos licenciados para venda (que chegam a quase qualquer mercadoria imaginável), pois antevendo que viriam muitos outros títulos corria-se o risco do material novo ficar encalhado em pouco tempo. O mote da campanha da distribuidora esportiva, a multinacional Nike, foi: “Não vivemos de títulos. Vivemos de Corinthians!”

Fazendo alusão a um dos eventos que fazem os torcedores corinthianos orgulharem-se, que é o contar momentos do time (e não necessariamente conquistas), como o período em que a torcida mais cresceu ser justamente quando ficou por mais de duas décadas na “fila”, isto é, sem ganhar um título sequer.

De forma mais ampla, na narração de uma personagem, que explicita que o futebol se tornou espetáculo no qual poucos jogam e muitos assistem:

“… Sai a Brincadeira e entra o Dever, sai também o Prazer e entra o Trabalho. Este espetáculo do futebol é um dos negócios mais rentáveis do mundo, já não é mais organizado para ser jogado, mas para impedir que se jogue, no mundo dos negócios é assim: pura velocidade, força bruta e concorrência que renuncia à alegria, atrofia a fantasia e proíbe a ousadia…”

Essa peça relida pela Brava Companhia é um convite para enxergar. Uma tentativa de aprofundar uma crítica ao sistema capitalista. Mas estaríamos dispostos a ver para além da superfície do que ocorre no gramado?

O Elite [Sport Hight Society] vem pra campo no esquema cada um por si, confiando na individualidade de seus jogadores que, apesar de serem minoria, são altamente preparados, jogam muito pela direita, mas também, sabem explorar as brechas deixadas pelo União Popular [Futebol Crúbi] na esquerda do campo. Já o União Popular vem pra campo confiando na vantagem de ser maioria, mas ao mesmo tempo, tentando superar as dificuldades de organização de seus jogadores. As jogadas pela Esquerda são as preferidas, mas têm se tornado manjadas pelos adversários e por isso espera-se novas táticas para o jogo de hoje

“Esse time do União Popular tem que recuperar o seu trabalho de base. O futuro desse time está no trabalho de base!”

“O Elite após um recuo estratégico volta ao campo colocando todas as suas armas em jogo, invadindo o território do União Popular e acuando o time na periferia do campo do capital. É um verdadeiro massacre! Que beleza! Que jogo!”

“O time do povo finalmente consegue marcar um! Este gol anima a luta de um time historicamente massacrado! É possível, é possível, existem brechas, vamos lá União! De pé, de pé!”

Música – À Saudade Faltam
“Faltam à saudade todas as coisas que ainda não foram vividas
Faltam à saudade todas lembranças que ainda não chegaram
Faltam à saudade todas mazelas que ainda não foram superadas
Faltam à saudade todas as flores que ainda não germinaram
Faltam à saudade todas mão canhotas que ainda não se empunharam
Faltam à saudade de uma saudade qualquer que a faça querer brotar como palavra única que espera firme o tempo de um outro tempo… Justo e divertido de viver…
Aí faltará à saudade apenas a própria saudade das mazelas superadas e arrancadas pela história de vitórias e lembranças… Saudosas…”

Notas:

[1] “Dramaturgia paralela é o termo utilizado pela Brava Companhia para fazer valer dentro de uma possível narrativa principal, uma outra, paralela a esta e que revela as contradições necessárias sobre o assunto. Esta dramaturgia paralela, não é e não está apenas apresentada no texto, mas também em todas as articulações simbólicas que compõem a encenação e a atuação dos atores” (BRAVA, 2011, p. 133).

