Como bem indicam em Guerrero: “Seis anos de guerra contra o narcotráfico não serviram para droga nenhuma. Nós com nossa polícia resolvemos as coisas em um mês”. Por Tomás Holguín

Atualmente temos uma presença de grupos de autodefesas ou polícias comunitárias em pelo menos 11 estados da república, ou seja, em pelo menos 106 municípios de nosso país, os quais ocupam 5,11% da área total do México. Destes municípios, aproximadamente 77% deles se encontram em três estados, Michoacán, Guerrero e Chiapas, enquanto o resto dos casos se distribuem em uma frequência bem mais baixa entre Colima, Chihuahua, Estado de México, Guanajuato, Hidalgo, Jalisco, Morelos, Oaxaca, Puebla, Tabasco, Tlaxcala y Veracruz. A maior parte destes municípios tem uma vocação rural. [1]

Em Michoacán as autodefesas comunitárias controlam a quinta parte do estado [2] e dizem contar com pelo menos 25.000 pessoas armadas. [3] Uma pesquisa revela que 58% da população de Michoacán aprova a existência das autodefesas comunitárias. [4] [5]. 3pngRecebem apoio monetário, com gasolina ou animais (vacas)[6], da parte dos ejidatários [7], fazendeiros ou de empresários da região. [8] O armamento é obtido como troféus de guerra tomados dos Cavaleiros Templários (grupo de narcotraficantes) que matam. [9]

Vários de seus integrantes são emigrantes que chegaram a viver nos EUA mas que decidiram regressar, ficar e lutar contra o crime organizado para defender as suas famílias e comunidade. [10] Não só homens integram as autodefesas comunitárias, mas também mulheres as compõem. [11] [12]

Em Guerrero as polícias comunitárias recebem o apoio de parte da população por meio de doações voluntárias de 200 ou 300 pesos mexicanos, que a faz com gosto, comparando que antes tinha que pagar cotas ao crime organizado de 1.000 ou 2.000 pesos mexicanos. [13] Segundo dirigentes das polícias comunitárias, neste estado chegaram a resolver 90% do problema da delinquência, destacando que se não chegaram ao 100% é porque as autoridades protegem os delinquentes. [14] De toda forma eles fundamentam estas ações na própria constituição mexicana (artigo 39, “O povo tem o inalienável direito de modificar ou trocar seu governo”) [15] [16]

Como tem reagido o Governo Federal frente a surgimento das autodefesas e das polícias comunitárias?

Para começar, é evidente que anteriormente ao surgimento das autodefesas e polícias comunitárias o governo nada havia feito para resolver o problema do crime organizado (narcotráfico), pelo contrário, com a desculpa mentirosa de uma “Guerra contra o narcotráfico”, militarizou-se o país e a violência contra a população civil cresceu [17] [18] [19] [20] [21]. Como bem indicam em Guerrero: “Seis anos de guerra contra o narcotráfico não serviram para droga nenhuma. Nós com nossa polícia resolvemos as coisas em um mês”. [22]

Nos primeiros dias de janeiro de 2014, quando as autodefesas comunitárias em Michoacán se dirigiram para a tomada de Apatzingán (epicentro econômico e político da Tierra Caliente), bastião dos Cavaleiros Templários, o governo apareceu e impediu a entrada e a tomada da cidade por parte das autodefesas comunitárias. [23] A primeira ação do Governo Federal foi tentar desarmar as autodefesas com toda pompa e violência por intermédio do exército, mas a população civil impediu, fato que custou a vida de quatro civis desarmados, incluindo uma menina de 11 anos, assassinados pelo exército mexicano. [24]. Este último fato, juntamente com os tão conhecidos vínculos do exército com o narcotráfico na comunidade de Michoacán, fazem esta instituição do Estado ser tão odiada pela população. [25]

5As condições em Michoacán solicitam as autodefesas. A população não considera o desarmamento até que o Governo Federal lhes entregue Kike Plancarte, El Chayo, La Tuta e El Tío (cabeças do grupo criminoso Cavaleiros Templários), e por isso estão dispostos a lutar contra o governo caso este comece a prender os integrantes das autodefesas comunitárias. [26] Por isso, o Governo Federal tem improvisado um plano B, buscando institucionalizar as autodefesas da região através do Acordo para o Apoio Federal para Segurança de Michoacán. [27] Como a repressão direta jamais será descartada pelo Governo Federal, as autodefesas devem estar atentas e impedir seu desarmamento. [28]

Durante o breve período que levou ao Governo Federal atender a situação de Michoacán, foram contemplados com a captura de alguns membros dos Cavaleiros Templários completamente desconhecidos pela comunidade, razão óbvia pela qual leva as autodefesas se perguntarem “quem diabo são estes?”. [29]

“Por que vieram exatamente agora, se isto tem se passado aqui já faz tantos anos?”, se pergunta um vendedor de picolés diante da recente presença do Governo Federal por contra do problema da violência em Michoacán [30].

