Promover a formação de uma consciência revolucionária através das urnas é o que se propõe. Contudo, as próprias campanhas pelo voto nulo repetem os mesmos erros que os seus defensores dizem combater. Por Fagner Enrique

Cesar-Del-Valle_web5Na atual conjuntura de eleições, uma parte da esquerda opta pelas campanhas pelo voto nulo. Essas campanhas, ganhando amplitude, serviriam, supostamente, para demonstrar que uma parte da população não se sente representada por nenhum dos partidos em disputa por cadeiras parlamentares e cargos no executivo. Para alguns, servem, inclusive, para colocar em causa toda a democracia representativa, levando à sua falência e abrindo caminho para uma nova forma de organização social. Se uma grande quantidade de pessoas optar pelo voto nulo, dizem, todo o sistema político vigente cairá por terra. Muitos julgam que se trata de uma iniciativa verdadeiramente libertária, uma verdadeira alternativa à política partidária. Fazer campanhas pelo voto nulo seria, além do mais, uma forma de abrir os olhos dos trabalhadores para o fato de que a democracia representativa serve aos interesses das classes dominantes e impõe obstáculos à revolução dos trabalhadores. Votar em candidatos não serve para promover mudanças, pois as transformações não são conquistadas através das urnas e as campanhas pelo voto nulo atuam nesse sentido, auxiliam na conscientização, na formação de uma consciência revolucionária. Promover a formação de uma consciência revolucionária através das urnas é o que se propõe. Contudo, as próprias campanhas pelo voto nulo repetem os mesmos erros que os seus defensores dizem combater.

A esquerda partidária pretende fazer das eleições um instrumento de mudança: eleger os candidatos da esquerda é colocar o Estado a serviço dos trabalhadores, estabelecendo condições para que as mudanças sejam promovidas de cima para baixo (havendo lutas dirigidas de baixo para cima ou não).

A esquerda que defende o voto nulo adota, sem tirar nem por, essa mesma ideologia e essa mesma prática: do ponto de vista ideológico, o voto é concebido como um instrumento de mudança eficaz; do ponto de vista prático, votar é realizar as mudanças na prática, votar é protestar radicalmente contra o estado de coisas em vigor. Da mesma forma, o protesto se desloca das ruas para as urnas. A única diferença é que, ao invés de serem promovidas pela eleição de representantes, as mudanças são promovidas pela anulação dos votos.

predio_abandonado_vs-322424Em ambos os casos, a revolução é feita quando uma grande quantidade de pessoas digita de dois a cinco números num aparelho eletrônico ou enfia um bilhetinho rabiscado numa caixa selada. Essas duas esquerdas padecem de uma debilidade teórica imensa, quase imensurável, pois pretendem negar uma prática reforçando-a. Além do mais, tanto a esquerda partidária quando a esquerda do voto nulo pretendem que deva haver alguém para dizer aos trabalhadores o que eles já estão cansados de saber. Uns pretendem utilizar o horário eleitoral obrigatório para fazer os trabalhadores se darem conta de que eles vivem num sistema de exploração, chamado “capitalismo”, e que eles são oprimidos, como se eles já não soubessem disso. A solução para tanto é votar nos candidatos da esquerda: pronto, tudo resolvido. Outros pretendem fazer campanhas para conscientizar os trabalhadores de que o voto nada muda, também como se eles já não soubessem disso (as estatísticas de abstenções eleitorais em vários países são, nesse sentido, reveladoras). A solução para tanto é também votar, mas anulando o voto. A análise dos problemas e a solução proposta são as mesmas: anular o voto não deixa de ser votar. Em ambos os casos, revela-se não só uma grande debilidade teórica mas também um certo elitismo. Os trabalhadores precisam que alguém lhes diga quais são os seus próprios problemas e lhes aponte soluções. Essas esquerdas pensam estar, assim, realizando um trabalho de base de caráter pedagógico. A classe trabalhadora parece não ser composta de pessoas maduras, que encaram a exploração e a opressão diariamente e que, volta e meia, se insurgem contra as desigualdades.

Durante as eleições, quando as disputas internas às classes dominantes se acirram momentaneamente, quando são visíveis as fissuras entre os donos dos poderes político e econômico, seria o momento de intensificar as lutas dos trabalhadores pela base, intensificar a auto-organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, nos locais de moradia, nos locais de estudo, nos locais de trânsito. É nesses locais que as lutas de classes têm lugar. O certo seria passar, nessa conjuntura, para a ofensiva, para o ataque, aproveitando-se do fato de que as várias frações das classes dominantes estão mais ocupadas em garantir o seu lugar ao sol do que com qualquer outra coisa.