[2] Um belo pequeno texto, que aborda essa variedade da cena teatral política, foi elaborado por uma rádio livre e classista de Santos, Rádio da Juventude, em decorrência da mostra de Teatro de Rua na cidade: “Porque me importa o teatro de rua. O teatro na rua não é teatro de rua. Teatro de rua só é dela(da rua) quando está apropriado pela rua, pelo passante, pelo morador/a e por todos/as que ali estão. Importa-me porque ele fala verdades verdadeiras e não mentiras travestidas de verdades, como são ditas aos quatro cantos do capitalismo, porque é a gente falando da gente, é o/a trabalhador/a falando do/a trabalhador/a. E por todo lado se vê trupes mandando o Estado para o Olho da Rua, e ocupando todos os espaços que nos cabem, são Bravas ocupando prefeituras carregando coquetéis molotov, são palhaços dizendo “Aqui Não Senhor Patrão”, e muitas outras verdades que não podem mais ficar escondidas e é através da arte que conseguiremos disseminá-las sem parecermos loucos/as, pois num mundo de tantos absurdos, verdades denunciadas por de traz de um nariz de palhaço fica completamente compreensíveis ditas nas praças da cidade. São Pombas Urbanas levantando voo e fazendo arte na periferia, para a periferia, ocupando Sacolão e Barracão ou até mesmo Trupe que levanta a própria Lona Preta, foi nesse momento que Clariô e percebi que com o teatro de rua a Cobra Vai Fumar e vamos entrar todas e todos nessa luta.“.

[3] Em 1907 a liga metropolitana de futebol recomenda a interdição de registro “como amadores nesta liga as pessoas de cor”, ainda que em 1907 já existissem cerca de 30 clubes de futebol e 40 associações para a prática deste esporte na capital nacional, no Rio de Janeiro, formadas em grande parte por empregados de fábricas e moradores de bairros populares, além da classe média. (LOPES, 2004, p. 129).

Referências:
O Século do Corinthians. A história do Brasil e a trajetória do time do povo. Revista Aventuras na História. Ed. Abril, 2010.
Brava Companhia. Cadernos de Erros II. São Paulo: Cooperativa Paulista de Teatro, 2011.
Darcy Ribeiro. O povo brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. Companhia das Letras, 1995.
José Sérgio Leite Lopes. Classe, etnicidade e cor na formação do futebol brasileiro. In: Culturas de Classe. Batalha; Silva; Fortes (Org.). Ed. Unicamp, 2004.
Marcos Piovan; Newton Cesar. Corinthians, 100 anos de paixão. São Paulo: Magma editora, 2010.

Fotos: Passa Palavra

Os leitores portugueses que não percebam certas expressões usadas no Brasil
e os leitores brasileiros que não entendam algumas expressões correntes em Portugal
dispõem aqui de um Glossário de gíria e termos idiomáticos.

18 COMENTÁRIOS

  1. Lucas,

    Esse protesto do “Bom Senso” foi marcado por uma série de atos em algumas partidas. No caso das televisionadas houve até umas faixas com os jogadores. Penso ser interessante que “categoria de trabalhadores” esteja se mobilizando por melhores condições. Recordemos que a maior parte dos jogadores de futebol não conta com estrutura de trabalho e nem chega sequer perto da remuneração de uma minoria de atletas famosos de grandes clubes, muito pelo contrário. De forma ou outra isso pode ajudar em algumas condições. Mas, tal qual os sindicatos, parece-me que fica restrito a essas categorias, não tendo uma ressonância, por exemplo, com o sempre crescente (e já elevado) valor dos ingressos ou tratamento dispensado aos torcedores (que via de regra são tratados como bandidos e nem ao menos consumidores, imagine cidadão).

    Talvez, no entanto, esses atos possam desbordar para algo mais amplo. Vez ou outra as torcidas organizadas se mobilizam pela redução dos ingressos ou, como no caso do Rio de Janeiro, contra a elitização do Maracanã (que juntou torcedores do Flamengo e Botafogo): http://esportes.br.msn.com/esportes/de-terno-e-gravata-flamenguistas-e-botafoguenses-se-unem-contra-elitiza%C3%A7%C3%A3o-do-maracan%C3%A3-arena-leblon

    Abraços,
    Alex

  2. Pensando no futebol como expressão popular, ele traz nas suas múltiplas dimensões a contraditoriedade que compõe a própria sociedade. Seus conservadorismos e opressões estão espelhados no espetáculo futebolístico. Pensemos nos casos de homofobia que envolvem esse esporte.

