Entrevista a Denis
Esta entrevista foi feita antes da nova fase de protestos que começou a 18 de Fevereiro. Mesmo assim, ela dá-nos uma contextualização para se perceberem os desenvolvimentos recentes. Passa Palavra
Vratislav: Há quase três meses atrás começou a desenvolver-se um movimento na Ucrânia, que desde então se tornou massivo e que se espalhou de Kiev para outras regiões. Este movimento envolveu uma longa ocupação da Praça da Independência e da área envolvente em Kiev, revoltas, ocupações ou bloqueios da administração e de vários edifícios oficiais em muitas partes do país. Também foi notório um envolvimento muito forte de organizações de extrema-direita e da prevalência de uma certa ideologia nacionalista e tradicionalista entre os manifestantes. Este movimento é chamado Maidan ou Euromaidan, após a ocupação da Praça da Independência e as reivindicações iniciais para que o governo ucraniano ratificasse um tratado de admissão à União Europeia (UE). Contudo, muito rapidamente esta reivindicação foi suplantada por outra; uma reivindicação mais proeminente, pressionante e obviamente muito mais capaz de mobilizar um largo número de pessoas: o derrube do presidente Yanukovych e do governo e aparelho de Estado corruptos. Este é um cenário relativamente correcto ou está a faltar algo mais? A reivindicação original pró-UE é ainda importante e parte integrante da luta contra o regime de Yanukovych ou tornou-se algo relativamente secundário? […] O movimento Maidan em Kiev e no resto do país encontra-se unificado sobre a questão do optimismo europeu?
Denis: Sim, a tua abordagem está mais ou menos correcta. Mas deves compreender que desde o início as pessoas tinham uma compreensão muito peculiar da “Europa”. Elas retratavam um ideal muito utópico – uma sociedade sem corrupção, com salários elevados, segurança social, primado da lei, políticos honestos, faces sorridentes, ruas limpas, etc. – e chamavam a isso União Europeia. E quando alguém lhes tentava dizer que a actual UE não era esta linda imagem e que as pessoas lá também queimavam bandeiras da UE e protestavam contra a austeridade, etc. – então retorquíam: “então por acaso seria melhor viver na Rússia?”. Assim, desde o início o protesto foi conduzido por uma falsa consciência de uma “escolha civilizacional”, por padrões ideológicos nacionalistas que não deixaram espaço para uma agenda de classe. Estes são os resultados de uma hegemonia cultural da burguesia, em termos gramscianos, e este é o principal problema com que temos de lutar neste país nos próximos anos (ou mesmo décadas).
Mas a “Europa” nunca foi propriamente o principal objectivo dos manifestantes. Sentimentos antigoverno e anti-russos foram muito mais fortes, por isso foi natural a ultrapassagem da retórica pró-UE dos confrontos com a polícia a 1 de Dezembro, e agora a maioria das pessoas muito dificilmente se lembra de qual foi a causa inicial dos protestos. Muitas pessoas concordam que o próprio termo Euromaidan é neste momento anacrónico. Os grupos da extrema-direita, que inicialmente tinham que esconder a sua tradicional atitude sobre a “decadência liberal da União Europeia” de modo a poderem infiltrar-se nos protestos, agora defendem abertamente que não querem saber da UE e apenas querem uma mudança de regime. Este sentimento é aceite em vastos círculos dos manifestantes.
Por outro lado, é um facto que a Ucrânia tem estado dividida historicamente em duas entidades culturais, políticas e linguísticas. A parte Sul e Leste tem mais população, tem quase toda a indústria, fala russo e é largamente leal a uma agenda política e cultural pró-russa, sendo nostálgica do Estado soviético. A Ucrânia Ocidental e Central é mais agrária e menos populosa, fala mais o ucraniano e inclina-se mais para o Ocidente, para se afastar da Rússia. Durante a última década Kiev mudou politicamente da primeira para a segunda parte. Esta divisão é geralmente exagerada até ao ponto em que a existência de uma única nação ucraniana é negada; isto não é verdade: eu penso que a Ucrânia é mesmo assim um Estado-nação mais unificado do que a Bélgica, por exemplo. Mas, mesmo assim, esta divisão existe e, até certo ponto, tem sido a principal razão pela qual na Ucrânia a classe dominante tem falhado em estabelecer um regime autoritário nos moldes da Rússia ou da Bielorrússia: essa divisão tem assegurado que nenhum grupo político consiga ter o apoio da maioria da população. Assim, eles têm de fazer jogos de equilíbrio e de fazer concessões a uma classe trabalhadora debilitada: uma democracia burguesa foi mantida e os elementos de um Estado social são bastante mais generosos do que na Rússia.