Mas, ao invés disso, as lutas são freadas e interrompidas e todas as apostas são, de um jeito ou de outro, depositadas na dinâmica eleitoral. Encara-se, assim, uma grande pausa e, em quase toda parte, a mais completa passividade, até que as eleições acabem e a luta volte para o lugar de onde ela nunca deveria ter saído. Isso significa que uma certa mentalidade é ainda todo-poderosa, em muitos espaços. São as eleições que tudo decidem. Ao invés de se criarem novas alternativas, exploram-se as alternativas já colocadas à disposição pelo Estado capitalista: o voto nulo é uma das alternativas colocadas à disposição pelos capitalistas.

urlNão são construídos laços, não são fortalecidos os já existentes, não há articulação para além da dinâmica eleitoral, por mais revolucionário que votar nulo possa parecer. E isso tudo não é feito porque não há braços e pernas e cabeças suficientes à disposição, no plano local, no regional, no nacional e no internacional. As lutas não se revigoram e não se integram e nem passam à ofensiva. É melhor se mobilizar para influenciar os resultados das eleições e esperar para ver o que vai dar. É extremamente difícil colocar as pessoas em movimento, fora dessa dinâmica. Fica tudo em stand by.

23 COMENTÁRIOS

  1. Nossa, esse texto me fez mudar de ideia. Vou votar nulo mais não; vou votar no Aécio e ficar a desserviço da ordem. Eu tinha começado a escrever uma resposta séria, mas desisti porque esse texto é tão desonesto, mas tão desonesto que não merece ser levado a sério.

  2. AD MULIEREM
    Se perguntar não ofende, falando – ou, melhor, escrevendo – quase sério: Motta virou Abreu?

  3. Se a Katia Motta tivesse lido o meu texto com atenção – a começar pelo título –, ela teria percebido que eu não afirmo que votar nulo é estar a serviço da ordem, mas que o é apresentar o voto nulo como uma solução anticapitalista em época de eleição, contribuindo para a paralisia das lutas autônomas em período eleitoral. Por fim, fico aguardando a resposta séria da comentadora ao meu texto desonesto.

  4. Não concordo com seu texto, jovem.
    Acho que traça uma caricatura tanto daqueles que disputam eleições quanto dos que defendem voto nulo.

    Esse trecho é elucidativo quanto a isso:
    ‘Em ambos os casos, a revolução é feita quando uma grande quantidade de pessoas digita de dois a cinco números num aparelho eletrônico ou enfia um bilhetinho rabiscado numa caixa selada.’

    Me parece que nem a esquerda que disputa eleições, nem a que anula seus votos crê que tal prática é revolucionária. Talvez sirva como atividade de agitação, difusão de idéias do partido ou denúncia do sistema representativo, mas nada que altere a organização política do Estado ou a organização produtiva no interior das fábricas. Penso que não há ilusões quanto a isso.

    Daí você fala:
    ‘Essas duas esquerdas padecem de uma debilidade teórica imensa, quase imensurável…’

    qual a debilidade teórica? você diz:

    ‘pois pretendem negar uma prática reforçando-a’.

    pra mim, não ficou clara a debilidade teórica.

    E você segue com caricaturas:

    ‘A solução para tanto é votar nos candidatos da esquerda: pronto, tudo resolvido.’

    Não creio que seja tão simples assim. Penso que seja um reducionismo.

  5. Pra mim essa crítica pesa mais aos partidos de extrema esquerda que jogam sua militância na rua, gastam em panfletos para não chegarem nem perto de elegerem-se.

  6. O mesmo idealismo sincero que anima as base da esquerda, nem sempre é o mesmo que anima a sua direção centralizada, mas, dizem, democrática… Seus expoentes máximos são os eternos presidenciáveis do partido, nem sempre só pelo desejo das bases… Uma cúpula que, além de bem formada e informada, é realista, que sabe muito bem que dificilmente vai chegar “lá”, mas se sustentam justamente sobre sonho. Legitimam assim o sistema a troco, muitas vezes, de migalhas (é só olhar no site do TSE sobre o fundo partidário, que muitos reclamam, mas que todos recebem…). “Intensificar a auto-organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, nos locais de moradia, nos locais de estudo, nos locais de trânsito” (Fagner Enrique) são blasfêmias inconcebíveis segundo esta vanguarda revolucionária partidária…

    Fagner, excelente texto!

