O que deveria ser a repetição do velho roteiro transformou-se num capítulo que há anos não se via na história das lutas desta cidade. Por Passa Palavra
Estava programada para a madrugada do dia 26 para o dia 27 de maio o início da paralisação dos rodoviários em Salvador. O sindicato, entretanto, decretou o fim da greve mesmo antes dela começar. O que deveria ser a repetição do velho roteiro transformou-se num capítulo que há anos não se via na história das lutas desta cidade.
Na assembleia de poucos dias antes (22 de maio), os rodoviários, além do indicativo de greve, estabeleceram suas exigências: aumento de 15% nos salários e de 63,5% no tíquete-refeição; redução da jornada de trabalho de 8h para 6h; e a consequente extinção da hora fracionada de descanso. Quando todos se mobilizavam para parar a cidade, chega a notícia aos trabalhadores: o sindicato aceitou a proposta dos empresários (um aumento salarial de apenas 9%).
Foi exatamente assim que aconteceu no ano passado e em tantos outros. O final deveria ser também igual: cobradores e motoristas aceitando o acordo imposto sem ter muito o que fazer. O sindicato chegou a simular uma assembleia de aclamação da proposta, que aconteceu minutos antes do horário anteriormente combinado. Na sede do Sindicato dos Eletricitários da Bahia (Sindenergia), localizado na Sete Portas, a poucos metros do Terminal do Aquidabã, local onde historicamente a categoria se reúne, se passaria mais uma fraude caso algo não tivesse saído do roteiro.
A manobra buscava inviabilizar a participação da categoria. Em conversa com os próprios rodoviários acampados em frente à sede do Sindenergia, foi nos relatado que as pessoas que votaram a favor da proposta encaminhada à categoria pelo sindicato não eram rodoviários. Como de costume, a burocracia do sindicato havia alugado pessoas para posar na foto com as mãos levantadas em apoio à proposta dos patrões da SETPS (Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Salvador).
Daí para a frente a imprensa passou a divulgar amplamente que não haveria mais greve. O acordo era anunciado como uma grande vitória da categoria. Mas quando as pessoas saíam dos seus trabalhos e tentavam retornar para casa veio a surpresa: não havia ônibus nas vias principais da cidade, e nos principais terminais de ônibus os rodoviários, revoltados com a decisão do sindicato, cruzavam os braços e desligavam os motores.
Esta paralisação inicial e descentralizada durou um par de horas ou talvez um pouco mais. Logo em seguida, usando do Whatsapp (aplicativo para celulares que permite conversas instantâneas entre diversos aparelhos), os rodoviários criaram uma rápida e eficiente infraestrutura de comunicações e decidiram se somar aos que já estavam em frente ao Sindenergia denunciando a manobra do sindicato da categoria. Aproximadamente 200 ônibus se dirigiram para a frente do Sindenergia, e um número ainda maior de trabalhadores, entre cobradores e motoristas, foi para lá mesmo sem os veículos. O objetivo era fazer a direção do sindicato recuar da decisão que tomara sem consultar a base e garantir que, desta vez, as exigências fossem atendidas plenamente.
Ao chegar no local da assembleia fraudulenta, os cobradores e motoristas ainda tiveram a oportunidade de ver os burocratas do sindicato e os trabalhadores de aluguel saírem correndo, abandonando o local que imediatamente foi ocupado pelos grevistas. Segundo um dos rodoviários, que passou a montar acampamento em frente ao Sindenergia, dali para a frente a adesão foi próxima dos 90% da categoria. Os ônibus que ainda circulavam foram paralisados pelos trabalhadores e mais pessoas aderiam à greve.
Por volta da meia-noite, horário originariamente programado para o início da greve, ainda havia cerca de quatro centenas de rodoviários e mais de uma centena de ônibus parados nas proximidades do acampamento. Muitos com janelas quebradas. Não havia líderes centralizando as decisões e qualquer desentendimento era resolvido por grupos pequenos. O clima era tranquilo e de confraternização, apesar da revolta generalizada contra o sindicato e o SETPS. A menos de um quilômetro, trabalhadores de outra categoria davam os retoques finais na Fonte Nova, um dos estádios que em duas semanas abrigará os jogos da Copa do Mundo.