Posto isto, podemos concluir: a integração na União Europeia não é de todo o principal motivo dos protestos, mas é visto implicitamente pelos manifestantes como um passo natural que pode ser dado por um governo “bom” que suceda a Yanukovych.
Vratislav: […] As reivindicações políticas do Maidan não são contingentes e estou interessado em perceber qual o tipo de realidade sócio-económica que está por trás destas reivindicações. Que tipo de situação geral na Ucrânia produziu estas reivindicações em prol da queda de Yanukovych e contra a corrupção sistemática que permeia o Estado?
Denis: Em primeiro lugar, tem em mente a heterogeneidade política da Ucrânia que descrevi anteriormente. Estas divisões foram actualizadas nos últimos anos por razões práticas. Por exemplo, em 2009, mesmo antes das eleições presidenciais, o Partido das Regiões, que então estava na oposição, incitou a grandes protestos contra manobras da NATO na Crimeia. Eles também prometeram tornar o russo numa língua nacional. Em 2010, quando chegaram ao poder, eles já concordavam com as mesmas manobras da NATO e ninguém fez nada na esfera das línguas – isto até 2012, quando eles tinham de vencer as eleições parlamentares. Então eles passaram uma lei que defendia as línguas minoritárias e regionais, o que mobilizou ambas as partes da população: os que falam russo apoiaram o Partido das Regiões e de certa forma “relembraram-se” de que tinham estado a ser discriminados e acreditavam que a lei os iria salvar; a população que fala ucraniano levou a cabo grandes protestos contra o que chamavam de “genocídio linguístico”. Assim, os dois campos políticos manipularam estas questões, radicalizando a população quando antes as próprias pessoas nem se incomodavam com isso. Um ano depois, ninguém se lembra mais dessa “terrível” lei da língua.
Portanto, houve sempre uma grande parte da população que odiava o actual presidente e que apenas precisou de um rastilho para começar a protestar, especialmente desde que Kiev, a capital, passou para o lado da “oposição”. Desta vez houve um rastilho: uma histeria relativamente à União Europeia provocada pelo próprio governo! Durante todo o ano de 2013 eles falavam que a Ucrânia iria assinar o tal acordo com a UE. Eles despertaram as expectativas da parte “pró-europeia” da população, e então, quando subitamente voltaram com a palavra atrás, as pessoas ficaram extremamente frustradas e furiosas. Este foi o impulso inicial.
Mas, obviamente, também existem razões reais para que as pessoas odeiem o governo. Quando Yanukovych se tornou presidente em 2010, ele começou a desencadear passos neoliberais impopulares. As tarifas de gás natural começaram a aumentar; o governo lançou uma reforma do sistema de saúde que levou ao encerramento de muitas instituições médicas e começou a introduzir um seguro médico universal em vez da anterior cobertura médica pública; eles apresentaram uma reforma das pensões muito impopular (aumentando a idade da reforma para as mulheres) contra a vontade de mais de 90% da população; houve uma tentativa de passar um novo Código Laboral que iria afectar seriamente os direitos dos trabalhadores; os caminhos-de-ferro foram empresarializados; finalmente, aprovaram um novo Código Fiscal oneroso para os pequenos negócios. Mas este assalto acabou por não ser muito bem-sucedido e o governo teve de recuar. As tarifas do gás natural, da electricidade, do aquecimento e da água ficaram congeladas a um nível que é dos mais baixos na Europa e na ex-URSS; o Código Laboral está enterrado no parlamento; o próximo passo da reforma das pensões (que passaria por introduzir planos de poupança obrigatórios, no lugar do sistema de solidariedade) está parado. Eles viram que não conseguiam mover-se com tão baixos níveis de apoio. Mas, mesmo assim, o bem-estar da classe trabalhadora, bem como o estado geral da economia deixam muito a desejar, e as pessoas têm todas as razões legítimas para exigir melhores níveis de vida. Tristemente, estas queixas estão encobertas na falsa consciência do nacionalismo.