    Abraços fraternais,

    Beto.

  7. O voto nulo não é apenas um capricho da esquerda que se pretenda autogestionária. É uma denúncia da farsa eleitoral, da mediação feita através de políticos profissionais, da separação existente entre dirigentes e dirigidos. Portanto, o voto nulo faz parte da pauta autogestionária, embora eu também pense que ela não seja a principal pauta da luta autogestionária. Quanto ao fato de que nas eleições a campanha pelo voto nulo se intensifique, acho que isso é normal, visto que, querendo ou não, as eleições existem, e ela tem um papel a desempenhar nas lutas, nem que seja uma mera questão psicológica (como, por exemplo, a sensação que as pessoas tem de que realmente estão decidindo ao votar no partido x ou y). Quanto a campanha do voto nulo acabar esvaziando as lutas de base, isso sim eu acho preocupante, embora, repetindo, ache que isso é “normal” em tempos de eleição.

  8. O Breno ficou incomodado porque eu utilizei o termo “revolução”. Se “revolução” significa insurreição violenta, assalto ao poder, é claro que ninguém pretende realmente que isso seja feito, de um jeito ou de outro, através das urnas. Mas, se significa, por outro lado, um conjunto de transformações radicais, basta consultar os discursos de partidos da oposição de esquerda ao PT e de movimentos que fazem campanhas pelo voto nulo para verificar que, para ambos, é através das urnas que se chega a uma espécie de ponto de inflexão, ao mesmo tempo um começo e um fim, uma partida e uma chegada, na luta contra o capitalismo (ou contra o Estado).

    Para uns, criam-se, a partir das eleições, com a chegada da esquerda radical ao poder, condições para que as transformações radicais sejam iniciadas: elas poderão ser, agora, concretizadas em políticas públicas. Para outros, criam-se, a partir das eleições, com a anulação massiva dos votos, condições para que a democracia representativa seja desmascarada, de modo que, para os trabalhadores, não resta alternativa senão o engajamento em massa na luta contra o capitalismo (ou contra o Estado). Mas a verdade é que os partidos da oposição de esquerda ao PT não têm forças para implementar políticas públicas radicais (não têm forças sequer para vencer as eleições). E, mesmo que tivessem, isso, a meu ver, não resolveria muita coisa, já que as transformações serão verdadeiramente radicais quando forem os próprios trabalhadores a colocá-las em prática (e não um governo). Por outro lado, a democracia representativa é desmascarada todos os dias, sempre que um governo democraticamente eleito, como os governos do PT, tenta pôr um freio nas lutas autônomas, sendo cúmplice ou conivente com a repressão aos movimentos autônomos.

    Em suma, tanto para uns quanto para outros, as eleições são não apenas um momento decisivo mas o momento decisivo no processo de luta. Além do mais, tanto para uns quanto para outros, é a partir das eleições que o partido ou movimento acumula forças, recruta militantes, ganha projeção, dá provas de combatividade etc. O resultado é que, de um lado, a extrema esquerda partidária só acumula derrotas, ao passo que os defensores do voto nulo, além de só fazerem “chover no molhado”, canalizam energias para uma empreitada que, para mim, tal como a empreitada eleitoral, é inútil.

    No Brasil, a esquerda se compõe, atualmente, de pequenos grupos, cada um dispondo de uma quantidade muito pequena de militantes permanentes, ínfima em muitos casos. Isso é verdade para a maioria absoluta dos movimentos apartidários e dos partidos políticos de extrema esquerda. Se essas pessoas deixassem de lado as eleições e se preocupassem com o que verdadeiramente interessa, quer dizer, em organizar novas lutas autônomas pela base e em fortalecer as já existentes, as coisas poderiam começar a caminhar para novos rumos. O capitalismo, que é um conjunto de relações sociais, não entra em stand by durante as eleições, mas, por outro lado, isso acontece com as tentativas de criação e difusão de novas relações sociais, coletivistas e igualitárias, com as tentativas de se começar a estabelecer um novo modo de produção já no processo de luta. A luta passa a ser dar em torno do processo eleitoral e as novas relações sociais, que, às vezes, estão já em processo de construção, voltam à estaca zero.