Aliás, sobre o clima no local é interessante escrever mais algumas linhas. Havia poucos policiais nas proximidades e nenhum partido político nem trabalhadores da imprensa ou organização de qualquer outro tipo. Ainda com as fardas, os rodoviários gastavam o tempo contando como colocaram os advogados do sindicato pra correr, jogando dominó ou relatando o duro cotidiano do trabalho. Uma das questões que mais os revoltava era o tratamento dado à categoria durante o carnaval. Um cobrador nos confidenciou que nunca havia visto nada igual àquele movimento grevista; e outro, questionado sobre como se daria o processo decisório dali para a frente, apenas deu de ombro e disse: “quem quer falar vai e fala, não tem lideranças”. Em pequenos grupos, discutiam o que deveriam fazer quando o dia amanhecesse.
Até então, nenhum dirigente do sindicato, além dos seus advogados, havia aparecido no local para conversar com os grevistas. Nenhum representante dos empresários ou da Prefeitura também. Enquanto os patrões e burocratas passaram a noite tentando entender o novo estágio das lutas no país, os trabalhadores transformavam a revolta em auto-organização ali mesmo, bem no meio da rua.
Gostei da forma em que informação foi passada, sou rodoviario e foi desta maneira que aconteceu…. parabéns…
Sempre que uma ou várias categorias, ou até mesmo um indivíduo trabalhador se sentir prejudicado na sua relação de trabalho, deve-se lutar pela melhoria da mesma. Isso ninguém questiona. A população entende perfeitamente que os rodoviários precisam lutar por melhorias. Entretanto acredito que os rodoviários perderam e continuam perdendo uma grande chance de fazer algo que realmente se pareça com “um novo estágio nas lutas do país”. Se o sindicato não os representa e decretou o fim da greve antes dela ocorrer, não seria interessante se os rodoviários continuassem as atividades até a meia noite? Afinal a população já sabia que esse era o horário da greve. Já estava combinado. E se rodassem com as catracas livres na segunda e na terça não rodassem? Mas não, pararam as atividades no meio do expediente de muitos outros trabalhadores e igualmente sofredores, deixando os mesmos a ver navios, na rua, sem saber como voltar para casa. Muitos tiveram que caminhar muito para achar um taxi, senhoras idosas que trabalharam o dia inteiro. Outros se submetiam a preços na casa dos R$10,00 em lotações clandestinas. Mães com filhos de colo, que já tinham pago a passagem, sendo obrigadas a descer dos ônibus pelos trabalhadores no meio do caminho. Pessoas doentes querendo voltar para casa. E isso não foi por “um par de horas, talvez mais”. Durou das 16h até a meia noite do dia 26/05 para o dia seguinte e dura até a presente hora: 17:43 do dia 27/05. Será mesmo que parando por exemplo, a Estação Mussurunga às 16h, de um dia que era suposto não haver greve, eles atingem realmente quem eles querem atingir? Ora, esta Estação parada só prejudica a quem mora no bairro de Mussurunga, uma vez que os moradores usuários de ônibus dependem única e exclusivamente dela para se locomover. Para o resto da cidade não faz a menor diferença. Se é para parar “pontos chave”, porque não param logo a avenida paralela inteira? Ou não seria mais inteligente encontrar uma forma de ter apoio popular e ao mesmo tempo prejudicar seus tão odiados opressores? Cito novamente: Catraca livre ou não parar no meio do dia são duas delas. Me pergunto, e gostaria que vocês se perguntassem: Esta “nova forma de lutar” atinge primeiro a quem?
Gostaria de saber se amanhã 28/05 ainda haverá paralisação dos rodoviários, pois não posso mais perder aulas por causa disso!
Joel, arrisco uma resposta:
atinge primeiro os rodoviários, que parecem ter saído da letargia na qual o sindicato os havia posto. Como a categoria não parecia estar muito bem organizada antes, estou certo de que é a partir de agora que eles poderão pensar de maneira crítica a respeito de todos os seus questionamentos, que são todos muito justos mas impossíveis de serem absorvidos de maneira digna e íntegra por uma categoria que está desorganizada na mão de burocratas. Se irão ou não fazer esse balanço crítico, não temos como saber, o que se pode sim saber é que a possibilidade inexistia no cenário anterior, e é justamente por isso que a greve parece ter aparecido desta forma explosiva e descontrolada: se nem sequer conseguiam se organizar entre si para impedir as falcatruas do sindicato, como esperar da categoria uma reflexão profunda sobre a relação com os demais trabalhadores e os métodos de uma greve? Por isso que o momento é importante, ainda que isso signifique uma momentânea desorganização na estrutura de transporte que os patrões haviam instituido (de maneira bastante precaria, qualquer brasileiro o sabe).