Nós temos a resposta: porque não querem o povo trabalhador armado e autogerindo sua segurança e justiça de maneira independente do Governo, pois correm o risco de que as pessoas se deem conta (tomem consciência) de que o Governo pró-empresarial (burguês) atual não é indispensável para garantir uma vida digna, e que ao tomar consciência disto se deem conta de que de posse do poder de autogerir e controlar o sistema de segurança e justiça de sua comunidade também possam autogerir e controlar o resto das funções do Governo (a economia, a saúde, a educação, a cultura, etc.); fato que desembocaria em um poder popular de gente consciente contra o poder do Governo que se encontra nas mãos de uma minoria capitalista, avarenta, corrupta, exploradora e opressora. Uma senhora da terceira idade, no contexto do acordo Governo-autodefesas compreende isso muito bem: “Por que estamos fazendo este acordo agora? Por que vamos trabalhar com o governo quando comprovamos que não necessitamos deles para organizar e defender a nós mesmos? Por que fazer acordo com criminosos de colarinho branco?” [31]

Esse é o grande risco que vê o Governo com a comunidade fazendo justiça social por contra própria; pouco lhe importa o crime organizado – com o qual tem elos políticos e econômicos. Se combate a crime organizado, isto só será feito em função de um objetivo essencial: desarmar a população. Se a população não estivesse armada o Governo Federal nunca teria se apresentado no estado de Michoacán e as matanças e o crime organizado seguiriam impunes sem parar. [32]

guerreropolicia-normalAs pessoas que neste momento lutam de maneira armada em Michoacán contra os Templários temem que, uma vez estes sendo extintos, eles mesmos possam ser criminalizados, perseguidos e encarcerados por parte do Governo Federal. Esta é a suspeita que levanta o acordo governo-autodefesas, que o registro seja utilizado depois pelo Governo Federal e pelo Estado para perseguir e localizar estas pessoas. [33]

Efetivamente eles têm boas razões para desconfiar do Governo, pois situação muito parecida ficou evidente na história recente muito próxima de Michoacán: em Guerrero, no ano de 2013, o Governo Federal primeiro “cooperou” com as polícias comunitárias para deter alguns criminosos da comunidade e, após o êxito, o segundo passo foi retirar todo “apoio” as policias comunitárias, prendendo os seus dirigentes, entre os quais estão as comandantes Olinalá Nestora Salgado e mais doze de seus companheiros da CRAC. [34] [35]

O Modus operandi é descrito em um comunicado da Comissão Nacional de Direitos Humanos sobre a situação em Guerrero:

“ … postura do Governo do estado de Guerrero, que em um primeiro momento apoiou estes grupos, inclusive economicamente, os reconheceu e realizou diversas ações para amparar seu surgimento, mas recentemente tem realizado ações como a detenção de integrantes destes grupos… resultando em preocupações para este organismo nacional quanto à forma que se comportaram as autoridades deste estado, que tem realizado diversas ações que aparentam um uso político da justiça com a finalidade de criminalizar a atuação de certos grupos e pessoas; exemplo disto é solicitar a prisão da coordenadora da polícia comunitária em um centro penitenciário distante de seus familiares, sem deixar de observar que o delito que lhe foi imputado – sequestro – poderia estar relacionado com o tipo de atividade que realizava em seus trabalhos na polícia comunitária – como é a prisão de pessoas -, as quais foram avalizadas, reconhecidas e apoiadas pelo Governo do estado de Guerrero”. [36]

Os comunitários (outra forma que na comunidade se chamam as autodefesas, porque “eles são a comunidade” [37]), inteligentemente veem a realidade da situação: “Eles (o governo) estão nos usando para se saírem bem, mas o que querem de verdade é uma lista de nomes para que no momento que quiserem venham nos desarmar e nos deter depois que quebramos seu galho”. [38]

Recentemente o Governo Federal emitiu alguns comunicados sobre as autodefesas em Michoacán, atribuindo-lhes vínculos com grupos do crime organizado e manifestando que estas podem se converter em um novo grupo criminoso; assim o Governo Federal criminaliza as autodefesas e justifica a ação repressiva contra elas. [39]

Conclusão: autoridades-delinquentes

  p1080510Já mencionamos que o Governo Federal impediu a entrada das autodefesas em Apatzingán (bastião dos Cavaleiros Templários), ação que clarifica esta conclusão: como reza o ditado “pensa mal e acertarás”.