  9. Concordo com a tese central: o voto nulo não contribui para transformação revolucionária alguma. Já fazem alguns anos que vejo grupos radicais fazendo “campanha eleitoral pelo voto nulo”, e assim abandonando as suas atividades mais relevante. Tem um detalhe aqui e acolá no texto que poderia ser problematizado, como a complexidade das funções do Estado nos dias de hoje. Porém, entendo que não é o objetivo central.
    abraços

  10. existem linhas dentro da extrema esquerda que se propõem a utilizar as eleições para tornar públicos discursos de mobilização e organização da classe trabalhadora, falando sobre greves e afins nos espaços publicitários obrigatórios.
    O problema é que se o partido vai ganhando volume eleitoral, grandes são as chances (históricas) de haver uma divisão (especialmente se for um partido trotskista) onde os interessados em luta de classes ficam de um lado e os entusiastas do sufrágio do outro.

    Quanto ao voto nulo, eu voltaria a insistir no exemplo chileno, tão pouco conhecido no Brasil mesmo estando no mesmo continente. Quem acha que vitórias eleitorais, especialmente as de esquerda, são SEMPRE um prejuízo para a luta de classes, deveria se debruçar sobre o Chile de Allende.
    Pois no fim, assim como anarquistas acusam marxistas, a esquerda parlamentar acusa a esquerda radical, etc; parece estarem sempre sedentos por uma desculpa para a sua própria derrota.
    Nesse caso, alguns pequenos grupos culpam as eleições por sua própria irrelevância e pregam o voto nulo para poderem sentir-se incluídos dentro das opções de voto.

  11. O seu último comentário foi mais rico e esclarecedor que todo o texto, Fagner.

    Como disse antes, penso que o texto foi reducionista ao fazer afirmações do tipo:

    ‘A solução para tanto é votar nos candidatos da esquerda: pronto, tudo resolvido’.
    Defende a mesma tese o para voto nulo.
    A meu ver, eliminou propositadamente mediações presentes nessa discussão para combater mais facilmente os oponentes.

    Sua defesa se envereda por três frentes: 1) Você defende a tese de que o voto (inclusive o voto nulo) não provoca transformações revolucionárias (grosso modo, alteração na estrutura política e nas relações produtivas) na sociedade.
    Tenho acordo e suspeito que partidos e organizações marxistas/anarquistas também têm, via de regra.
    2) Diz que o processo eleitoral é o momento decisivo para partidos e organizações (inclusive os que devotam esforços no voto nulo).

    Aqui, penso que sua argumentação é mais pobre, visto que o leque dessas organizações é bastante amplo e você não empreende qualquer esforço para analisá-las. A conduta eleitoral do PSTU e do POR são distintas, por exemplo, do PSOL ou dos anarquistas da CAB ou da UNIPA.

    3) Diz que ‘A luta passa a ser dar em torno do processo eleitoral e as novas relações sociais, que, às vezes, estão já em processo de construção, voltam à estaca zero.’

    1) As novas relações no interior de movimentos são tão frágeis que não sobreviveriam a 1 ou 2 meses de disputa eleitoral? 2) O definhamento (ou sobrevivência) de tais relações não têm nenhuma conexão com a forma com que se lida com o processo eleitoral no interior dos movimentos (essa forma é homogênea? MST e MTST lidam da mesma maneira?).

    Pra finalizar, te pergunto, o que pensa sobre o posicionamento do MTST nas eleições?

  12. O MTST está defendendo o voto na Dilma, mesmo diante do reconhecimento de que, em doze anos de governo, o PT “não realizou as reformas populares no Brasil”, de que “não houve reforma urbana e agrária, reforma tributária progressiva, reforma do sistema financeiro, democratização das comunicações, nem medidas de enfrentamento à estrutura conservadora do Estado brasileiro” e de que “o sistema político e a o aparato militarizado de segurança continuaram intocados” (como se pode conferir aqui: http://noticias.terra.com.br/eleicoes/contra-retrocesso-maior-mtst-defende-voto-em-dilma,df2d939696909410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html). Em Agosto, o movimento declarou apoio à Luciana Genro, mas, diante do resultado do primeiro turno, voltou-se para a apoio “crítico” ao PT (como se pode conferir aqui: http://www.mtst.org/index.php/noticias-do-site/1234-declaracao-publica-do-mtst-sobre-as-eleicoes-de-2014). A meu ver, trata-se de um erro muito grave, sobretudo se se considera que o PSDB representa um projeto político diferente do do PT. Os dois projetos são, na verdade, o mesmo projeto, um mais extremado e o outro mais moderado (como se pode conferir aqui: http://marxismo21.org/wp-content/uploads/2014/09/David-Maciel-dossie.pdf). Não sei o se MTST, nesse sentido, se distancia tanto assim do MST. Além do mais, o posicionamento de cada organização em relação às eleições, no plano do discurso, não importa tanto assim, quando o que se vê é uma grande paralisia e quando essas organizações são pautadas, mesmo que momentaneamente, pela agenda da democracia representativa.