Finalmente, há ainda mais um importante detalhe. Desde 2010, Viktor Yanukovych, que inicialmente era apenas uma marioneta dos poderosos oligarcas, tornou-se ele mesmo um ambicioso homem de negócios. O seu filho mais velho tem acumulado vastos poderes; “a Família” ocupa posições importantes no governo, monopolizando o controlo sobre fluxos de capitais, e começaram a lutar contra Rinat Akhmetov, Dmitry Firtash e outros oligarcas que foram os seus anteriores patrocinadores. Naturalmente, os clãs oligárquicos tradicionais não gostaram disto, pelo que os actuais protestos também têm uma dimensão de elite.
Vratislav: É possível resumir as reivindicações do Maidan? Ou seja, reivindicações vindas de dentro do movimento e que efectivamente o unifiquem e generalizem. Existem algumas reivindicações clara e universalmente articuladas? Ou essas reivindicações políticas que podemos ver e ouvir apenas são debitadas pelos partidos da oposição, já que, o Maidan como tal, seria mais um encontro caótico de queixas individuais que identificam o Estado corrupto e crescentemente autoritário de Yanukovych como a fonte e o inimigo comum, pelo que poderá este movimento ser capaz de falar a uma só voz com a oposição parlamentar?
Denis: Do que consigo entender, existe apenas uma reivindicação que é partilhada por praticamente cada pessoa activa no Maidan: temos de nos livrar de Yanukovych. Este é o ponto comum que pode unificar todos os estratos sociais e todos os campos políticos ali presentes. Claro que a maioria das pessoas diz que não vai parar por aí e que quer uma purga total de todas as estruturas de governo para que “novas pessoas” possam ir para lá, e por aí fora. Se olharmos mais de perto, consegue-se ver um vasto espectro de diferentes pontos de vista, muitos deles mutuamente contraditórios. Assim, penso que tens razão e a oposição está a capitalizar a partir do facto de que toda a revolta está focada especificamente em Yanukovych.
Vratislav: Estou também curioso a propósito das composições de classe e políticas do movimento Maidan e como elas evoluíram nos últimos meses. Penso que disseste algures que os manifestantes iniciais pró-União Europeia eram de classe média. Estavas a falar de estudantes? A classe média é actualmente uma categoria apelativa mas ao mesmo tempo muito vaga. Por isso, poderias especificar um pouco melhor o que isto significa no contexto ucraniano?
Denis: Depende do período a que te referes. Inicialmente, sim, os manifestantes eram sobretudo estudantes e membros das “classes médias” urbanas: pequena-burguesia, círculos boémios, trabalhadores de escritórios. Neste momento, a composição de classe dos protestos mudou para um padrão mais universal. Não estou certo das proporções exactas, mas é inquestionável que o protesto se tornou mais “proletário” – apesar de o peso dos trabalhadores ser ainda baixo, e quando estão presentes, eles estão como “ucranianos” ou “cidadãos” e não como “trabalhadores”. Em Kiev a vida quotidiana continua como de costume, ninguém está em greve, etc. Geralmente o protesto tem uma natureza que atravessa as várias classes: inclui população desempregada bem como o CEO [principal dirigente] da Microsoft da Ucrânia.
Vratislav: Os comentadores dos órgãos de comunicação inicialmente descreveram os manifestantes de Novembro de 2013 como sendo politicamente liberais, defendendo o pluralismo democrático, o multiculturalismo, etc. Tu concordas com esta descrição?