    Contudo, quis chamar atenção também ao outro lado dessa expressão. E, seguramente, os aspectos e potencialidades de luta não estão e nem foram restritos ao Corinthians.
    Fica o convite, pois, para explorarmos aqui essas outras histórias e fatos, de outros times e torcidas, que conformam esse mosaico disperso de vivênicas de resistência desde baixo.

    Obs: Luiz, pois é, a lógica capitalista de construção das periferias urbanas avança…

  3. “Na saída para o intervalo, Elias, volante do Flamengo, confirmou que os atletas foram “ameaçados” pelo juiz. “Acho que a Ditadura acabou né? Que foi colocado para a gente foi uma Ditadura. A gente é muito mais forte que isso, acho que com a ajuda do torcedor, todo torcedor, independentemente do time que torce, a gente tem que ir contra esses ditadores que tentaram proibir hoje a manifestação. Ameaçaram os 22 em campo de tomar amarelo, não existe isso na regra de jogo”, disse o jogador.”

    achei esse trecho da notícia especialmente interessante. Ainda que possa ser discutida qualquer nuance destes protestos, o uso destas palavras por um jogador de futebol ao dar entrevista para a midia não deixa de revelar um léxico bastante politizado, rebelde até, para o que estamos acostumados neste contexto. Uma marca de Junho?

  4. Eu tendo a achar que a média de politização entre jogadores de futebol não é muito diferente das demais profissões. Acho que após junho alguns dos setores mais politizados tiveram a possibilidade de se manifestar nesse momento, contudo esse movimento é permeado pelo que se classificou nesse site como coxinhas.

  5. Lucas,

    Bem interessante essa entrevista do Paulo André (que, aliás, se destaca no meio futebolístico pelo gosto artístico, pela boa escrita e por certa politização). Transcrevo mais abaixo os dois trechos em que ele toca diretamente no tema da influência das manifestações de junho para a mobilização dos atletas no Bom Senso F.C.
    Conforme o Paulo André, não se trata simplesmente de um movimento pró-atleta (por férias etc. – ainda que toque na questão da pré-temporada e mesmo no tempo de férias), mas que defende alguns pressupostos, como a redução do número de jogos das principais equipes e o aumento dos jogos das equipes não tão tradicionais. Ele esclarece que dos 687 clubes profissionais no país, apenas 60 têm calendário de jogos o ano inteiro, o que reflete diretamente na empregabilidade e formação dos atletas.

    “A segunda coisa que não tenho dúvida que contribuiu foram as manifestações de junho, que acabaram incentivando ou dando coragem para que a gente pudesse fazer essa movimentação. Então quem não acreditava falou: pô é possível fazer. E quem nunca tinha visto isso falou: pô que legal fazer isso, é para o bem do país, é para o bem do futebol, então vamos embora (…) Eu acho que movimentos como esse, assim como as manifestações de junho, trazem à tona uma necessidade de ser mais politizado”.

    Outro elemento que achei interessante (e longe de fetichizar essa tecnologia, como podem conferir aqui: http://passapalavra.info/2013/02/72438) é que as articulações entre os atletas se deram via aplicativo de conversa por celular. Desse modo, conseguiram manter e reforçar os ímpetos da manifestação e pensar em novas táticas, apesar das ameaças de repressão dos árbitros.

  6. Eu ia citar a ação da torcida Gaviões da Fiel que atuou como milícia governamental durante os protestos de junho, ameaçando qualquer um que tentasse protestar perto do estádio. Mas a realidade deixou as coisas ainda piores:

    http://www1.folha.uol.com.br/esporte/folhanacopa/2013/11/1377279-andres-sanchez-e-segurancas-agridem-e-tiram-celular-de-reporter-da-folha-no-itaquerao.shtml

    O Corinthians hoje é uma máfia violenta que consome rios de recursos públicos, postos nas mãos de poucos. Possui uma milícia violentíssima e assassina, a Gavioes da Fiel, sempre usada contra o povo quando necessário.