  13. texto horrível. e o o petismo ainda permanece ocupando o imaginário da dita ~esquerda radical~. viva o anarco-petismo!

  14. A pessoa que escreveu o último comentário acima, assinado BB, por acaso notou que, tanto no meu último comentário quanto no texto, eu critiquei a esquerda que opta pela disputa eleitoral, tanto quanto a esquerda que opta por fazer campanhas pelo voto nulo? Creio que não.

  15. Este texto é de uma imbecilidade infinita. Não apresenta nenhum dado concreto para demonstrar que «as lutas são freadas e interrompidas e todas as apostas são, de um jeito ou de outro, depositadas na dinâmica eleitoral». Nenhuma análise sobre a peculiaridade da sociedade em processo eleitoral. Nenhum marxismo que faça jus ao segundo parágrafo do 18 de Brumário: «Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado».

    Como comentei num debate acerca deste assunto, no qual Heitor César defendia a candidatura popular e Gas Pa o voto nulo, chamei a atenção para duas coisas. Primeiro, que estas diferenças são colocadas sempre no plano abstrato, da abstração teórica, traduzindo a raíz acadêmica da esquerda brasileira e, de forma muito particular, carica. Segundo, seja pelo voto à esquerda, seja pelo voto nulo, uma campanha que leve os partidos para a periferia é boa. Significar entrar em contato com gente nova que é será participe nesse processo necessário de tirar a esquerda das muralhas da universidade.

    Felizmente o debate era em Campo Grande (Rio de Janeiro).


  16. Como o fazem o Indymedia e outros meios da “esquerda” do capital, o autor do texto, como é tradição no “passapalavra.org” tem que caricaturizar o boicote às eleições porque o passapalavra é ligado a organizações petistas e eleitoreiras como MST, MTST e MPL.

  17. que engraçado, nunca tinha ouvido falar em um boicote eleitoral no qual o trabalho das organizações boicotistas fosse o de convencer a população a escolher uma das opções disponíveis na urna.

  18. Menos, José Ferreira, menos.

    O texto aqui publicado peca por promover caricaturas das posições que combate.

    Apesar disso, traz um elemento importante no debate político da esquerda brasileira: o oportunismo de certa esquerda que cai de para-quedas nas lutas com o único objetivo de pedir votos (já encontrei essa espécie várias vezes).

    Não há santos nessa turma.
    Mas você considera que ir à periferia apenas para pedir votos é positivo, não?

    abs

  19. Boa parte dos comentadores, até agora, “argumentou” que o texto é ruim, que faz caricaturas, que não apresenta dados, que se mantém em abstrações teóricas… Mas esses comentários são, no mínimo, e sendo generoso, igualmente ruins, igualmente caricatos, não apresentam dados e se mantêm em abstrações teóricas. Sem mais.

  20. Pois é Fagner, e sair com um “tu quaoque” não resolve muita coisa. Dizer que os comentários são “caricatos”, “abstrações” e não respondê-los só os confirma.Torcer o nariz e dizer “não gostei” não apaga o teor ideológico do teu texto.

    Com relação ao teu posicionamento, nada de novo. Outros meios já fizeram campanhas semelhantes, e curiosamente, quando uma maré de abstenções/votos nulos poderia ameaçar o PT diante de candidatos considerados de “direita” ou “autoritários”: http://www.midiaindependente.org/pt/red/2006/09/359717.shtml e http://www.midiaindependente.org/pt/red/2010/09/477623.shtml . Especialmente em 2006, quando após o mensalão um tsunami de votos nulos poderia ameaçar a reeleição do seu Lula, enquanto uma suposta “direita” dizia na mesma época que anular ou não votar, ajudaria a enfraquecer a oposição e seria o mesmo que votar no governo. Logo, observa-se que campanhas contra as eleições incomodam ambos os lados(isso ficou ainda pior em 2014).

    Sem contar o teor intelectualista do texto (é impressionante como fala em “insuficiência teórica” -e aí seria da parte de quem? da classe trabalhadora? dos intelectuazinhos universitários filiados a partidos e organizações estudantis?), de um ar vanguardeiro colocando todo o peso no lado ideal da coisa, da suposta “consciência”.