Ultimamente muita gente está defendendo que os motoristas, em vez de realizarem uma greve, liberem as catracas dos coletivos como forma de criar uma “unidade com os usuários do transporte”. Obviamente que sou favorável à liberação das catracas, mas acho cada vez mais que ela é, na verdade, o resultado de uma solidariedade entre motoristas e usuários, e não sua condição. Porque fica muito fácil jogar essa responsabilidade toda nas costas dos rodoviários. Se já se exige coragem e organização para iniciar uma greve, onde a categoria enfrenta o Estado coletivamente e existe a possibilidade de garantir a adesão da maioria por piquetes, imaginem o quanto não será necessário para fazer isso com cada motorista isolado dentro do seu ônibus? Se os usuários não se somarem às lutas dos rodoviários, dificilmente veremos “catraca livre” nos ônibus.
Eis aqui porque é tão difícil rodar com catraca aberta em Salvador: http://atarde.uol.com.br/galerias/31/presenca-de-segurancas-armados-provoca-confusao-entre-rodoviarios-19222
E, como se sabe, o sindicato é contra as portas abertas: http://www.bahianoticias.com.br/noticia/154409-catraca-livre-jh-e-039-irresponsavel-039-e-ideia-039-estapafurdia-039-diz-diretor-dos-rodoviarios.html
Ou seja: sem articulação com passageiros, as portas continuarão fechadas.
Parar um ônibus no meio do trajeto e obrigar os passageiros a descerem no meio da rua ….. não posso compreender isso como falta de organização – como se disse um dos comentários- se for falta de alguma coisa estaria mais para falta de caráter…. é o abuso de sempre e de todo o lado.. de quem não respeita o próximo….. engraçado como essa parte da situação é omitida do texto… os olhares.. esse fato para o autor do texto não foi relevante…. o que me deixa de pé atrás com o texto como um todo…
ola dia 12 de junho 2014 greve dos camioneiros e motoristas greve geral no pais.
Segunda-feira foi um inferno pra todo mundo que precisa de ônibus e tava na rua. A categoria – que eu e muitos outros estão vendo com imensa admiração em razão de tudo o que dizem o texto do PP, o Lucas, o Manolo – provavelmente vai sair fortalecida se souber tirar alguma lição desse descontentamento (eufemisticamente falando) gerado nos usuários do serviço.
Na manhã da segunda-feira, vendo alguns poucos ônibus avisando à população do início da greve na 3a feira, com pinturas nos vidros traseiros, fui conversar com o motorista, que me falou que a assembleia ainda ia deliberar, mas que a mídia, os patrões e o Estado já tinham sido avisados da greve desde a quinta-feira anterior, para não caírem no lance da exigência de aviso com 72h de antecedência para interromper os serviços. Ele deixou claro que a greve, se aprovada, começaria à meia-noite. Todos no ônibus ouviram.
Esse era o plano, tudo certinho. Acontece que não se esperava pela tentativa de golpe do sindicato na categoria, antecipando e fraudando a assembleia. Por isso, me parece correto que a categoria tenha reagido IMEDIATAMENTE, para evitar a consumação do golpe. Quase a totalidade dos veículos midiáticos estavam dizendo que a greve tinha sido suspensa, e é óbvio que seria mais difícil mobilizar em outro momento, que não aquele.
Agora voltam a dizer que a greve foi encerrada, e que o aumento de 9% foi (novamente?) aceito pelo sindicato (havendo informações mais cedo de que os patrões teriam decidido pela redução da proposta para 6% de aumento). E parece que houve avanço, em relação a segunda-feira, no ponto da redução da carga horária e da PLR. Alguém confirma?
De uma matéria do G1:
“Os rodoviários que não aceitam o acordo voltaram a trabalhar, mas decidiram que vão se concentrar na sede do Sinergia às 21h, desta segunda, com o objetivo de seguir para as empresas de ônibus contrárias a que trabalham. A ação é para que eles possam ficar com os veículos em mãos e que os empresários não guardem os ônibus nas garagens das empresas de origem.”