Denis: Definitivamente não são multiculturalistas! Hoje em dia quase toda a gente está consciente do papel da extrema-direita nos protestos. Certamente que eles não são omnipresentes, mas o facto é que a sua ideologia tornou-se mais aceitável no mainstream (que desde o início se inclina para a direita!). Por exemplo, muito recentemente, Vitali Klitschko (que é o mais liberal dos três líderes da oposição) lançou uma campanha intitulada “Não tenhas medo, tu és um ucraniano!”. Claro que a maioria dos manifestantes diz que quer pluralismo político e uma democracia burguesa em vez do monopólio do poder por um partido, tal como as coisas agora aparentam. Mas, ao mesmo tempo, a multidão no Maidan ressuscita práticas sociais pré-modernas tais como chicoteamentos, linchamentos ou o reforço dos papéis tradicionais de género. Esta prontidão assustadora para escorregar para a barbárie nasce do desencanto geral com a política parlamentar e da mitologia nacionalista omnipresente sobre um passado dourado, e que foi imposta nas escolas e nos media. As mesmas coisas estão a acontecer no lado oposto: as redes sociais dos oficiais da polícia de choque estão cheias das mesmas merdas.
A agenda original do movimento Euromaidan era de uma direita liberal, em defesa da União Europeia, das “liberdades económicas” e de uma democracia burguesa. Mas os temas do multiculturalismo, dos direitos LGBT, dos direitos e liberdades dos trabalhadores foram severamente reprimidos pelos activistas politicamente conscientes da extrema-direita que se juntaram aos protestos, apesar do seu programa político ter incluído sempre uma crítica ao “fascismo liberal” da UE. Na realidade, o próprio nome “Sector de Direita” originou-se após um desses embates mais violentos. Os atacantes não representam a maioria dos manifestantes, mas a maioria encontra-se muito susceptível à agenda política da extrema-direita, o que tem feito com que esta tenha insistido agressivamente.
Nota
Esta entrevista a Denis, membro da organização de Kiev de um grupo sindicalista revolucionário chamado União Autónoma dos Trabalhadores, reproduz excertos de um original publicado aqui. A tradução é do Passa Palavra.
Abaixo, uma declaração emitida por vários comunistas internacionalistas e anarquistas da Rússia, Ucrânia e de outros lugares, sobre a possibilidade de guerra na Ucrânia, rejeitando o nacionalismo e afirmando que o proletariado deve lutar por seus próprios interesses:
http://www.aitrus.info/node/3616
“Nem uma única gota de sangue pela “nação”!
A luta pelo poder entre os clãs oligárquicos na Ucrânia ameaça transformar-se num conflito armado internacional. O capitalismo russo pretende utilizar a recomposição do poder no Estado Ucraniano de maneira a satisfazer as suas aspirações imperiais e expansionistas de longa data sobre a Crimeia e o leste da Ucrânia, onde detém fortes interesses económicos, financeiros e políticos.
Prevendo a próxima crise económica iminente, o regime tenta alimentar o nacionalismo russo para desviar a atenção dos problemas socio-económicos da classe trabalhadora que estão em crescimento: salários e pensões de miséria, o desmantelamento dos serviços de saúde existentes, a educação e outros sectores da área social. Com a explosão da retórica nacionalista e militante é mais fácil concluir a construção de um Estado autoritário e corporativo assente em valores conservadores reaccionários e em políticas repressivas.
Na Ucrânia, a crise económica e política aguda levou ao acentuar do confronto entre “velhos” e “novos” clãs oligárquicos e os primeiros utilizaram mesmo formações ultra-direitistas e ultra-nacionalistas para provocarem um golpe de Estado em Kiev. A elite política da Crimeia e do Leste da Ucrânia não tenciona partilhar o seu poder e os seus bens com os próximos dirigentes de Kiev e para isso julgam contar com a ajuda do governo russo. Ambos os lados recorreram a uma crescente histeria nacionalista, respectivamente ucraniana e russa. Tem havido confrontos armados e sangue derramado. As potências ocidentais têm os seus próprios interesses e aspirações e a sua intervenção no conflito poderia levar a uma Terceira Guerra Mundial.
A guerra entre chefes de grupo faz, como tem sido hábito, que lutemos entre nós, pessoas comuns – trabalhadores assalariados, desempregados, estudantes, aposentados…-, pelos seus interesses. Embebedam-nos com a droga nacionalista, põem-nos uns contra os outros, fazendo-nos esquecer as nossas reais necessidades e os nossos interesses: não temos nada que nos preocupar com as suas “nações” quando temos problemas mais importantes e urgentes – como acabar com o sistema que eles encontraram para nos escravizar e nos oprimir.