    Vamos agora às falácias mais gritantes:

    “Votar em candidatos não serve para promover mudanças, pois as transformações não são conquistadas através das urnas e as campanhas pelo voto nulo atuam nesse sentido, auxiliam na conscientização, na formação de uma consciência revolucionária. Promover a formação de uma consciência revolucionária através das urnas é o que se propõe. Contudo, as próprias campanhas pelo voto nulo repetem os mesmos erros que os seus defensores dizem combater.”

    Campanhas de voto nulo e abstenção não promovem “formação de consciência revolucionária através das urnas”, fazem parte das lutas sociais contra o Estado, denunciando todas as facções do capitalismo. Com exceção de partidos eleitorais perdedores, que só deixam para chamar voto nulo no 2º turno, a palavra de ordem “voto nulo” (ou abstenção) é uma PALAVRA DE AGITAÇÃO e não finalidade em si mesma. Mas o discurso do texto tenta separar lutas sociais de voto nulo (ou abstenção), como se fossem coisas opostas ou inconciliáveis. E claro, é uma forma silenciosa de fazer campanha partidária (ainda que inclua algumas menções dizendo que a intenção não é essa), já que o boicote não serve para nada.

    Prosseguindo:

    “Durante as eleições, quando as disputas internas às classes dominantes se acirram momentaneamente, quando são visíveis as fissuras entre os donos dos poderes político e econômico, seria o momento de intensificar as lutas dos trabalhadores pela base, intensificar a auto-organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, nos locais de moradia, nos locais de estudo, nos locais de trânsito. É nesses locais que as lutas de classes têm lugar.”

    Esse acirramento dentro da classe dominante não ocorre nas eleições. Eleitoralismo e estado democrático representam muito mais um acordo dentro da elite – todos têm direito de concorrer, contanto que se aceite o vencedor – do que “acirramento” ou “fissuras” do poder. As fissuras ocorrem quando uma facção passa a questionar a legitimidade do próprio estado de coisas dominado pelos concorrentes (o golpismo seria um exemplo, as campanhas de impeachment, outro). A ambiguidade quando se diz “organizar as lutas pela base” (slogan também de aparelhos petistas como MPL, MST) não mostra o que isso realmente significa. Sem contar que o campo da luta de classes é toda a sociedade, e não “locais” específicos onde a classe trabalhadora estaria ‘escondida’ cabendo a quem defende posições revolucionárias ‘procurá-la’ nesses locais. Tão importante como a luta contra a escravidão assalariada é a luta contra a servidão eleitoral, denunciando o Estado e todas as facções envolvidas na corrida pelo seu comando. Mas para o autor do texto, uma coisa só existe quando não há a outra. Sabe-se muito bem a quem isso beneficia: aos supostos “movimentos” que se dizem independentes de partidos…para melhor serem comandados pelos militantes profissionais desses mesmos partidos, disfarçados de gente de base.

    E aí vem outra:

    “Outros pretendem fazer campanhas para conscientizar os trabalhadores de que o voto nada muda, também como se eles já não soubessem disso (as estatísticas de abstenções eleitorais em vários países são, nesse sentido, reveladoras). A solução para tanto é também votar, mas anulando o voto. A análise dos problemas e a solução proposta são as mesmas: anular o voto não deixa de ser votar. Em ambos os casos, revela-se não só uma grande debilidade teórica mas também um certo elitismo. Os trabalhadores precisam que alguém lhes diga quais são os seus próprios problemas e lhes aponte soluções. Essas esquerdas pensam estar, assim, realizando um trabalho de base de caráter pedagógico. A classe trabalhadora parece não ser composta de pessoas maduras, que encaram a exploração e a opressão diariamente e que, volta e meia, se insurgem contra as desigualdades.”

    “Os trabalhadores precisam que alguém lhes diga quais são os seus próprios problemas e lhes aponte soluções.” Combater o voto nulo – ou as campanhas de boicote – que seria derivado de uma suposta “insuficiência teórica” não participa dessa mesma visão de mundo? Nesse caso, o texto cheira a hipocrisia.