    Aos fatos.

  7. Os clubes mais antigos do Brasil são o Rio Grande (RS) e a Ponte Preta (SP), e não o Fluminense como diz o artigo.

  8. Lindo texto e mais ainda os exemplos do teatro e do futebol. Obrigada por ajudar a vislumbrar essas experiências : )

  9. O caráter violento e às tendências fascistas presentes nas torcidas organizadas são praticamente um lugar-comum, sendo repetidas à exaustão em programas jornalísticos. Contudo, o que procurei chamar a atenção foi o seu aspecto contraditório. Este existe ou já damos por consumado que as torcidas organizadas são um braço de certo tipo de capitalismo?
    Nesse texto escrevi a seguinte passagem (que tomo a liberdade de repetir):

    “As torcidas de futebol estão envolvidas numa imagem contraditória de, por um lado, uma unidade popular e, de outro lado, de unidade fascista de classes que as fragmenta em relação ao time que se torce. Podendo, assim, servir como meio de organização e contestação às estruturas sociais, bem como de contenção das revoltas e reprodução sistêmica. Desse modo, os torcedores, ainda que pertencentes a uma mesma classe e possuírem origem territorial periférica, sofrendo das mesmas mazelas, colocam-se em conflito pela cor (não da pele, mas da camisa), reproduzindo a fragmentação e individualização de “cada um, cada um”, própria do sistema capitalista.”

    Para mim, a questão é exatamente se os aspectos antissistêmicos das torcidas organizadas se constituem como uma dinâmica ainda válida na luta de classes.
    Pensemos não na Gaviões fundada em 1969, nem na Gaviões de 1979 que abriu uma faixa no estádio com os dizeres “Anistia Geral, Ampla e Irrestrita”. Mas na Gaviões dos anos 1990 que acudiu centenas de militantes do MST, ou a Gaviões dos anos 2000 que realizou formações políticas classistas em sua sede. Claro que todo esse processo é contraditório e a própria Gaviões chegou a diferenciar-se entre “quadra” e “rua São Jorge” (mas não é essa divisão o caso, ou a coisa, aqui tratada, ainda que possa ser parte do cerne dos rumos das torcidas).

    Mais recentemente li no site da Gaviões um manifesto que contém os seguintes trechos:

    “Os Gaviões da Fiel Torcida representam a resistência do povo nas arquibancadas, a resistência do torcedor de baixa renda e do proletariado.” (…) “A face oculta da elitização do futebol caminha por trás do pretexto da violência”.

    As torcidas organizadas também seriam permeadas pelas contradições que atravessam as organizações em que a classe trabalhadora está presente (com toda a falta de trabalho de base – organizativo e político – de esquerda nas últimas décadas), ou, por outro lado, damos como um fato que não há nada a se fazer nesse campo?

  10. Nova oportunidade para quem está por São Paulo. No Centro Cultural Vergueiro de 03 a 06 de abril vai rolar esse teatro. Sugiro que quem não viu vá ver.

  11. Fiquei curioso p ver a peça mesmo mermão. Uma pequena correção, quase desimportante: “Charles Miller (que dá o nome ao estádio público – e adotado pelo Corinthians – o Pacaembu)”. Charles Muller é o nome da praça. O estádio se chama oficialmente Paulo Machado de Carvalho. Jornalista e empresário da mídia na primeira metade do século XX, Paulo Machado machado foium dos pioneiros do rádio paulista. Para o futebol se notabilizou como cartola de ocasião, ao chefiar a delegação brasileira na copa da Suécia, o inesquecível primeiro caneco canarinho… No tempo em que a seleção era um timão que dava gosto de ouvir ao pé do rádio. Abraço

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