Mas a comunidade sabe e tem denunciado esta situação uma infinidade de vezes, tem sido muitas as testemunhas vítimas desta conclusão, sobre a cumplicidade entre criminosos e autoridades que assumiriam papéis trocados, atuando como um ou outro de acordo com o momento. As denúncias estão sendo realizadas por diversos meios, em relatórios na comissão de direitos humanos, etc. O que acaba por comprovar nos assédios e ameaças que têm sofrido as autodefesas e polícias comunitárias tanto por parte das autoridades como dos delinquentes, onde já se vão vários mortos, outros estão presos e outros ainda com ordem de prisão; autoridades e delinquentes unidos contra as autodefesas e políticas comunitárias. [40] [41] [42] [43]

Socialismo e polícias comunitárias

Estas comunidades foram obrigadas a se armarem para resolver um problema concreto e imediato, a da insegurança e violência – que têm chegado a graus extremos -, entremeados pela negligência ou cumplicidade do Estado com relação a este problema.

Para o Estado a existência destas organizações armadas é incompatível com seu ser, porque significa que lhe subtraíram o monopólio da força. Atualmente as armas das polícias comunitárias são para se defenderem dos delinquentes, mas amanhã poderiam ser endereçadas contra o poder burguês e contra os capitalistas. As polícias comunitárias são iniciativas altamente revolucionárias que, sem saber, têm posto em prática a consigna socialista de armamento popular.

Em termos da ciência da revolução, as polícias comunitárias são experiências embrionárias de um poder armado camponês e popular.

O Estado é, de fato, substituído por organismos criados desde a base pela sociedade. O EZLN e suas Juntas de Bom Governo formam parte também destas instâncias de duplo poder. Em Chiapas, o zapatismo governa através das Juntas de Bom Governo milhares de indígenas em sete regiões. Isto para o Estado mexicano é, por sua dinâmica, impossível de tolerar, e o fato de ser um fenômeno em ascensão tem acendido os focos de alarme entre a classe dominante. A contradição para o Poder é que se encontra limitado para combater grupos que enfrentam os criminosos e que trazem segurança que não são capazes de garantir as instâncias estatais. A burguesia e seus políticos tem empreendido uma intensa campanha midiática com o objetivo de sufocar estes organismos. Outras causas que explicam o caráter explosivo das mobilizações indígenas são a miséria de que se padece mais no campo e que aumentará com a subida dos preços dos alimentos. A continuar assim, haverá mais desconfiança com a burguesia e mais radicalidade. As razões que acendem a luta indígena e camponesa são problemas estruturais do capitalismo, como a necessidade que este tenha que explorar barbaramente os recursos naturais do país; a falta de empregos, a carestia e a miséria; a extensão da burguesia delinquente e narcotraficante que se encontra cada vez mais imbricada com outros setores empresariais e com os políticos burgueses. [44]

[*] Tomás Holguín é médico psiquiatra mexicano e militante do Partido Operário Socialista.

Tradução do Passa Palavra a partir do original Autodefensas y policías comunitarias en México disponível em: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=180446