    Se o elitismo é um problema, outro problema tão semelhante é o basismo espontaneísta. Vejamos: se os trabalhadores são tão “maduros” assim (tão maduros que podem ter até apodrecido, se seguirem o que predomina atualmente), e sabem perfeitamente que o voto nada muda…porque vão correndo votar na tia Dilma com medo da “direita golpista”??? Direita essa que ela deixou bem à vontade para meter bastante medo nos desprevenidos, de modo que pôde se passar por “remédio” contra os doentes ideológicos…Se a classe é tão dona da verdade assim, como pode se pintar de verde e amarelo e votar na “direita” contra a “ditadura cubano-chavista”, repleta de “corrupção” e carestia??? O que se depreende de toda essa bajulação demagógica do proletariado, pintando sua debilidade como força e sua desorientação em vários aspectos (não todos) é a desorganização da luta de classes. Quando os trabalhadores se organizam em grupos revolucionários, isso é considerado “elitismo”, “vanguardismo” (dogma autonomista/conselhista), quando na verdade essa organização é um salto de consciência: a saída da resistência individual dispersa e sem futuro para a guerra de classe coletiva. Agora, se dizer que os trabalhadores na fase atual, com tanta ausência de organização e de foco “já sabem tudo” falta dizer por que a revolução ainda não ocorreu…É a cisão entre organização e classe instilada por Kautsky-Lenin e tomada por verdade até por alguns que julgam negá-los, como os conselhistas. A propaganda pelo voto nulo (ou pela abstenção), pelo boicote eleitoral é tão necessária quanto os piquetes em frente aos locais de trabalho, para convencer alguns a aderir e a enfrentar os fura-greves. Se todos já tivessem essa onisciência que o autor do texto argumenta, qualquer campanha contra o capital, os patrões e o Estado seria desnecessária.Idolatrar o senso comum é a primeira e mais viável forma de demagogia social-democrata. O PT começou assim, lembremos dos primeiros discursos de Lula elogiando a sabedoria dos trabalhadores, chegando a dizer até que não precisavam de teoria nem de propaganda (porque essas eram privilégio da Articulação/Campo Majoritário, esqueceu de dizer).

    E vem depois o duplo-sentido, cheio de armadilhas:

    “A esquerda que defende o voto nulo adota, sem tirar nem por, essa mesma ideologia e essa mesma prática: do ponto de vista ideológico, o voto é concebido como um instrumento de mudança eficaz; do ponto de vista prático, votar é realizar as mudanças na prática, votar é protestar radicalmente contra o estado de coisas em vigor. Da mesma forma, o protesto se desloca das ruas para as urnas. A única diferença é que, ao invés de serem promovidas pela eleição de representantes, as mudanças são promovidas pela anulação dos votos.”

    Primeiro lugar, falta dizer o que o autor entende por “esquerda”. Historicamente, o campo da “esquerda” agrupa quem quer a mudança social, a transformação para um outro tipo de sociedade. Difícil falar de “esquerda” quando há um partido dito “dos trabalhadores” vinculado a latifundiários, banqueiros e que dá isenção tarifária ao varejo, enquanto morde o pouco que o trabalhador poderia ter no bolso. Difícil falar de “esquerda” quando há partidos falidos que além da estatolatria que lhes é comum, sem projeto de transformação (isso quando não associam imperialismo só com Estados Unidos, mas a burguesia local ou a da Europa, tudo bem), chamam “voto nulo” só no segundo turno. Essa visão de mundo reaparece em um dos comentários do autor: “critiquei a esquerda que opta pela disputa eleitoral, tanto quanto a esquerda que opta por fazer campanhas pelo voto nulo”. Mais uma vez julga essas facções pelo que dizem de si mesmas e não pelo que fazem. Considera-as socialmente transformadoras, usando um jogo de palavras que não especifica se está a falar da “esquerda” do capital (e a adesão a esse campo independe das intenções) ou de quem de fato propõe e luta pela revolução.

    O texto poderia ter acertado ao questionar o chamado “voto de protesto” (quem quer protestar não vota), seja nos tiriricas, nos partidos nanicos ou nulo. Mas novamente insiste no raciocínio do “desvio dos protestos das ruas para as urnas”, quando o rechaço às urnas pode perfeitamente ocorrer com ações nas ruas, inclusive contra as eleições e inviabilizando as eleições (mas aí os pacifistas com medinho de ilegalidade vão vir aqui reclamar).

    Em um dos comentários, a tentativa de se passar por João-sem-braço:

    “Não sei o se MTST, nesse sentido, se distancia tanto assim do MST. Além do mais, o posicionamento de cada organização em relação às eleições, no plano do discurso, não importa tanto assim, quando o que se vê é uma grande paralisia e quando essas organizações são pautadas, mesmo que momentaneamente, pela agenda da democracia representativa.”