Não vamos cair na embriaguez nacionalista. Que vão para o inferno com os seus Estados e as suas nações, as suas bandeiras e as suas sedes! Esta guerra não é nossa e nós não devemos cair nela, pagando com o nosso sangue os seus palácios, as suas contas bancárias e o prazer de se sentarem nas fofas cadeiras do poder. E se os chefes em Moscovo, Kiev, Lviv, Kharkov, Donetsk e Simferopol começarem esta guerra o nosso dever é resistir por todos os meios!
Não à guerra entre “nações” – Não à paz entre as classes !
KRAS , secção russa da Associação Internacional dos Trabalhadores
Internacionalistas da Ucrânia , Rússia, Moldávia, Israel, Lituânia, Romania, Polonia
Federação Anarquista da Moldávia
Fracção dos socialistas revolucionários (Ucrânia)
Esta declaração foi apoiada por:
Alliance de Solidariedade Operaria (America do Norte)
Internacionalista EUA
Anarco-sindicalista Initiative Roménia
libertários Barcelona
A esquerda comunista e internacionalistas de Equador, Peru, República Dominicana, México, Uruguai e Venezuela
Iniciativa Trabalhador-Comunista (França)
Grupo Leicester Federação Anarquista (Grã-Bretanha)
(aberto á assinatura de outros colectivos…)”
Penso que certa esquerda europeia e portuguesa presta demasiada atenção ao que ocorre sistematicamente nestas situações políticas: as acções da CIA, dos serviços secretos e do exército russos, etc. Isso é mais do mesmo e é
óbvio que não seria de esperar outra coisa.
O problemático na situação ucraniana é realmente a questão da extrema-direita. Para já os fascistas têm sido joguetes nas mãos de sectores das classes dominantes. Mas isso não os impede de se poderem autonomizar no futuro.
Repare-se que até agora eles têm estado controlados. Por exemplo, na Grécia, a Aurora Dourada andou a distribuir porrada, meter medo a imigrantes, etc. Contudo, chegou uma altura que os tecnocratas viram que os cabeças rapadas andavam a crescer demasiado e toca a metê-los na ordem.
A actual inexistência de manifestações em Kiev aparenta um fenómeno parecido mas com dois dados distintos. Por um lado, há gente do Svoboda no novo governo. Por outro lado, eles não pararam as manifestações porque foram reprimidos, mas porque deverão estar a cumprir ordens para baixar as hostilidades. Até quando?
O meu maior receio é que eles eventualmente catapultem a insatisfação existente, transformando as dificuldades que as pessoas sentem no seu dia-a-dia de um país quase falido num ódio irracional nacionalista. Se a “nação em cólera” se voltar a manifestar e crescer, a possibilidade da extrema-direita se autonomizar surge como um dado equacionável. Nessa altura, os tecnocratas irão a reboque. E as cabeças dos trabalhadores serão os carris por onde rolarão os comboios delirantes do irracionalismo.
Para terminar. Este site tem debatido e bem os processos de construção de uma rede institucional e de temas que recubrem os eixos estruturais do fascismo (vd. artigos do Sternhell).
Ora, na Ucrânia o próprio facto de existirem fascistas com influência num processo de derrube de um governo pró-russo demonstra um dado preocupante.
Apesar de eles ainda não estarem autonomizados (bastou chegar a Timochenko para que eles não prosseguissem), o facto deles terem chegado ao ponto que descrevi na frase anterior já representa um dado inimaginável para o avanço da extrema-direita. Numa Europa que está a dois meses de realizar
eleições para o Parlamento Europeu e em que toda a extrema-direita e grande parte da esquerda se vão bater contra o euro, numa Europa que vê situações como a da Suiça, e numa Europa em que não existem lutas autónomas da classe trabalhadora, parece-me óbvio que se a situação económica piorasse, o nacionalismo, à esquerda e à direita, teria hoje melhores condições políticas e ideológicas para avançar. Porém, este é acima de tudo um risco potencial, já que aparentemente os processos de integração europeia irão
prosseguir. Paradoxalmente, e provavelmente por muitos anos, ao mesmo tempo que avançar o processo económico de integração económica o nacionalismo terá guarida política e ideológica à esquerda e à direita. Continuando portanto a germinar e a expandir conexões aparentemente improváveis.