Notas

[1] «La geografía de las autodefensas», Animal Político, http://www.animalpolitico.com/blogueros-causa-en-comun/2014/01/28/la-geografia-de-las-autodefensas/.
[2] Ediciones El País, «Los justicieros de Tierra Caliente», EL PAÍS, 20 de janeiro de 2014, http://internacional.elpais.com/internacional/2014/01/17/actualidad/1389987585_455506.html.
[3] «La Jornada: ‘‘Contamos con 25 mil hombres armados’’, dicen autodefensas», http://www.jornada.unam.mx/2014/01/16/politica/004n1pol.
[4] «El 58% de michoacanos avala autodefensas, revela encuesta», Quadratín, http://www.quadratin.com.mx/justicia/El-58-de-michoacanos-avala-autodefensas-revela-encuesta/.
[5] «La Jornada: Podría vivir tranquilo en EU, pero ¿qué iba a pensar mi familia?: El Americano», http://www.jornada.unam.mx/2014/01/23/politica/005n1pol.
[6] Ibid.
[7] Nota do tradutor: ejidatários são os moradores dos ejidos, áreas em regime de propriedade comunal.
[8] País, «Los justicieros de Tierra Caliente».
[9] Ibid.
[10] «La Jornada: Podría vivir tranquilo en EU, pero ¿qué iba a pensar mi familia?: El Americano».
[11]
«Avanza policía comunitaria a Mazatlán, Guerrero – Agencia Imagen del Golfo», http://www.imagendelgolfo.com.mx/resumen.php?id=40987309.
[12] «Ama de casa toma las armas y se integra a las filas de autodefensas», Proceso, http://www.proceso.com.mx/?p=363325.
[13] «Informe especial | Comisión Nacional de los Derechos Humanos – México», http://www.cndh.org.mx/node/913372.
[14] «Líder de autodefensa acusa a militar de nexos con el narco | Red Política – El Universal», http://www.redpolitica.mx/estados/policia-civil-acusa-capitan-del-ejercito-de-nexos-con-el-narco.
[15] «Líder de autodefensa acusa a militar de nexos con el narco | Red Política – El Universal».
[16] «Guerrero: Un año sin policía y sin mafia. Un año de autodefensas – emeequis».
[17] «Asamblea no a la militarización: A la comunidad en general», http://noalamilitarizacion.blogspot.mx/2009/07/la-comunidad-en-general-desde-la.html.
[18] «Asamblea no a la militarización: Foro Celebrando las Luchas Sociales en Ciudad Juarez», http://noalamilitarizacion.blogspot.mx/2009/08/foro-celebrando-las-luchas-sociales-en_10.html.
[19] «FNCR-Ciudad Juárez, Chihuahua: Tendencias peligrosas», http://fncrjuarez.blogspot.mx/2009/02/tendencias-peligrosas.html.
[20] «FNCR-Ciudad Juárez, Chihuahua: Balance de la Visitaduría de la CEDH sobre la participacion del ejército en Ciudad Juárez, periodo (enero 2008-febrero 2009)», http://fncrjuarez.blogspot.mx/2009/03/balance-de-la-visitaduria-de-la-cedh.html.
[21] «Una crítica a la izquierda. Sobre las autodefensas y la represiónPor Tomás Holguín», Partido Obrero Socialista, http://pos.org.mx/?p=6294.
[22] «Guerrero: Un año sin policía y sin mafia. Un año de autodefensas – emeequis», http://www.m-x.com.mx/2014-01-12/guerrero-un-ano-sin-policia-y-sin-mafia-int/.
[23] País, «Los justicieros de Tierra Caliente».
[24] Ibid.
[25] «Cruzando Fronteras en Territorio Templario – El Enemigo Común», http://elenemigocomun.net/es/2014/01/cruzando-fronteras-territorio-templario/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=cruzando-fronteras-territorio-templario.
[26] «La Jornada: Podría vivir tranquilo en EU, pero ¿qué iba a pensar mi familia?: El Americano».
[27] «Claves del acuerdo entre Segob y autodefensas | Red Política – El Universal», http://www.redpolitica.mx/estados/los-ocho-punto-del-acuerdo-segob-autodefensas.
[28] «Editorial El Socialista en red #46», Partido Obrero Socialista, http://pos.org.mx/?p=6351.
[29]Texto em negrito País, «Los justicieros de Tierra Caliente».
[30] Ibid.
[31] «Cruzando Fronteras en Territorio Templario – El Enemigo Común».
[32] «Michoacán, Guerrero… el pueblo armado y su derecho a hacerlo. Por Cuauhtémoc Ruiz, 22 de enero», Partido Obrero Socialista, http://pos.org.mx/?p=6429.
[33] «Cruzando Fronteras en Territorio Templario – El Enemigo Común».
[34] «Informe especial | Comisión Nacional de los Derechos Humanos – México».
[35] «Una plática con la familia y amistades de Nestora Salgado. Por Tomás Holguín», Partido Obrero Socialista, http://pos.org.mx/?p=6007.
[36] «Informe especial | Comisión Nacional de los Derechos Humanos – México».
[37] «Cruzando Fronteras en Territorio Templario – El Enemigo Común».
[38] Ibid.
[39] «La Jornada: En 2013, el gobierno detuvo a 34 autodefensas que fueron capacitados en manejo de armas», http://www.jornada.unam.mx/2014/01/23/politica/006n1pol.
[40] «La Jornada: Podría vivir tranquilo en EU, pero ¿qué iba a pensar mi familia?: El Americano».
[41] «Líder de autodefensa acusa a militar de nexos con el narco | Red Política – El Universal».
[42] Ediciones El País, «La crisis de narcoviolencia hunde en la sospecha al Gobierno de Michoacán», EL PAÍS, 31 de julio de 2013, http://internacional.elpais.com/internacional/2013/07/31/actualidad/1375299313_250798.html.
[43] «Informe especial | Comisión Nacional de los Derechos Humanos – México».
[44] Se está incubando un levantamiento indígena y popular. Pluma. Revista teórica marxista de política, arte y cultura. No 22, verano del 2013.

1 COMENTÁRIO

  1. Um bom documentário pra entender os grupos de autodefesas e a falta de qualquer conteúdo revolucionário é o documentário: Cartel Land, de Matthew Heineman.
    Mostra como empresários e proprietários sempre tiveram o controle dos grupos. O resto da população cumpria seu papel de bucha de canhão. E o resultado final dos comitês é muito interessante.

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