    As organizações petistas como MTST,MST,MPL,CUT,UNE e outras têm todas uma agenda comum e no plano dos fatos fazem o mesmo. O que fazem no plano eleitoral é só decorrência. A suposta “combatividade” do MTST (que só existe em São Paulo e é só contra o Alckmin) já foi desmentida o suficiente pelo seu pacto com Dilma para garantir a copa da Fifa em 2014. Foi o MTST que mandou parar com as ocupações, que mandou suspender movimentos e ações de afronta ao Estado para honra e glória da Fifa e de Dilma.Em troca, recebeu promessa do tio Haddad e da tia Dilma de que um belo dia, quem sabe, construiriam “casas populares”. Em agosto, já estavam nas ruas dizendo que Dilma e Haddad “traíram” o acordo feito. Jura mesmo? E não sabiam de nada antes? O papel de polícia do MTST, repetindo um ano depois o acordo do MPL para acabar com as manifestações só poderia acabar em apoio eleitoral. Mas Fagner faz de conta que não sabe de nada disso, e acaba ignorando essas decorrências, especialmente se considerarmos que o habitat natural desses aparelhos é o Estado (e isso não é uma agenda momentânea).

    Ao tal de Lucas, que postou “que engraçado, nunca tinha ouvido falar em um boicote eleitoral no qual o trabalho das organizações boicotistas fosse o de convencer a população a escolher uma das opções disponíveis na urna”, pergunto se a opção “voto nulo” existe na urna. As que existem são: branco, corrige e confirma. Também pergunto se a opção abstenção existe na urna (e nesse caso seria opção dentro do sistema também, quando a pessoa justifica o voto ou paga multa). E aí é preciso perguntar: não seria uma contradição, no caso de uma greve, por exemplo, inimigos da escravidão assalariada se revoltarem contra salários baixos? Não seria também uma contradição convencer as pessoas a se revoltarem contra um aumento na tarifa de ônibus e não contra a existência da tarifa em si mesma? Não seria uma contradição ocupar imóveis vazios para obter uma propriedade imobiliária ao invés de negar a existência da propriedade privada em todos os sentidos? Não seria também uma contradição resistir com armas na mão à violência armada da polícia, dos pistoleiros e dos grupos de extermínio (objeção predileta dos pacifistas à luta armada)?

    Isso de “não é a solução final nem a mais radical, por isso…não faremos nada” – ou “apoiaremos os moderados que graças a Deus existem e pelo menos são ‘melhores’ que a direita” são as desculpas “revolucionárias” favoritas de todos os pelegos, “radicais” (na aparência) contra o voto nulo, reformistas em todas as outras coisas. Falta-lhes visão de totalidade, vendo a conexão entre os instantes das lutas e entre cada luta dentro de uma totalidade dinâmica e subversiva. Mas preferem ficar na visão linear: é proibido combater o inimigo com armas moralmente reprováveis, ainda que seja a moral de uma suposta “esquerda autônoma”, mas não menos colaboracionista.

  21. Kátia tem razão. ” melhor se mobilizar para influenciar os resultados das eleições e esperar para ver o que vai dar. É extremamente difícil colocar as pessoas em movimento, fora dessa dinâmica. Fica tudo em stand by.”, eis a mensagem. Para não ficar a serviço da ordem, vote e espere… ao invés de ficar posando de revolucionário e servir a ordem como os adeptos do voto nulo, é melhor ficar posando de revolucionário votando e esperando… Texto ridículo e que mostra a total debilidade de argumentos e falta de qualquer percepção teórica ou mais ampla da realidade. Típico de aluninhos de história que ficam endeusando os Paulos Coelhos da historiografia, que aplaudem seus discípulos pela contribuição “revolucionária”, digna dos oportunistas de plantão.

  22. E qual é a “percepção teórica ou mais ampla da realidade” que AFrânio Coutinho possui para afirmar que sou um dos “aluninhos de história que ficam endeusando os Paulos Coelhos da historiografia, que aplaudem seus discípulos pela contribuição ‘revolucionária’, digna dos oportunistas de plantão”? Por acaso me conhece? Felizmente creio que não. E o que AFrânio Coutinho agrega ao debate? Uma pessoa mais rude que eu responderia “merda nenhuma”.

    Até pensei em responder aos comentários de Diego Rezende, mas por que perder tempo com Diego e seus comentários quando Diego afirma num comentário que o Passa Palavra é ligado a organizações petistas e eleitoreiras como o MPL? Será que a burrice consegue mesmo se personificar tão bem assim num comentador?

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